O muralismo mexicano e os seus “tres grandes”: Rivera, Orozco e Siqueros
Na década de 1920, o mural foi o grande suporte para a pintura mexicana. Como impulso, o desejo de unificar o país após a Revolução Mexicana, que havia sido profundamente conturbada. Como grandes canais, três pintores, os “los tres grandes”: Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueros. Durante quase cinquenta anos, deram forma e cor em edifícios e em outras superfícies onde o mural se impôs, conferindo um sentido político e social à sua arte. A importância de afirmar a identidade mexicana tornou-se, assim uma prioridade e uma certeza nos anos que se seguiram, ecoando os seus antepassados com o sentido de um futuro mais mexicano.
Uma breve introdução aos “los tres grandes”
Em primeiro lugar, as figuras. Diego Maria de la Concepción Juan Nepomuceno de la Rivera y Barrientos Acosta y Rodríguez. O nome é amplo mas pode ser bem encurtado: Diego Rivera nasceu a 8 de dezembro de 1886 e faleceu a 24 de novembro de 1957, aos 70 anos. Para além de ser o grande amado da sua pupila, a pintora Frida Kahlo, foi um dos principais pintores mexicanos, nomeadamente desde a sua fase criativa entre 1920 e 1950. Aí, pintou morais um pouco por todo o México, mas também nos Estados Unidos, desde Nova Iorque (onde teve uma exposição retrospetiva em 1931, no seu Museum of Modern Art), mas também em Detroit, tendo feito um conjunto de 27 frescos sobre a sua indústria e sobre a Ford e o seu complexo de trabalho.
José Clemente Orozco nasceu três anos antes, a 23 de novembro de 1883, e faleceu oito anos antes, a 7 setembro de 1949, aos 65 anos. Caricaturista, destacou-se pelos seus murais políticos, em muito influenciado pela corrente do simbolismo, alimentado pelo tema do sofrimento humano, pelas causas dos trabalhadores e das comunidades desfavorecidas e pela evolução da maquinaria no dia-a-dia. Também ele pintou no seu país e nos Estados Unidos, desde Nova Iorque e no estado da Califórnia. Muito do seu trabalho, que inclui litografia e pintura em tela, está exposto, atualmente, no Museu Carrillo Gil, na cidade do México, e no Museu Orozco, em Guadalajara. Já David Alfaro Siqueros nasceu uma década mais tarde, a 29 de dezembro de 1896, tendo falecido a 6 de janeiro de 1974, com 77 anos. Também ele em muito preocupado com as questões sociais, envolveu-se politicamente de forma mais ativa, sendo membro do Partido Comunista Mexicano e da sua linha estalinista, sendo um apoiante do assassinato de Leon Trotsky, que se encontrava no seu país em 1940.
O percurso do muralismo mexicano
A tradição da pintura de murais no México iniciou-se antes da própria colonização do seu território por parte dos espanhóis, na civilização olmeca. Após a colonização, a sua temática transformou-se e começou a denotar intenções de evangelização cristã. Somente no século XIX é que as questões políticas e sociais começaram a ganhar algum protagonismo. Juan Cordero, porém, era um dos muralistas que permanecia numa escola clássica, com maior vocação filosófica, fazendo pinturas para igrejas. Porém, e no final do século XIX, o general Porfirio Díaz assumiu o poder governativo do México e abriu portas a um maior desenvolvimento cultural do país. Os seus estudantes passaram a viajar pelo mundo, especialmente pela Europa, modelo de sociedade que pretendia que vingasse no país. Porém, seriam discriminados os elementos das culturas indígenas. Gerardo Murillo seria o primeiro a fazer murais que, realmente, refletissem o modo de vida do país, fazendo pressão junto do governo para que deixassem, a ele e aos seus colegas de profissão, pintar nas paredes. Era uma forma de romper com os formalismos académicos, que não eram mais do que uma imitação do que se fazia na Europa.
Preocupado em zelar pela manutenção dos elementos indígenas e nativos do México, organizou uma exposição independente, reunindo uma série de artistas dessas proveniências. Daqui, muitos foram aqueles que abordaram temas relativos a essas comunidades do país, utilizando esquemas de cor que se tornariam notabilizados nos murais que se seguiriam. Uma das inspirações dos artistas futuros seria José Guadalupe Posada, um litógrafo que fez muitas ilustrações populares e várias críticas sociais com o uso de cartoons com caveiras e outros tipos de ossadas. Procurava-se, desde logo, fazer uma cisão em relação às influências europeias, preocupando-se, sim, com uma pintura verdadeiramente nacional.
A contestação a Porfírio Díaz subiria de tom e, com a Revolução Mexicana (1910-1920), um duo de intelectuais acabaria por influenciar profundamente os futuros muralistas: eram eles o escritor Alfonso Reyes, nomeado por cinco ocasiões ao Nobel da Literatura, e o também autor José Vasconcelos, conhecido por ser o líder da grande revolução cultural operada neste chegada ao século XX, ao assumir a pasta da Educação Pública no final da Revolução. Seria providencial para que os muralistas pudessem pintar nas paredes interiores de grandes edifícios do país, como o próprio Palácio Nacional, na Cidade do México. Díaz cairia cedo, logo no primeiro ano dessa Revolução, mas isso não impediu que as turbulências se prolongassem até 1920, ano em que o poder político seria centralizado num só partido: o Partido Revolucionário Institucional. Gerardo Murillo, também conhecido como Dr. Atl, aproveitara este longo período para pintar murais e para dar aulas às futuras gerações de pintores e muralistas.
Todavia, o primeiro grande projeto muralista apoiado pelo governo seria no interior do velho colégio jesuíta de San Ildefonso, então usado pela Escuela Nacional Preparatoria. Este seria o grande palco de nascença do muralismo mexicano, dado que o projeto decorreu em três pisos, funcionando agora como Museu, Orozco seria o responsável por grande parte dos murais, com um sentido sempre de apresentar a mestiçagem do país, para além de reforçar a renovação da Revolução, sem esquecer as suas calamidades. Destaca-se “La Trincheira”, em que o dinamismo das linhas e a diluição das cores personifica a sua atitude pouco afável em relação à Revolução. Para além dos já mencionados, outros também colaboraram neste arrojado trabalho: Jean Charlot, um franco-americano que se tornaria mais famoso nos Estados Unidos, sendo um convidado de Fernando Leal, conhecido pelos seus ensaios em pequena escala das pinturas monumentais que fez e que pintara “Los Danzantes de Chalma”, representando uma série de rituais católicos e indígenas.
A este seu êxito, seguiram-se mais um conjunto de iniciativas: no Palácio Nacional, Diego Rivera desenhou “Epopeya del Pueblo Mexicano”, que reuniu a cosmologia e a mitologia azteca, em especial o deus Quetzalcóatl, cuja vida representa a transformação que a Revolução Mexicana encetou. São representadas, de igual modo, as invasões francesas e espanholas, assim como a defesa dos indígenas, que são objeto de dor e de sofrimento. O último painel contém, também, uma utopia marxista, reunindo diferentes rostos de várias personalidades, incluindo a do próprio Karl Marx. Já no Palacio de Bellas Artes, volta-se a percecionar a presença de Rivera (com o proeminente “El Hombre Controlador del Mundo”, com uma série de temáticas sociais e tecnológicas, para além da própria presença de Vladimir Lenine), para além da de Orozco, Siqueros, Montenegro e de outros três nomes: Rufino Tamayo, Jorge Gonzalez Camarena, que se focou, essencialmente, na ancestralidade e na arqueologia, e Manuel Rodriguez Lorenzo, o mais melancólico de todos os muralistas.
Já na Universidade Autónoma de Chapingo, Rivera volta a ser o protagonista, em especial na Capela da Universidade, onde pinta sobre as dificuldades dos trabalhadores mexicanos e sobre a fertilidade e os ciclos da Natureza, com a personificação dos elementos da Natureza e do crescimento e fruição natural. Assinalava a vitória de uma energia da vida e da Natureza em relação aos obstáculos e aos impasses que havia representado nesse painel. Nos próprios escritórios do Secretariado da Educação Pública, para além dos murais de Montenegro, estão os primeiros grandes trabalhos muralistas de Rivera, que os fez entre 1923 e 1928. Novamente, a glorificação de tudo que é mexicano e dos seus trabalhadores é o tema proeminente no seu trabalho. O artista da Guatemala Carlos Mérida também trabalhou neste edifício, ele que, como Tuyano, era, preferencialmente, um pintor de tela, embora já pintasse sobre motivos indígenas antes de Rivera o fazer.
Este trabalho acompanhou o progresso civilizacional do país, tornando-se cada vez mais instruído e industrializado. O sentido da sua arte era mesmo algo provocatório e revolucionário, já que deselitizava a arte e a permitia estar acessível a toda a gente. Sem a presença de grande mecenato, a liberdade criativa e expressiva era assegurada pelo apoio do Estado. Porém, era notório o cariz marxista das suas pinturas, dando muita importância às vicissitudes sentidas pela classe trabalhadora contra a oposição do patronato. É uma fase profundamente ideológica, assente em ideais socialistas, e que, embora esteticamente irrepreensível, não pode ser negado. É uma fase que é conhecida como heróica, que é sucedida pela estatista, já depois da saída de Vasconcelos da pasta, em 1924. Compreendiam-se as críticas que, para além do alinhamento do muralismo com o Estado, também poderia servir como meio de propaganda do governo.
Nesta fase, a produção artística mexicana passou a estar rotulada com a expressão “Escuela Mexicana de Pintura y Escultura”. Embora agregando diferentes outras formas de criação artística, a sua vertente muralista tinha uma identidade assente na combinação de ideais políticos e estéticos que faziam dela uma voz na esfera pública. Eram três as suas formas de discurso artístico: uma participação direta na publicidade e no discurso oficial; uma integração recíproca do discurso visual do mural num conjunto de práticas de comunicação que participavam na definição daquilo que era o discurso público, assim como outras formas de publicidade oficial; e o desenvolvimento de uma estética realista-social, a que consideravam ser o registo visual do senso comum do mural artístico, assim como os limites para a disputa pública sobre o espaço de representação do mural. A participação política, quando não existia em algum dos seus intérpretes, era mais exceção do que habitual, dado o cuidado e o interesse sobre a história e a identidade do país. Não havia, em suma, um sentido comercial, mas sim a importância de difundir o México para dentro e para fora de portas. Porém, muitos deles mantinham uma educação artística formal, nomeadamente na Europa ou na Academia de San Carlos, em plena Cidade do México.
Como já referido, os temas orbitavam entre a Revolução Mexicana, a nova identidade mestiça mexicana e sobre a história cultural das civilizações mesoamericanas (principalmente a azteca). Era um discurso alinhado entre os participantes deste autêntico movimento muralista, com um sentido nacionalista mas também político, que glorificava a estabilidade trazida pelo governo pós-Revolução. A firmeza com que se falava do passado do México era essencial para poder louvar o presente, em especial as origens indígenas do seu povo. Por outro lado, o marxismo acompanhava o discurso artístico de alguns deles, nomeadamente do trio Rivera, Orozco e Siqueros. Embora, com o tempo, as mensagens veiculadas pelas pinturas se tornassem refreadas no seu conteúdo revolucionário, nunca deixaram de perder o seu cunho associado às causas da esquerda política. Tanto que o acesso livre e público sempre foi uma tónica que nunca se desvinculou do seu discurso artístico.
Era um grupo capaz de comunicar entre si nos seus trabalhos, mantendo-se abertos e disponíveis para sugestões e para a entreajuda. Muitos dos seus objetos de criação seriam antigos monumentos da era colonial, efetuando trabalhos ajustados à sua realidade passada. Os processos de produção eram, em muito, diversificados, dado que a primazia dos frescos em paredes de gesso e o uso de pigmentos misturados com cera quente (a pintura encáustica) não impediam que se arriscasse no uso de mosaicos e de cerâmicas, assim como de metal e de cimento. Aquele que se destacava de todos eles, nesta dimensão, era mesmo Siqueros, que pintava com o recurso a piroxenas, pequenos minerais, resinas, amianto, produtos de pintura automóvel e peças de velhas máquinas, para além de usar ar comprimido em forma de spray para a pintura. Era um modo de pintar pouco convencional, que ultrapassava as barreiras convencionais do pincel e que o tornaram o mais inovador de todos no processo da pintura.