‘O Pianista de Hotel’, de Rodrigo Guedes de Carvalho: uma sinfonia de sensações

por Cátia Vieira,    11 Março, 2018
‘O Pianista de Hotel’, de Rodrigo Guedes de Carvalho: uma sinfonia de sensações
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Rodrigo Guedes de Carvalho estreou-se no universo literário com a publicação do romance Daqui a Nada, em 1992; desde então, lançou A Casa Quieta (2005), Mulher em Branco (2006) e Canário (2007). Dez anos depois, Guedes de Carvalho escreve O Pianista de Hotel. Numa entrevista ao Expresso, em Maio de 2017, o jornalista português confessou que foi Servidão Humana, do escritor Somerset Maugham, o primeiro livro a conceder-lhe entrada a um mundo de sensações, às possibilidades infinitas e maravilhosas da literatura. Parece-nos que este é também o propósito da sua nova obra, O Pianista de Hotel. Tendo a música como o grande mote da narrativa, o último romance de Guedes de Carvalho, apontado por muitos como um thriller psicológico, despertará emoções e sensações antitéticas no leitor. Por um lado, o asco, a revolta, a frustração, o desalento e a exasperação espreitarão frequentemente; por outro, a esperança elevar-se-á também bem alto.

Maria Luísa, Luís Gustavo, Saul Samuel e Pedro Gouveia são os personagens principais d’O Pianista de Hotel. Todos habitam a mesma cidade frenética, que poderá ser ou não a capital portuguesa. Ao longo do romance, haverá encontros e desencontros destes personagens, mas todos partilham traumas profundos e fantasmas, que os acompanham ininterruptamente.

Pedro Gouveia, de luto eterno, descobre-se num impasse que questiona a sua carreira enquanto médico; Saul Samuel, bailarino numa discoteca, procura desesperadamente um escape; Luís Gustavo abraça a sua profissão de enfermeiro, sonhando constantemente com a medicina; e Maria Luísa, reluzindo a solidão e a dor da alma, gostaria de ter estudado. Porém, é servindo à mesa que ganha a vida.

O Pianista de Hotel é um romance que escreve o amor. O amor nutrido e aquele que ficou por nutrir. Maria Manuela, mãe de Maria Luísa, não soube amar. Fruto de uma sociedade que assinala a concretização amorosa como a grande finalidade da vida feminina, procurou o amor no sexo masculino e esqueceu-se de proteger e cuidar da sua filha. Esta obra é, sobretudo, um hino ao vazio que habita o indivíduo dos nossos tempos. Perdidos e solitários na grande cidade, acolhemos guerras interiores infinitas. Já familiarizados com elas, não as estranhamos. Não estranhamos a dor, a perda, a inquietação e a dúvida.

Contudo, o último romance de Rodrigo Guedes de Carvalho, assumindo uma posição destemida e crítica, vai ainda mais longe. Não só discute os valores da medicina e do jornalismo, como toca questões tais como a pedofilia, o assédio, a violação e a violência doméstica. O universo d’O Pianista de Hotel é feio, mas é incrivelmente real.

Parece-nos, porém, que as quase quinhentas páginas deste romance são excessivas. O autor ocupa-se ocasionalmente de banalidades, que pouco acrescentam à narrativa, podendo o volume desta obra ter sido reduzido. Ademais, no que concerne à escrita, Rodrigo Guedes de Carvalho opta pelo abuso das repetições e do registo coloquial. Ainda que o propósito seja, quem sabe, a crueza e o pragmatismo da linguagem, roça por vezes uma excessiva informalidade.

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