O épico pós-separação de ‘Dirty Projectors’
O título do oitavo longa-duração dos Dirty Projectors confirma-nos aquilo que sempre foi claro: este é o projecto de Dave Longstreth, que por vezes se faz acompanhar de outros músicos. Sendo agora o único elemento fixo do projecto, pode dar asas à sua criatividade. Este álbum é claramente acerca do término da sua relação com Amber Coffman, ex-colaboradora da banda. De forma mais abrangente, é um álbum intrigante e cativante acerca da transiência das relações humanas.
Para quem conhece o percurso da banda, este álbum está pejado de referências. Começa pela capa meta, uma referência à capa do álbum mais celebrado dos Dirty Projectors, Bitte Orca, em que as duas principais vocalistas nesse álbum são substituídas pelo vazio.
A experimentação característica da banda não se perdeu. Aliás, com a inclusão de novos elementos electrónicos, está mais fresca que nunca. Este é sem dúvida o álbum mais sonicamente refinado da banda, muito graças à produção cristalina. Depois do simples e lindíssimo Swing Lo Magellan, de 2012, o som da banda tem agora uma nova roupagem. Se isso é uma coisa boa ou não, já depende do ponto de vista do ouvinte.
Como qualquer álbum dos Dirty Projectors, primeiro estranha-se, mas depois entranha-se. A estranheza vai perdurando relativamente a alguns aspectos, como o auto-tune usado na voz de Longstreth, a colisão de arranjos orquestrais com os sons electrónicos e as letras directas, que por vezes atacam Coffman (“What I want from art is truth, what you want is fame”). No entanto, é uma estranheza gloriosa, como aquilo a que a banda nos habituou.
Ao ouvir o álbum, somos confrontados com canções que foram cuidadosamente construídas através da mistura de elementos díspares, que se complementam e são ancorados por elementos familiares do cânone da banda, como a complexidade rítmica e jogos vocais (para estes últimos, ver Mount Wittenberg Orca, EP lançado em conjunto com Björk).
No melhor da experimentação, temos a mistura de um clímax de ritmos tribais com a candura da melodia melancólica em “Up In Hudson”, um épico de sete minutos que descreve o início e o final da relação entre Longstreth e Coffman; os sintetizadores incrivelmente envolventes de “Work Together”; a orgia rítmica infundida de teclas tropicais de uma das canções mais infecciosas deste ano, “Cool Your Heart”, um dueto com Dawn Richard, co-escrita com Solange Knowles. Há ainda a maravilhosa “Little Bubble”, que encapsula o pináculo desta nova direcção sonora, com a sua melodia tranquila, baixo profundo, ritmo sedutor e uma entrega vocal que muito deve à música soul. A ouvir com auscultadores, no escuro.
Mesmo para um álbum que tem na estranheza um dos seus pontos fortes, “Ascent Through Clouds” é uma música quase impenetrável. Uma rapsódia de melodias dedilhadas na guitarra intercaladas com batidas dançáveis e amorfismos vocais, intriga mesmo após várias audições.
A canção final, “I See You”, não ficaria mal enquadrada num dos álbuns anteriores dos Dirty Projectors, o que poderá indicar que este álbum tenha sido apenas um desvio necessário e que o futuro da banda não passará necessariamente por este som. A sonoridade épica da canção fecha apropriadamente um álbum muito pessoal, em que entramos a fundo na personagem que é Dave Longstreth e passamos com ele pelas suas fases do luto pós-separação. Esperamos pela versão de Amber Coffman, que está na iminência de lançar o seu primeiro álbum a solo.