O um dia enfim descolorirá
Em princípio, esta conversa é bem menina de se tornar mais um cliché, mas a própria existência é sintetizada em moldes análogos. Peço encarecidamente — a qualquer alma que malbarate disponibilidade — o favor de anexar as palavras que se seguem ao extenso conjunto algures no globo.
Por vezes, a sensibilidade de qualquer indivíduo pode ser acicatada pela circunstância mais despretensiosa. O ser humano é leigo a exprimir qualquer frase/ação de modo racional ou premeditado e a criatura que manufaturou a espécie, volvidos anos e anos, ainda não foi capaz de deslindar o defeito na operação. O sentimento colérico causado pelo almejar da perfeição — por parte de certas pessoas — devia ser repensado.
No seguimento da perfeição, convoquemos a infância. Parece tudo encaixar-se, até agora. Com alguma sorte, a gente até lhe chama “período um tanto permanente de felicidade”. Por norma, as cores intrometem-se na vida petiz, transfiguram semblantes enrugados pelo choro e entranham-se nas retinas pouco trabalhadas. Consta-se que alguém pensou fora da caixa e considerou que as folhas de papel fossem aderir à ideia. Resultou em pequena escala, diga-se! Por isso é que se invocaram as telas, os pincéis, a paleta, a aguarela.
Toquinho, artista brasileiro, escreveu e — mais do que isso — transmitiu com Aquarela. Só transmitiu. A objetividade assume contornos de incógnita para todas as canções e esta ausenta-se prontamente da associação. As estrofes representam muito para além de uma técnica de pintura e da aptidão de uma pessoa destinada a ser professor de Educação Visual. Pode parecer que não, é verdade. Basta que não se deixe a imaginação a repousar.
A fantasia (ou a falta dela) é inerente. Nasce, cresce e morre com cada um. Sem cerimónia, a pessoa adquire o papel de predador: alimenta-se da imaginação, suga-a até se fartar, prende-se e desprende-se dela quando bem entende. As crianças podem constituir exemplos ilustrativos da trama porque o objetivo da sua criação consistiu no facto de as situar numa dimensão ulterior. Reina a lei do devaneio no universo onde pairam criaturas que mesclam a ingenuidade e o sonho. Naqueles tempos, tudo é pintado com rosa e grená, mesmo que elas não saibam ou imaginem o que grená significa.
A travessia de uma América à outra demora um segundo porque as crianças assim o querem. Gire ou não um compasso. O que elas não sabem é que as mães se responsabilizam e assumem o comando. A condução da astronave é executada por quem arca com todas as responsabilidades até período definido pelas condições da existência. A aparição dos muros ainda não foi solucionada. Caso contrário, as gaivotas, o sol, os castelos e o mar enformavam o que restava.
Um dia remete para o futuro. A quimera é interrompida pelo crescimento. A jovialidade impossibilita o conhecimento da estrada percorrida. Um dia. Com aqueles que raptamos (ou não) no tempo para lá das montanhas. As famigeradas dores de crescimento estimulam a incerteza. A gente que se amanhe. O emprego não é uma encomenda proveniente dos CTT, a mesa nunca está posta. Parar, pensar e decidir. Não assusta nada, pois não?
O Havai, Istambul e Pequim devem ser lugares fascinantes, à sua maneira. Mas um gajo é obrigado a prescindir de muitas coroas para se deslocar. Quando se é adulto, sonhar condiz com uma atividade pouco producente e aborrecida. Do género de fazer mudanças territoriais, mas sem o esforço e o suor. Vamos todos numa linda passarela/De uma aquarela/Que um dia enfim descolorirá. Resumindo, é isto.
Termino deixando um juízo acerca da possibilidade de as mulheres regerem e dominarem o mundo. Era capaz de não resultar. Apesar de algumas andarem no ginásio e tal, era muita maioridade junta. O ímpeto infantil superioriza-se à garra feminina. O crescimento era respondido com substituição do adolescente/pré-adulto por outra criança. Pensem nisto, com calma…
Tenho a certeza de que a Aquarela não descoloriria.