O discurso musical luminoso dos Beach House na noite cerrada do Porto
26 de setembro de 2018 recebeu, no célebre Teatro Sá da Bandeira, os Beach House, acabados de sintonizar Lisboa com a sua celestialidade. A noite cerrada do Porto preparava-se, assim, para um concerto que convidava ao intimismo, ao mesmo tempo que prometia levar algo de nós para dentro e para fora do recinto. As energias concentravam-se e fluíam pela formalidade do teatro, enquanto este se desinibia à medida que as notas eram entoadas e as narrativas encetadas. A preparação foi conferida pelos Sound of Ceres, banda inspirada na mitologia e no arrojo audiovisual, conferindo uma textura preparativa à medida daquilo que se iria assistir de seguida. O dream pop fluiu por entre a escuridão cada vez mais luzidia e mereceu uma forte ronda de aplausos a Karen e Ryan Hover, dupla dos Candy Claws, aos quais se juntam Ben Phelan, dos The Apples in Stereo, e Jacob Graham, ex-membro dos The Drums.
Recompostos da viagem que orbitou por entre sensações tremeluzentes, chegaram os Beach House, aclamados num teatro que se aprestava para contemplar a viagem intergalática tão desejada. A guitarra vibrante de Alex Scally e a voz singular de Victoria Legrand contaram com o apoio do baterista James Barone, parte integrante da nova dimensão dos Beach House. Foi assim que arrancou um espetáculo que iluminou o Teatro como poucos o fizeram, numa diversidade de tons e de melodias que conheceu proporção nos desfechos de luz que iam disparando. Inebriava-se assim, entre notas mais ou menos altas, quem se entregava à densidade harmoniosa da sua música. A expectativa era alta para aquilo que o seu novo álbum, 7, traria aos palcos, neste que foi um dos primeiros concertos da digressão europeia de apresentação do mesmo. A desilusão não pairou, embora a sua assertividade em palco aumentasse de forma exponencial em relação à serenidade dos tesouros dos álbuns Depression Cherry e Bloom; um contraste que se respeitou e que se entendeu como o corolário de uma banda cada vez mais completa, também ela capaz de dilacerar e de estremecer.
Entre os tesouros, ficaram no ouvido as constantes e perseverantes “Space Song” – arrancou em estilo e propôs-se, desde logo, a conectar-nos ao seu cosmos – “Myth”, “Levitation” e a impressionante “PPP”, que serviram de contraponto para aquilo que se viria a seguir com a abertura do livro do novo álbum. “Lemon Glow”, “Dark Spring”, “Black Car” e “Drunk in LA” conferiram algo estranhamente íntimo da agressividade, mas que não fragiliza nem vulnerabiliza quem quer que seja. Muito pelo contrário, consome e consuma um ato divino de metamorfose, em que a destruição tem o seu papel simbólico na transmutação, dimensão etérea tão sobejamente conhecida na banda. As letras eram o menos importante, mas sim deixarmo-nos imergir naquilo que era a arte (mais) ruidosa e colorida dos Beach House. O discurso artístico é cada vez mais entendido na relação das partes, muito mais daquilo que é a sua mera instrumentalização, muito mais do singelo epíteto de “boa música”.
Com um final que nos conduziu às profundezas de uma densidade ensurdecedora – foi “Dive” que nos conduziu a tal imensidão – o cansaço foi imenso, complementado pelo calor que a instabilidade climática proporciona ao Porto e ao seu mundo. No entanto, a sensação de que os Beach House estão cada vez mais sintonizados com auras distintas, mas longe de serem contraditórias, é cada vez maior. O perfume faz-se inalar na sinestesia que torna a música visual e os efeitos visuais autênticas melodias. A dispersão aumenta em solos cada vez mais demorados e arrojados, dando contas de uma intensidade maior, de um exorcismo de pacifismos que poderiam adormecer e amolecer o que a música proporciona. Neste espetáculo audiovisual, nesta experiência imersiva, os Beach House deixaram a impressão e alojaram a paixão.