O fosso entre crítica e público
A posição do crítico é sempre egoísta e complexa. Ele esconde-se atrás dos seus textos e não precisa de comprovar que, na prática, sabe fazer aquilo que está precisamente a criticar. O realizador mexicano Alejandro Iñárritu explora em Birdman este aspecto com uma visão muito marcada: o crítico de cinema é aquele indivíduo que não vingou como actor ou realizador e, por isso, tornou-se num perdedor vingativo. Apesar de não concordar com esta visão, considerando-a demasiado extremada, tendo a admitir que chocou com uma certa elite, e isso agrada-me. De certa forma, o papel do crítico é fácil e seguro, só tem que, no caso das artes, ver e, no fim, criticar. Para além disto, ele tem nas mãos o futuro dos artistas. E, assim, entra num conflito eterno porque, sem se aperceber, tem um poder significativo. Por outras palavras, sobe a uma posição onde a sua opinião pessoal é mais do que uma mera opinião de amante da arte. Aliás, a sua opinião não deve ser dada de ânimo leve.
Ora, no caso dos críticos nacionais de cinema, área acerca da qual escrevo, uma das minhas maiores irritações é a sua arrogância. O que concluo dos textos deles como leitor é que nenhum filme é suficientemente bom para os contentar. Parece que a mão de ferro que só dá bolas negras tem um orgulho irreverente. Numa altura em que o mercado do cinema expandiu brutalmente e em que surgiu um boom de filmes independentes, como também uma globalização da arte (facilmente vemos um filme de outro continente), é-me estranho ver que, para alguns, nada lhes agrada. Só existem duas opções por detrás do pensamento deste tipo de críticos: ou antigamente os filmes tinham maior qualidade, apesar da maior diversidade e quantidade que referi anteriormente; ou então simplesmente nenhum filme é realmente bom, ou seja, a arte não é suficientemente interessante (então investiram na área errada).
Existiu, desde sempre, um fosso entre a opinião do público e dos críticos. Obviamente ele não se reflecte em todos os filmes e, mesmo quando os dois lados estão em uníssono, não significa necessariamente que o filme seja bom. O público move-se por modas, por contextos, por disposições, ou, em muitos casos, não gosta simplesmente de filmes demasiado complexos e “sérios”, e daí os filmes comerciais terem tanto sucesso, apesar da sua qualidade, em geral, ser sinceramente fraca. No caso do crítico, ele tende a desmantelar o puzzle contrariando o lado mais emocional do público, que simplesmente quer experienciar. Na minha opinião, a função dos críticos, em qualquer área, não é de forma nenhuma castigar ou menosprezar o artista. Acima de tudo, tem a responsabilidade moral e ética de dar, em primeira mão, ao público as diversas actividades culturais que decorrem com foco não só no seu país, mas também a nível internacional. Se possível, olhar para a obra de uma forma mais aprofundada e para aspectos que à maioria do público poderia escapar, mas nunca deve cair no erro de se achar especial, o escolhido de Deus. Da mesma forma que um professor tem a obrigação de transmitir conhecimento, porque é assim que a sociedade evolui e o próprio conhecimento passa de geração em geração, um crítico tem a obrigação moral e ética de partilhar conhecimento ao leitor. Em nenhum momento isso significa que ele seja superior ao leitor, por mais leigo na matéria. Na realidade, a relevância deste aspecto não está na pessoa, mas no acto em si. Ele tem uma relevância relativa e nunca deve substituir a experiência do espectador. Mas, se tiver realmente alguma relevância, então deve ser-lhe atribuída pelo público e mantida pelo mesmo. Nunca se deve distanciar dos que estão na outra barricada e deve admitir que, no fim do dia, é só mais um espectador curioso que gosta da arte em causa.
Um dos problemas da tal elite portuguesa é não conseguir perceber que nunca contribuiu para a diminuição deste fosso. Talvez não o queiram, porque a posição de suposta superioridade dá-lhes uma ilusão de conforto. Não vale a pena utilizar palavras caras e frases pseudo-poéticas sem qualquer conteúdo, porque ninguém vai compreender. Não tem qualquer interesse falar só para si ou só para os seus, porque quem o lê e quem o sustenta é o público, mesmo que de forma indirecta. O crítico é um cidadão comum, do povo e, em certa medida, escolhido pelo povo. Enquanto o crítico não compreender o seu papel e o sentimento de humildade que deve estar intrínseco ao mesmo, nunca vai conseguir comunicar realmente com os seus alvos e, quiçá, ser compreendido. Da mesma forma que existe um fosso comunicacional e até social entre os políticos e os seus eleitores e cidadãos em geral, o mesmo acontece com as elites das artes. Obviamente que não é essa a razão para sermos um país que investe tão pouco nas artes, mas talvez uma mudança de lógica destas pessoas pudesse surtir algo positivo.