Ólafur Arnalds no Coliseu dos Recreios: música para acompanhar emoções
Foi no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, que a mini tour portuguesa de Ólafur Arnalds terminou. Um dos maiores recintos musicais da capital praticamente encheu para receber o compositor e músico islandês, que nos apresentou o seu mais recente trabalho, re:member.
Ólafur entra em palco com uma postura tímida, mas descomprometida, envergando calças de fato de treino, as típicas meias nórdicas coloridas (sem sapatos) e uma t-shirt com duas colcheias. Mais casual era impossível. Senta-se ao piano, que começa a tocar suavemente, ao qual se vão juntando os instrumentos de cordas do conjunto de músicos que o acompanha. A estrutura das canções ao longo do espectáculo é normalmente assim: o piano como foco, com as melodias belas e delicadas a construir a base, à medida que se vão tornando mais complexas; as cordas suportam esse crescimento melódico, gerando tensão e som, que rebentam em momentos épicos com o ritmo da bateria ou a textura dos elementos electrónicos, vitais nas composições de Ólafur Arnalds.
Exemplo disso (e um dos primeiros grandes momentos do concerto) foi “Only the Winds”, resgatada a From Now I Am Winter, álbum de 2013. Depois de um preâmbulo feito com “brot”, do mais recente disco, surge então uma das melodias mais reconhecíveis do compositor. De mansinho, surge uma batida electrónica suave, à qual se junta a bateria a marcar um compasso lento. As cordas vão aumentando de intensidade até se tornarem absolutamente arrebatadoras, obrigando-nos a fechar os olhos em introspecção, porque acaba por ser demasiado para aguentar. Poderia ser melodramático, mas é só mesmo emotivo e absolutamente eficaz. No final, ainda na ressaca do clímax melódico, o público ajuda ao ficar em silêncio reverencial enquanto o violino persistente vai morrendo, até quase nada se ouvir. Só então rebentam as palmas. Sublime.
Para “re:member”, canção que dá nome ao mais recente álbum, Ólafur revela um dos maiores truques deste espectáculo. Após a introdução glacial, com a cor fria das luzes a acompanhar, os dois pianos simetricamente dispostos no palco, despidos de parte da sua carapaça externa, começam a tocar sozinhos. Dos pianos fantasma saía uma melodia rápida, a fazer lembrar uma caixa de música em velocidade turbo, que criou um ambiente diferente de até então: um que é feliz e inspira felicidade. Parte do trabalho de compositor de Ólafur foi feito para filmes ou séries, nas quais tem de se conjugar com e transmitir certas emoções. No entanto, mesmo nos seus trabalhos autónomos, essa valência é perfeitamente clara.
O artista conta-nos como um acidente que sofreu há uns anos o impediu de tocar piano durante um ano, devido a problemas nos nervos, o que, para um pianista, não é de todo ideal. Num aeroporto em Hong Kong, quando andava em tour com o seu outro projecto, o duo de techno minimalista Kiasmos, ouviu uma canção de John Lennon no piano. No entanto, não havia pianista à vista. O piano estava a tocar sozinho. Foi essa a solução que Ólafur encontrou para a sua limitação: unindo-se a um colega programador, os dois desenvolveram um software que permitisse a automatização do instrumento.
No entanto, logo após esta história, o software deixou de funcionar. Enquanto tentava resolver o problema, Ólafur disfarça o nervosismo de uma situação que, afirma, nunca havia acontecido antes. O público ri e aplaude em jeito de apoio, até que se põe em causa a continuação do espectáculo. Sente-se alguma apreensão, dissipada por um membro da audiência, que atira um pedido para o palco a partir do fundo da sala: “conta-nos como tudo começou”. O artista conta-nos a sua história, desde os primórdios como baterista da banda de hardcore punk Fighting Shit, ao primeiro trabalho que compôs para piano e cordas. Entretanto, ao fim de 10 longos minutos, retomamos o espectáculo com “unfold”.
A pausa deixou o público mais efusivo e inquieto, sentindo-se um burburinho redobrado. Ainda assim, o artista não sacrificou a estrutura do espectáculo que havia definido em prol do ritmo do mesmo, dedicando-se a segmentos mais silenciosos, com canções como “saman” ou “momentary”. No entanto, infelizmente, o concerto demorou até recuperar o momento da parte inicial. Tal acontece ao chegarmos a “3326”, que marca uma clivagem. A canção é inteiramente tocada pelo conjunto de cordas, que mereceu um enorme aplauso pela forma como conjurou a sua urgência. A partir daí, entramos no reino de canções mais animadas e ritmadas. No entanto, a beleza das composições não se perde, simplesmente apresenta-se de outra forma.
Ólafur toma o microfone novamente para nos falar acerca da inspiração para a canção seguinte. Ao viajar pelo mundo em busca de inspiração para ultrapassar o writer’s block que o assolava, acabou por passar o Ano Novo na Indonésia – celebrado em Março. Nesse dia, as 24 horas são passadas em silêncio, sem trabalho, entretenimento ou distracções. Para o artista, foi uma lição acerca de transformar aborrecimento em paz. Assim nasceu “nyepi” (dia de silêncio, em indonésio). A canção, unida às luzes alaranjadas do palco, realmente transmitiu paz, assim como um calor tropical, exacerbado pelo piano, que era tocado como se fossem gotas de chuva a fazer vibrar as cordas. Ólafur experienciou o silêncio e paz por um dia, mas nós tivemos a sorte de o sentir durante o seu concerto, na medida do possível. Queríamos poder tê-lo visto numa bolha só nossa, sem tocar em nada, sem incomodar ninguém, para nos entrosarmos na música como deveria ser.
“3055” fechou o alinhamento principal com uma cortina de luz a barrar a vista para o palco. O fumo que atravessava a cortina criava um efeito de nevoeiro adequado a esta música esparsa, que, quase do nada, acelera até ao clímax que o concerto pedia. Foi a libertação de todas as emoções acumuladas ao longo dos crescendos, interlúdios e clímaces que fomos tendo ao longo da noite.
No entanto, a grande ovação do público não deixou que o concerto acabasse tão depressa, pelo que tivemos direito a mais duas canções. A última delas foi dedicada à sua falecida avó, a pessoa que o inspirou a ouvir e apreciar música clássica. Para essa, ficou sozinho no palco, a tocar “Lag Fyrir Ömmu” (canção para a avó) no piano fantasma. Ao longe, ouvia-se um violino tocado dos bastidores e nada mais. Depois disto, estávamos prontos para mais catarses emotivas, mas foi assim que Ólafur Arnalds decidiu libertar-nos para a noite fria de Março, de peito cheio e olhos molhados.