A diferença entre um filme profissional e um filme de escola não se vê, ouve-se
De todas as duras palavras que um trabalhador das artes em Portugal ouve, as quatro mais temidas são “não há muito dinheiro”. Infelizmente, são também as mais ouvidas. Branko Neskov repetiu-as nesta manhã de Dezembro a uma plateia cheia de jovens cineastas: “Não há muito dinheiro, vão ouvir isto muitas vezes ao longo da vossa carreira”.
Neskov falava sobretudo para aspirantes a sound designers, boom operators, foley artists, sound mixers, compositores ou interessados em qualquer outra profissão ligada ao que ouve no cinema. No dia dos prémios “Sophia Estudante” no Rivoli, o tema da manhã foi o som. Começou com a masterclass de Nelson Ferreira, o luso-canadiano que só no ano transacto trabalhou no filme que ganhou o Óscar (“The Shape of Water”), numa longa que foi nomeada para melhor animação (“The Breadwinner”) e na melhor série de sci-fi da última década (“The Expanse”). A manhã terminou com outra masterclass bastante esclarecedora de Tom Fleischman, colaborador frequente de Martin Scorsese. Mas foi no meio que se encontrou a virtude, num debate entre três representantes do som português: Branko Neskov, Francisco Veloso e Álvaro Melo.
A conversa foi dominada por Neskov e Veloso, os dois elementos de Lisboa que contam com o currículo mais extenso. São do tempo do mono e do analógico e já eram profissionais do som quando este passou a estéreo e depois a digital. Neskov diz que quando veio para país há 26 anos,“o som do cinema português era absolutamente desastroso.” A “pós-produção não existia”, sound designers e foley artists não havia e que foi ele que, com António da Cunha Telles, fundou o primeiro estúdio profissional do país. Hoje em dia as coisas são diferentes. Neskov falou com prazer da experiência de trabalhar o som de “Variações”, a nova biopic sobre o pioneiro músico português que estreia em 2019. Os instrumentos foram gravados com excelente qualidade em faixas diferentes, o que lhe permitiu trabalhar individualmente os sons de forma a “não a ficar bonito, mas como deve ser”. Para um bom trabalho de som bastam 4 ou 5 técnicos, segundo Veloso. Se as pessoas que gravam, editam, fazem foley e compõem a música para o filme trabalharem em uníssono, o resultado pode rivalizar com qualquer produção. Infelizmente, para quem faz cinema verdadeiramente independente em Portugal (com meia dúzia de trocos), as condições são outras.
“Quando há falta de orçamento, reduz-se na equipa.” A experiência no cinema de Álvaro Melo está marcada por mais adversidades. Representante da zona norte (ainda sem uma indústria com a estrutura lisboeta) e de um nova geração (acabou o curso de cinema há 7 anos), Melo está acostumado a desafios diferentes para levar o melhor som possível aos ouvidos dos espectadores nacionais. Muitas vezes não consegue visitar os locais onde o filme será rodado e depara-se com problemas que terá de resolver, como pode, minutos antes de o realizador gritar acção. Não trabalha com os 4 ou 5 técnicos de que falava Veloso, mas muitas vezes só com um. No último projecto em que participou, Melo contou apenas com a ajuda de um outro técnico que fez a pós-produção. Mesmo quando está sozinho no set, é muitas vezes visto como “o tipo que mete um microfone em cima que tens de aturar”. É comum trabalhar com equipas que, se pudessem optar, fariam o filme sem som. Mas os bons profissionais reconhecem-lhe o valor e os melhores trabalham em conjunto para lhe facilitar a vida e fazer o melhor filme possível.
No Porto já existem técnicos profissionais e competentes e hoje quem faz um filme no norte não precisa de passar o Douro para encontrar estúdios com condições para o completar. Com a luz certa e a câmara de um iPhone da geração anterior consegue-se enganar muitos cinéfilos, mas só com um trabalho de meses, por profissionais dedicados se consegue produzir áudio que não soe estranho a ouvidos destreinados.
Com vês ou com bês, a diferença entre um filme profissional e um filme de escola não se vê, ouve-se e é refrescante que, neste dia dos prémios Sophia no Porto dedicado aos estudantes, se fale de som com o destaque que ele merece.