O problema com os prémios PLAY
Nesta quinta-feira (16) à noite, decorreu a quinta edição dos prémios PLAY, os prémios que dizem celebrar a música portuguesa. Escrevo dizem, porque tudo o que estes prémios fazem é tudo menos celebrar o melhor da música que se faz em Portugal.
Ano após ano, os prémios PLAY continuam a revelar não o melhor do que se faz em Portugal — mas felizmente, também não o mais medíocre —, mas sim o que se faz dentro de um grupo muito restrito de editoras – particularmente Sony e Universal, as duas “majors” que operam em Portugal — e de agências — Sons em Trânsito, Produtores Associados (os responsáveis pela grande maioria dos artistas independentes presentes na lista de nomeados ao longo das várias edições dos PLAY) — que cartelizaram completamente o meio musical português. Esta conversa é ad nauseam. Se há um artista a passar numa das rádios mais cotadas, é provável que ele pertença a uma das destas entidades; se há um artista que vai tocar à festa de verão da vossa terrinha, é provável que ele pertença a uma destas agências e que o seu cachê seja na casa dos milhares. Que dizer de uma indústria e de um circuito em que uma banda de tributo aos Linkin Park cobra milhares de cachê, mas que grande parte das bandas de originais nem recebem, num bom dia, um cachê suficiente para pagar deslocações? Muita coisa — nenhuma delas boa.
O problema principal dos prémios PLAY é um reflexo maior do problema principal com a música portuguesa. É uma representação total do simulacro da nossa faux indústria musical que não tenta “engajar” (aposto que os engravatados da Vodafone, principal patrocinadora dos PLAY, adoram esta palavra) com 99% do output musical que se faz em Portugal e, na boa verdade, fora de Lisboa (contem quantos artistas estão nomeados aos PLAY que são fora da Área Metropolitana de Lisboa — vão ter uma surpresa desagradável). Os PLAY são apenas uns Grammys da Shein, que só são minimamente revelantes porque, felizmente, a Filomena Cautela aparenta ter paciência infinita para apresentar a gala e transformá-la num pacote televisivo minimamente aceitável (com todos os kudos necessários a toda a equipa de produção também). Se os prémios PLAY parecem aborrecidos vistos no pequeno ecrã (este ano, ao menos, podemos agradecer à JÜRA por ter dado alguma vida ao evento), não consigo demonstrar o quão aborrecidos são vistos em pessoa. O ano passado obtive um convite e posso garantir que preferia ver um jogo da Primeira Liga entre equipas de meia-tabela a praticarem futebol terrorista que ter de aguentar as várias horas de gala dos PLAY. Ao menos os antigos prémios Blitz deram-nos o Bondage a fazer blackface à frente dos Radiohead; os prémios PLAY deram-nos apenas um dueto crackudo entre Profjam e Pedro Abrunhosa como seu momento menos esquecível.
Se os vencedores dos prémios de Melhor Artista Masculino (Slow J, o mais premiado da noite devido ao seu Afro Fado) e Melhor Artista Feminino (Bárbara Bandeira, uma das nossas maiores estrelas pop) nem sequer aparecem para receber os respetivos prémios — e não é a primeira vez que isto acontece —, se calhar está na altura de questionar para que servem os PLAY e, acima de tudo, a quem serve a existência de uns prémios como os PLAY. Se fossem uma gala capaz de cruzar o alternativo com o mainstream, de cruzar coisas como a eletrónica com a pop, do jazz com o rock, então entendia-se a sua existência. Obviamente que os Grammys (em si, muito mais irrelevantes agora do que nunca) operam numa escala muito maior e com muito mais capital envolvido, mas como é possível que uma gala que visa celebrar a música portuguesa só teve, desde a primeira edição (em 2019), adicionadas as seguintes categorias: Melhor Artista Masculino e Feminino (em troca com o prémio Melhor Artista Solo, apenas dado na primeira edição dos prémios), Melhor Álbum Jazz, Melhor Álbum Clássica/Erudita (todos estes adicionados em 2020) e Prémio Música Ligeira e Popular, acrescentado este ano (venceu “Recomeçar” do grupo Sons do Minho). Contudo, apesar de ser de louvar a inclusão desta última categoria, como bem esclareceu o crítico Luís Freitas Branco no seu Twitter, a utilização do termo “música ligeira” é errónea, pois “o conceito de música ligeira acarreta um juízo de valor retrógrado em 2024; a música ligeira infere a existência de uma ‘música séria’, que seriam todas as outras canções”. Se pensarmos no que é música popular, porque é que “Preço Certo” de Pedro Mafama, uma das canções mais bem-sucedidas em Portugal lançadas em 2023, não poderia estar nomeada para esta categoria, ao invés estando nomeada para o prémio Vodafone Canção do Ano? “Preço Certo” é uma canção de música popular, certo? É “pimba”. Não há melhor exemplo da abordagem dos PLAY em separar o trigo do joio, os outros de alguns, do que a abordagem da comissão dos PLAY ao Prémio Música Ligeira e Popular.
Honestamente, falar dos PLAY é frustrante. Entende-se a necessidade existir uma gala deste género (mesmo que não concorde), mas quando esta apenas se torna um concurso de players da indústria a premiarem-se uns aos outros, a única necessidade que passa a fazer parte da génese dos PLAY é, no mínimo dos mínimos, existir uma total reconfiguração dos prémios e, no limite, deixarem de existir.
Além disso, parece haver algum interesse do público neste tipo de eventos. Tanto em 2023 como em 2024, os PLAY obtiveram cerca de 424 mil espectadores. São valores abaixo da final do Festival da Canção (quase 487 mil espectadores), mas os valores indicam que existe público para uma gala como os PLAY e, acima de tudo, indica que existe público com interesse em escutar música feita no nosso país. Agora imagine-se se houvesse uma plataforma, como é exemplo dos PLAY, de expor esses cerca de 400 mil indivíduos a música que não seja apenas a mais óbvia. Pense-se no caso de Conan Osiris. A sua participação no Festival da Canção, em 2019, foi polarizante, mas quantos chegariam à música do autor de ADORO BOLOS se não tivesse participado (e vencido!!) o festival? É o melhor e mais interessante caso do que acontece quando existe programação desafiante e do ímpeto que isso pode causar na exposição das massas a novos sons. A música é uma arma nesse aspeto. Se existem pessoas que querem mesmo celebrar a música que se faz em Portugal, que se pense seriamente sobre o que a rodeia. Como a precariedade, fora alguns, é a palavra do dia. Sobre como apenas uma ínfima minoria consegue viver da música. Sobre como a falta de apoios dita que a criação musical estará apenas encarregue a alguns, parte de uma burguesia centralizadora que tomou conta da cena musical em Portugal há 30 anos e nunca a largou. Sobre como alegados abusadores continuam em posições de poder e, com sorte, são homenageados na gala pela apresentadora (para bom entendedor, meia palavra basta). Sobre a falta de representatividade de pessoas queer nestes espaços. Sobre como a misoginia continua a reinar a não ser que artistas femininas ou minorias sirvam para encher os bolsos de mais alguns executivos cuja religião é aquela que mais corrói tudo: dinheiro. A verdadeira celebração dos PLAY não é a da música portuguesa; é, sim, a dos piores vícios que corrói a “indústria” em Portugal.