“Odisseia Nacional” do Teatro D. Maria quer pensar “necessidades dos territórios”, afirma o diretor artístico Pedro Penim
O diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II quer fazer da programação “Odisseia Nacional“, que vai atravessar todo o país, ao longo de 2023, uma forma de pensar “as necessidades dos territórios“, para lá da produção de espetáculos.
A “Odisseia Nacional”, que leva o D. Maria a mais de 90 concelhos portugueses, do distrito de Viana do Castelo ao de Faro, aos Açores e à Madeira, é uma viagem que Pedro Penim diz que não pretende “só mostrar, no sentido de andar a passear e a pavonear o nome do Teatro Nacional, mas de propor um modelo de programação e de funcionamento mais horizontal”, onde as parcerias são curatoriais e “pensam as necessidades dos territórios e não só uma necessidade de produção” de espetáculos do teatro.
Até porque, afirma, “a missão púbica do Teatro Nacional nunca se resumiu só ao edifício”, mas ao facto de, no próximo ano, estarem sem espaço físico e, assim, “o engenho acabou por apontar para a forma como se pensou esta programação”.
Da programação desta viagem, Pedro Penim destacou o programa Atos, a primeira parceria entre o D. Maria II e a Fundação Calouste Gulbenkian, ao abrigo do qual se realizarão 43 projetos em outros tantos concelhos, que serão dinamizados por 16 estruturas artísticas que visem valorizar o tecido cultural português e promover as práticas cívicas das comunidades que aí residem, através de projetos artísticos e reflexivos.
“Paisagens”, “Património” e “Pessoas” são, assim, uma subdivisão do programa, “a primeira vez que [a parceria] acontece com uma dimensão desta natureza”, e que é justamente essa forma de dar resposta “não só a uma necessidade de montar e desmontar espetáculos e apresentá-los”, mas de “encontrar formatos que até agora não encontrámos tanto”.
“De encontrar artistas que pensam o território, que pensam as comunidades, que pensam o património, de uma outra maneira e não só de criação de espetáculos de teatro de uma forma tradicional”, disse Pedro Penim.
O objetivo é “encontrar nomes de pessoas que já estão no território, que já têm esse trabalho, já identificaram, já mapearam algumas das necessidades alguns dos temas que importa discutir e criar, assim uma programação que vai para além dessa ideia de só repetir um modelo de digressão simples”, sublinhou Pedro Penim.
Aprofundar o conhecimento das paisagens e dos ecossistemas locais é o que está na base do projeto “Paisagem”, que mobilizará estruturas artísticas como Formiga Atómica, À Escuta – Catálogo Poético, Guarda-Rios, Marina Palácio e Um Coletivo, abrangendo áreas de Borba, Gouveia, Idanha-a-Nova, Mirandela, Oliveira do Bairro, Portalegre, Portel, Vinhais, Ourém, Santa Maria da Feira, Tavira, Ponte de Sor, Grândola, Mértola, Montemor-o-Novo, através das diferentes entidades e das suas propostas, “que cruzam olhares artísticos com conhecimentos científicos e costumes locais“.
Na área “Património”, outro pilar do programa, cruzam-se património edificado e imaterial numa relação com o pensamento contemporâneo, tendo por base centros históricos, monumentos e o que os ligam às pessoas.
Os projetos “Amarelo Silvestre”, desenvolvido em Lamego, Ponte de Sor e Sardoal, e “Gira Sol Azul”, no Fundão, Guarda e Grândola, constam das iniciativas abrangidas nesta área da programação, à semelhança de “Burilar”, em Reguengos de Monsaraz e Tomar. “Limite Zero”, em Pombal e Torre de Moncorvo, a que se juntam o coletivo Espaço Invisível, na Madeira, e “Discos de Platão”, nos Açores.
Valorizar as pessoas, com base na diversidade das comunidades locais, em áreas como a inclusão de minorias étnicas, a promoção da igualdade de género, reversão do isolamento dos idosos e a integração de imigrantes, está na base do eixo “Pessoas”, que envolve projetos como “Pele”, “Cassandra”, “Lugar específico”, “Ondamarela”, “Talkie walkie” e Um Coletivo, atravessando o país de Paredes de Coura a Portimão.
“Frutos” é o nome do programa em parceria com o Plano Nacional das Artes que irá promover ações pedagógicas dirigidas a todos os ciclos de ensino, aproximando as gerações mais jovens das artes performativas e incentivando a sua participação cultural e cívica.
“Falas estranhês”, visitas encenadas, oficinas de teatro, laboratório teatral são outras das iniciativas constantes da programação “Odisseia Nacional”, que contempla ainda a iniciativa “Nexos”, ao abrigo da qual haverá, entre outras ações, formação para profissionais da cultura, em parceria com a Direção-Geral das Artes (DGArtea), e formação para artistas com e sem deficiência.
“Cenários” é o programa com o qual o D. Maria II desafia o país a conceber outras formas de ver, no final de cada trimestre, promovendo uma reflexão sobre o percurso da própria Odisseia, “com um olhar agregador sobre a respetiva região“, envolvendo comunidade local, agentes culturais, artistas, estudantes, empreendedores sociais e cientistas de todo o país, numa parceria com a Iniciativa Pública Portugal Inovação Social e Lab2050.
Concluída a Odisseia, Pedro Penim está convicto de que o Teatro Nacional D.Maria II “não será o mesmo“.
Não apenas por, segundo Pedro Penim, 2023 já representar um “alargamento da Rede Eunice”, que foi “quase uma inspiração para esta ideia de digressão” e que neste caso representa um “alargamento exponencial” de teatros associados à Rede Eunice para 2023, mas também pela “expectativa que, de alguma forma, esta ‘Odisseia Nacional’ no património vai criar e no lastro que vai deixar”.
E apesar de a Rede Eunice ser um dos projetos que interessa “continuar e repensar e alargar para mais teatros”, “todas as outras sementes que este projeto está a deixar” abrem caminhos, “funcionam tanto como um desafio, como uma espécie de inevitabilidade, nesta relação do que estamos a fazer não nos permite depois voltar atrás”.
“Estamos aqui a dar um passo muito claro na abertura, a vários níveis do funcionamento do Teatro Nacional D. Maria II, nas suas relações com o território, mas também nas suas sinergias que este projeto cria e nas várias parcerias. E isto é quase sermos intimados a que, nos anos seguintes, quem quer que cá esteja, dê seguimento” a esta iniciativa.
Uma “imperatividade que se vai manter”, garantiu o presidente do conselho de administração do teatro, Rui Catarino. Para si, não vai ser possível, depois da expectativa e da concretização criada com a “Odisseia Nacional”, de repente 2024 ser igual a 2019.
Neste momento, estão criadas as condições para uma “mudança sistémica do paradigma as artes performativas” em Portugal, e o “país já não será o mesmo que era em 2019”, disse Rui Catarino à Lusa, sublinhando que há um movimento “no sentido da democracia cultural que este projeto de coesão territorial que o ‘Odisseia Nacional’ traz” vai “gerar uma exigência” sobre o trabalho futuro do Teatro Nacional D. Maria II.
“Já não vai permitir voltar ao teatro de 2019”, mesmo tendo em conta que circulava “bastante” pelo país e no estrangeiro.
Para Pedro Penim, o “Odisseia Nacional” introduz igualmente um “paradigma de excelência” ao qual não “é possível voltar atrás”.
Por isso, o Teatro Nacional D. Maria II vai ter de, a partir de 2023, sofrer “uma mudança de paradigma” e repensar o seu funcionamento durante esta digressão de 2023 e em função das sementes que são lançadas no território”.
Em 2024, “a componente nacional do trabalho” do teatro tem de ser “muito mais presente do que era antes da ‘Odisseia Nacional’”, concluiu Rui Catarino, segundo o qual as obras poderão prolongar-se até ao primeiro trimestre de 2024.
“Outros tempos, novos centros” é um dos ‘slogans’ do D. Maria II nesta ‘Odisseia’, constituindo também uma esperança de visão de futuro, tanto para o administrador do teatro como para o seu atual diretor artístico.