O rock fiel e sem preguiça dos The Lazy Faithful
No rescaldo do lançamento de «Bringer of a Good Time» e a poucas horas do início da «Baby Don’t You Know? Tour», fomos ao encontro dos The Lazy Faithful numa tarde quente de Primavera na cidade do Porto. Entre gargalhadas e finos, surgem-nos quatro rapazes maduros e com rock ‘n roll a correr-lhes nas veias. Esta foi a nossa conversa com Tommy Hogg, João Pedro Ramos, Rafael Silva e Pedro Boga.
O Manel Cruz dos Ornatos Violeta escreveu uma crítica ao vosso último álbum, «Bringer of a Good Time» em que dizia, entre outras coisas, «tenho vontade de preencher o silêncio com estas músicas». Como se sentem a ouvir estas palavras vindo de alguém tão célebre na música em Portugal como o Manel?
Tommy: Bem, foi daqueles momentos mesmo… wow! É que da maneira que ele falou não foi algo feito por obrigação, nem nada disso, pareceu mesmo genuíno. Ele próprio disse-me que ouviu várias vezes o disco.
Rafa: O Manel já vem desde a altura do EP porque ele esteve para produzir o nosso EP…
Tommy: Sim, e apareceu na net erradamente que ele tinha produzido o EP mas ele não produziu. Isto foi notícias de 2012. Fake news antes de haver fake news. (risos)
Tommy: Não se justifica usar uma expressão «sentimo-nos muito muito muito bem» porque foi mais do que isso. Não há mesmo palavras! Aquilo que ele escreveu é quase poético.
Rafa: Houve um dia em que estava a arrumar o material para um concerto de Fugly e ele veio ter comigo a dar-me os parabéns e eu quase que chorava!
A pergunta de sempre: como surgiram os The Lazy Faithful?
Tommy: Foi da necessidade e a curiosidade de saber como íamos soar em conjunto, isto ainda quando andávamos no ensino básico. A banda teve várias fases, umas três fases, esta agora mais recente com o Boga. Em 2017 já é The Lazy Faithful marco três, com a saída do Gil Costa e a entrada do Pedro Boga. No entanto o que interessa contar é como começou no início e como começou o marco dois. No início, que se deu comigo, com o Ramos, o Rodrigo Regueiras e o Miguel Silva, foi daquela necessidade de tocar música, naquela altura tínhamos uns 14 ou 15 anos e só o facto de estar a ensaiar era a sensação de estar a dar um concerto. Entravamos na sala de ensaios, que neste caso era o meu sótão, e só o cheio dos amplificadores velhos, o som que aquilo fazia ao ligar já era suficiente para nós e depois aquilo claro, cresceu, quando começamos a dar concertos.
Houve uma necessidade de, primeiro, imitar os nosso heróis, e depois de compor alguma coisa que pudesse ser apresentada ao vivo com tanto orgulho como as imitações. Isso manteve-se mais ou menos até ao início do marco dois, que foi quando entrou o Rafa e o Gil, e aí já gravámos o EP, aconteceu logo quase no início, e aí já foi tudo material original e depois a partir daí o que o que sobrou acabou por ir para o nosso primeiro álbum, «Easy Target», e isso consolidou o marco dois, uma banda que tocava exclusivamente originais ao vivo e o ambiente mudou muito mais… já não nos excita o cheiro a amplificadores velhos (risos). Agora tem de correr tudo bem para ficarmos satisfeitos. Começamos a olhar mais para a coisa como homens de negócios e menos com chavalos que gostam do cheiro de materiais de música.
O nome tem banda tem uma origem curiosa…
Tommy: Há duas histórias. Há uma que é a verdadeira, e há outra que é a verdadeira adaptada que é para não soar tão chunga. (risos) A verdadeira é que foi o meu pai que sugeriu o nome. O meu pai é um gajo maluco que volta e meia vem com nomes de bandas e letras, mas principalmente nomes de bandas «sabes o que era grande nome?» e esse foi um dos nomes que por acaso foi aprovado. A outra versão é à volta do roupão, aliás acho que o nome e o roupão surgiram na mesma altura e acho que foi essa sintonia, o preguiçoso com fé, o preguiçoso de roupão mas com fé porque estava a demorar mesmo imenso tempo a conseguirmos quebrar a fronteira entre o desconhecido e o minimamente conhecido e então era preciso ter muita fé, mas ao mesmo tempo éramos preguiçosos porque primeiro não estávamos a fazer muito para ajudar e eu andava de roupão e nunca tocava de roupa.
Como surgiu a música na vossa vida?
Tommy: Sempre lá esteve, quando ouvi The Who, ouvi a música «Who Are You», eu devia ter 4 ou 5 anos e o meu pai comprou uma aparelhagem gigante e gostava de chatear os vizinhos, pondo os cds e rodando aquilo para além dos ¾, já estavam as colunas ali a sofrer um bocado e eu lembro-me de ouvir aquele em mesmo novo e pensar que queria fazer algo daquele género. Foi assim que apanhei o bichinho.
Rafa: Acho que foi com Eros Ramazotti, na verdade. Também esteve sempre presente, por causa do meu pai e depois quando comecei a ouvir metal que comecei a querer tocar.
Boga: Sou os mais novo de seis irmãos, todos eles ouviam música e eu fui por arrasto. As minhas irmãs tocam piano, o meu irmão toca guitarra e eu meti-me na bateria…
Ramos: Toda a gente ouve música, não é? Também tenho uma boa raiz de música em casa, tenho um tio que é pianista, o meu pai teve bandas na sua juventude, tocava guitarra e tocava baixo, lembro-me sempre do meu pai tocar guitarra em casa e então nasceu essa curiosidade de aprender a tocar guitarra. E depois conheci o Tommy muito de arrasto porque morava com um baterista que andava na mesma escola do Tommy… mas sim foi mais essa vontade de tocar um instrumento para ter uma banda e para poder viver da música e da banda, de algo que se gosta realmente, se há tantas e boas por que não podemos ser uma delas? Foi nessa ambição de ter uma banda e querer viver disso.
Quais foram os vossos primeiros álbuns?
Boga: «Waiting For The Sun», dos The Doors!
Tommy: Os primeiros cds que me ofereceram quando ainda era demasiado novo para comprar cds foram o «Help!», dos Beatles, e o «Greatest Hits II», dos Queen, e passava os dias no quarto a desenhar e a ouvir esses dois cds que eram os únicos que tinha. E depois quando comecei a comprar vinil, os primeiros dois foram «The Who Live At Leeds» e o «Sgt. Peppers» dos Beatles.
Rafa: Eu lembro-me que dois discos que eu roubava mais ao meu pai eram o «Crime Of The Century» dos Supertramp e o «Tubular Bells» do Mike Oldfield.
Ramos: O meu disco que fui com a minha mãe comprar e lembro-me de ouvir foi dos Silence 4. Mas lembro-me que o meu tinha lá em casa um dos Red Hot Chili Peppers, o «By The Way» mas o disco estava riscado e eu só adorava aquela parte do disco e já não gostava mais de Red Hot e depois voltava a ouvir Silence 4 porque aquilo irritava-me.
Rafa: O meu primeiro vinil que comprei foi de uma banda portuguesa, foi dos Poppers «Up With Lust», andava no secundário e curtia ouvir música portuguesa nessa altura.
Já em 2014, lançaram o «Easy Target» que foi bastante aclamado e bem recebido. Como foi o processo?
Rafa: Acho que apaguei tudo da minha memória, já consigo ouvir o disco. (risos)
Tommy: Foi o primeiro momento em que se notou o grande processo de aprendizagem acerca do que é não ser uma banda amadora, conhecer o processo de oficialização de um disco e de legitimização de uma banda como artista. A experiência em si teve, claro como tudo, altos e baixos. A fonte nos Lazy Faithful como provavelmente em outras bandas, a parte interessante do som vem muito da fricção que há entre os elementos. O EP não, porque foi rápido, mas os dois álbuns foram processos longos e dolorosos que tiveram momentos de Kurt Cobain a apontar uma caçadeira aos miolos, ou então a Courtney Love, não estou a dizer que concordo com uma ou outra teoria. O processo claro que foi bom senão não teríamos voltado a fazer um segundo.
Rafa: Neste último álbum, houve mais fricção porque são tudo canções novas porque no outro já tínhamos músicas feitas e não pensávamos muito nos arranjos daquilo, neste não.
Tommy: O processo de escolher músicas para este disco foi mais comprido porque no anterior desde que a música estivesse minimamente completa ia para o disco, desta vez não.
Rafa: Havia muito mais informação para filtrar.
Tommy: Daí também serem menos músicas neste disco.
Quais são as vossas influências a nível musical?
Tommy: Kate Bush, Eros Ramazotti… mais cenas sexy que ninguém ouviu mas toda a gente cita. (risos) É tão absurdo pensar que a vida rock ‘n roll vai continuar como estava nos anos 70. Temos de entreter, temos de ser uma espécie de auto-paródia, acho que isso faz sentido. Não faz sentido aparecer uma banda numa entrevista que não faz piadas e parecem uns robots. Em tudo o que é entretenimento tem de ter um pingo de sentido de humor, não podes levar isto demasiado a sério, isto não é uma cirurgia ao coração, é rock n’ roll, não vai salvar vidas. No meu caso The Who, MC5 e Big Star.
Ramos: Dos quatros membros nunca tivemos as mesmas influências mas a piada da banda é que há ali um ponto de encontro em que se fundem as influências de todos. Da minha parte há os clássicos tipo Rolling Stones e Led Zeppelin mas eu sou mais o gajo pop da banda. Gosto de Arctic Monkeys… todos temos as nossas influências e em certos momentos da nossa vida apetece-nos ouvir bandas diferentes mas claro que vem essa influência do rock.
Tommy: Tens as influências de sempre e tens as influências daquilo que estás a ouvir no início.
Ramos: Há sempre um misto, nós tentamos incutir em cada um aquilo que cada um ouve e orgulho-me disso porque as pessoas ouvem uma música nossa e já conseguem dizer «isto é Lazy Faithful», já é algo consolidado.
Rafa: Os meus pilares se calhar são Queens Of The Stone Age e os projectos associados ao Josh Homme.
Tommy: Tame Impala, a quem não influenciou? E olha o número de bandas que surgiu depois do Lonerism ter saído.
Rafa: Foi na altura que levei aquela chapada de Tame Impala. Mas hoje em dia ouço mais jazz.
Boga: É um bocado mais do mesmo, ouvimos todos coisas diferentes. A minha irmã ouvia grunge Nirvana, Soundgarden…
Rafa: A melhor banda de rock actualmente para mim é King Gizzard & The Lizard Wizard.
Tommy, a composição das letras está a teu cargo. Consideras que escreves sobre coisas um pouco mais negras e depressivas?
Tommy: Na realidade, escrevo mais de forma contemplativa do que negra. Quando queres puxar pela alma e sacar um conceito e uma construção literária que vá mexer contigo sempre que cantas, e isso ainda acontece com algumas músicas… a «Never Got To Know», lembro-me da altura em que a escrevi e os motivos pela qual a escrevi e esses motivos vão ficar em privado para efeitos desta entrevista, e mexe comigo quando canto, sou transportado para outro lugar na minha cabeça. Se calhar estava a generalizar quando disse que escrevo sobre coisas depressivas, temas mais adequados são perda e arrependimento são o que experiências e escreves quando és novo, não sempre fazes decisões bem feitas sobre relacionamento e carreira e há coisas que te podem magoar muito e essas coisas são as mais fáceis para transpor para música.
Rafa: São mais introspectivas…
Ramos: E os nossos concertos são mega alegres, e as letras vêm de momentos mais tristes que o Tommy passa e essa conjuntura traz a inspiração para a letra que te leva a pensar um bocado, lá está a introspecção, mas no fundo é um concerto rock n’ roll.
Tommy: O concerto tem a componente javarda. Se entornarmos uma cerveja, se um cabo se soltar do amplificador, se eu for contra o Rafa… shit happens.
Este ano lançaram então o «Bringer of a Good Time». Como tem sido a recepção?
Tommy: Muito boa! Para quem tem vindo falar e as críticas, toda a gente diz que é uma melhoria face ao «Easy Target» por isso nesse aspecto acho que é inquestionável.
Ramos: Também tivemos mais ambição.
Rafa: Também houve mais fricção, houve mais filtros…
Tommy: Quem esteve envolvido, e começamos em 2015, cada um queria deixar mais a sua marca e havia mais ambição. Pareceu mais um esforço individual do que colectivo mas isso comparado com os trabalhos anteriores torna-se mais interessante. Mas a recepção tem sido extremamente positiva, ainda não ouvi ninguém dizer que não gosta e mesmo se dissessem estavam no seu direito.
Na capa do álbum temos um pequeno Tommy sorridente. Houve votação entre vocês para eleger o mais fofo?
Tommy: A ideia foi do Rafa…
Ramos: O Tommy colocou essa foto no facebook e o Rafa meteu lá um bitaite «capa de disco» e essa ideia ficou na cabeça. A do outro disco foi uma discussão monumental em que toda a gente concordava e eu não, mas entretanto já assumi o erro, mas nesta foi uma coisa tão rápida e tão fácil em que toda a gente concordou.
Nota-se uma clara evolução na vossa sonoridade. Neste último álbum vocês já se apresentam com um som muito único com identidade própria, muito vosso…
Tommy: Acho que é natural porque o «Easy Target» foi feito com pressões e restrições de tempo e a raspar o fundo do barril.
Rafa: E todo o processo envolvente foi sempre do it yourself, e todas essas pequenas coisas acaba por influenciar a estética sonora.
Tommy: Tanto que no concerto as músicas que mais pedem são a «Nothing Goes On» e a «Good Night» e neste disco não há nenhuma assim, são menos do momento e coisas mais pensadas. Essas músicas eram aquilo que nós éramos na altura. É um som mais Lazy Faithful, mas sabe-se lá como será o terceiro?
É certo que a «Never Got to Know» te é muito pessoal, Tommy, mas é verdade que foi escrita com The Velvet Underground em mente?
Tommy: Sim, é verdade. A «Femme Fatale» e a «Pale Blue Eyes», principalmente a «Pale Blue Eyes» que tão banal, descontruída a nível de arranjo e de voz. Pegas numa coisa mesmo óbvia e banal e passas em várias máquinas de lavar e sai a «Never Got To Know», há um bocadinho de tudo naquela música.
Quais as principais diferenças entre o «Easy Target» e o «Bringer of a Good Time». Sentiam que neste último já tinham um caminho mais bem definido que queriam seguir?
Tommy: Foram ambos um bocado na ignorância, embora haja sempre uma tendência de que este tenha de ser melhor do que o outro. Identifico-me muito mais em termos de personalidade com este último, com o «Easy Target» chego a ouvir e há uma que me envergonha um bocado.
Rafa: Por termos sido nós a fazer tudo houve uma altura que não conseguia ouvir o «Easy Target», agora já consigo e até gosto… menos de uma!
Tommy: Fica um desafio para os vossos leitores: quem conseguir descobrir qual é a música de que não gostamos do «Easy Target» entra à pala num dos nossos concertos, mas sem plus one!
Quais são as perspectivas para os futuro dos Lazy Faithful?
Boga: Do meu ponto de vista, é dar o maior número de concertos possível e promover este álbum.
Ramos: Vamos ter uma tour por Portugal e Espanha agora em Junho, e em Novembro vamos ter uma tour europeia. As expectativas é promovermos o disco ao máximo e divertirmo-nos ao máximo. É a nossa maior prioridade e o que queremos mesmo fazer.
Tommy: Divertirmo-nos ao máximo. Conhecer países que não iria conhecer se não fosse por Lazy Faithful.
Rafa: É esgalhar tudo ao máximo!