O verso vindo de Angola: uma incursão da Antologia
Ouço falar de Angola e vem-me ao pensamento os seus vastos sertões e espetáculos de cores, do verde suave e luzidio ao vermelho argiloso, os pantanais densos e impenetráveis, uma riquíssima fauna, graciosa, indulgente com a flora, massiva, que mesmo nas dunas e desertos — onde as areias são tórridas e infaustas — floresce de maneira soberba: Angola parece ser “(…) o cruzamento/ De todas as estradas do mundo/ A pousada/ De todos os viandantes (…)” [Bandeira Duarte in Finalidade]. E num ímpeto humano, carnal, as suas gentes mostram-se belas, o corpo dos homens é esculpido, herdou dos seus avós os ossos da caça, e as mulheres são talhadas, em nada diferentes das camenas, excetuando a cor, ainda que a muitos olhos “Qu´importa a cor, se as graças, se a candura/ Se as formas divinais do corpo teu/ Se escondem, se advinham, se apercebem/ Sob esse tão subtil, ligeiro véu?” [Cândido Furtado in No Álbum de uma Africana].
Angola, sim, bela mas pobre, porto que viu e vê muitas misérias, país onde o pão não é certo e o frio assola por entre telhas defeituosas, país de herança colonial, filho ferido, assim seja, de pai injusto; terra em que alguns dizem “Aos brancos não darei água (…)” [trad. dum poema em Kwanyama], mas tão fraterna, também, e acolhedora — terra onde o tempo é bem medido, emanadora de metafísica, “Não quero mais a lírica saudade/ que prende geralmente toda a gente.” [Geraldo Bessa Victor in Soneto da Ansiedade], pois os que cá estão não são os que foram: são os filhos e netos, ora cabisbaixo e envergonhados, prontos a estenderem as mãos: e os angolanos sabem-no, já o cantaram: “Portugal foste grande…Tuas tradições// Porém, se eras o forte, o temerário, o ousado/ da marítima empresa (…)/(…) hoje, é velho leão, estás moribundo!…// O que foste, ai! apenas em livros se lê (…)” [Cordeiro da Matta in Libelo a Portugal].
Angola, subsistente, sim, país de cultura, como mostrei. País de Agostinho Neto, o poeta presidente, Ana Branco, L. Félix Cruz, Jorge Rosa, país do “(…) vírus do UNIVERSO nas entranhas/ do espírito: A Poesia” [Lopito Feijóo J.A.S.K. in Otyiivaluko].
Enfim, que dizer?
Agrada-me o verso angolano e domina-me o orgulho pelo meu país — terra tão pequena em geografia, mas que empreendeu Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor, um exercício antológico monumental, uma dádiva, um caloroso abraço entre mim e entre todos com Angola.
Para a redação deste artigo foi usado o livro Entre a Lua, o Caos e o Silêncio: a Flor, com organização de Irene Guerra Marques e Carlos Monteiro Ferreira, ed. Guerra & Paz, 2021.