“O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar: a fragilidade entre cores vivas e emoções contidas
Este artigo pode conter spoilers.
O mais recente filme de Pedro Almodóvar, “The Room Next Door”, ou em português “O Quarto ao Lado”, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano, apresenta uma proposta ousada e sensível, mas que, em última análise, tropeça nas suas próprias limitações narrativas e diretivas.
Adaptação da obra literária de Sigrid Nunez “What Are You Going Through,” a história centra-se em Martha, interpretada por Tilda Swinton, uma mulher com cancro terminal que, nos seus últimos dias de vida, reencontra uma amiga de longa data, Ingrid, uma escritora famosa interpretada magistralmente por Julianne Moore. Este reencontro, motivado pela urgência de Ingrid em se despedir de forma significativa de Martha e reatar uma amizade esquecida, desenterra questões latentes para ambas. É então que Ingrid, mesmo assombrada pelo medo da morte, aceita um convite inesperado: passar os últimos dias ao lado de Martha, sabendo que esta planeia eutanasiar-se com um comprimido obtido na dark web. Apesar do potencial dramático e da intensidade que a trama sugere, o filme é surpreendentemente contido, mantendo um tom quase clínico que o torna, por vezes, monótono.
Almodóvar é conhecido pela sua estética vibrante e “The Room Next Door” não é exceção, apresentando um contraste visual entre as cores vivas fortemente inspiradas em Edward Hopper (com o seu quadro “People In The Sun” em particular destaque ao longo do filme) e o tema sombrio da história. No entanto, esta abordagem, que poderia enriquecer a narrativa, acaba por destacar ainda mais a ausência de intensidade emocional e os diálogos excessivamente polidos e perfeitos. Apesar do talento inquestionável de Swinton e Moore, que entregam performances com a subtileza e profundidade esperadas de duas atrizes de renome, o guião não lhes oferece material suficientemente robusto para explorar as camadas emocionais das personagens por si interpretadas – tanto a carreira de Martha como correspondente de guerra como a carreira literária de Ingrid são muito desaproveitadas. Os encontros e os diálogos parecem frequentemente artificiais e forçados, como se a história estivesse mais preocupada em evitar excessos do que em captar a verdadeira essência do drama humano e da temática que estão a ser contados. Mesmo a personagem de Damian (intepretada de forma imaculada por John Turturro), um ex-amante sexualmente insaciável de ambas as personagens principais, acaba por se tornar apenas numa forma de ventriloquismo numa crítica simplista à América (e Mundo) atual, o seu negacionismo, a ascensão da extrema direita e mais um sem-número de temáticas importantes debitadas em poucos segundos em cena.
A monotonia narrativa do filme é particularmente evidente na forma como os eventos se desenrolam de forma demasiado linear e previsível. A tensão moral da decisão de Martha e a cumplicidade silenciosa de Ingrid são abordadas de forma tão calculada que carecem de visceralidade e crueza, impedindo que o espectador se sinta plenamente envolvido. Mesmo os momentos que tentam expandir o universo emocional das personagens, como o desabafo de Ingrid com um personal trainer, parecem desconexos, desenquadrados e sem grande impacto na história principal. Este desequilíbrio narrativo resulta numa experiência que, embora esteticamente refinada, não alcança a profundidade emocional que o tema inevitavelmente exige.
É inegável que Almodóvar merece elogios pela forma respeitável em como não transforma a doença de Martha no espetáculo central, mas ao mesmo tempo, ao optar por uma abordagem tão contida, o filme parece evitar um confronto direto com o medo, a dor e a aceitação que estão no coração da história. A relação entre Martha e Ingrid, que deveria ser o ponto alto da história, surge retratada de forma excessivamente perfeita, sem os altos e baixos que caracterizam as conexões humanas mais genuínas e momentos de despedida como é o caso. O potencial para explorar o impacto de um reencontro tardio e os dilemas éticos e emocionais envolvidos é subaproveitado, deixando a sensação de que algo essencial ficou por contar.
Em suma, “The Room Next Door” é uma obra que, embora visualmente deslumbrante e com uma premissa intrigante, se revela uma experiência morna e previsível. Falta-lhe a força emocional e o realismo necessários para transformar uma história sobre amizade, morte e aceitação numa reflexão verdadeiramente impactante. As atuações brilhantes de Swinton e Moore conseguem elevar o filme, mas não são suficientes para compensar o vazio emocional do guião. No final, Almodóvar convida o espectador a refletir sobre a vida e a morte, mas fá-lo de forma tímida e excessivamente controlada, sem a audácia que poderia ter tornado esta obra memorável, como a sua temática, Tilda Swinton e Julianne Moore mereciam. Não deixando de ser um filme quase obrigatório, viverá sempre aquém das expetativas, mostrando que no Cinema a soma das partes não é igual ao seu todo.