“Ordem Moral”, de Mário Barroso: a submissão é uma ignomínia
Em Um Amor de Perdição (2008), longa metragem anterior de Mário Barroso, baseada livremente na obra de Camilo Castelo Branco, Simão e Teresa vivem uma história de amor impossível. Inconformados, lutam contra as construções sociais que os enclausuram. Ordem Moral retoma o tema da submissão, tendo por base a vida de Maria Adelaide Coelho da Cunha (Maria de Medeiros), herdeira e dona do Diário de Notícias, no início do século passado.
Maria Adelaide, descontente com o casamento e com a hipocrisia inerente à vivência na alta sociedade portuguesa, decide fugir com Manuel Claro (João Pedro Mamede), antigo motorista da família. As sucessivas infidelidades do seu marido Alfredo da Cunha (Marcello Urgeghe) e a intenção de vender o jornal sem o seu consentimento estão na origem deste ato de vingança. A natureza vincadamente patriarcal da época, complica sobremaneira a situação da protagonista, que vê recair sobre si todo um complô, ao qual nem a medicina é alheia.
Responsável pela fotografia de clássicos incontornáveis do cinema português, como Vale Abraão (1993), de Manoel de Oliveira, ou A Comédia de Deus (1995), de João César Monteiro, é inegável a capacidade de Mário Barroso em criar imagens memoráveis. Enquadramentos primorosos que, aqui, remetem para Oliveira, pelo décor rico em interiores de cores vivas, veludos, ornamentações e espelhos. Destaque, por exemplo, para o plano zenital que verticalmente capta Maria Adelaide enquadrada pelo corrimão das escadas, quando toma conhecimento da morte da criada.
Barroso é claramente influenciado pelos realizadores que marcaram o seu percurso na indústria. No entanto, o cineasta procura demarcar-se da decalcação dos filmes que o inspiram. Se, por um lado, a câmara se comporta de forma semelhante (com ligeiramente mais movimento, expresso em diversas panorâmicas e travellings), por outro, observa-se uma abordagem mais naturalista, evidente no comportamento e diálogo dos atores.
Apesar de renegar a teatralidade característica dos filmes de Manoel de Oliveira, o cineasta não deixa de incorporar o teatro no próprio filme, criando um curioso jogo de interpretação de papéis, nublando as diferenças entre a identidade real (dentro do filme) e a ficcional (dentro da peça de teatro). As constantes imagens de personagens refletidas em espelhos reforçam esta sugestão de fragmentação de personalidades.
Dramaturgicamente Barroso trabalha com as convenções sociais associadas à época, nomeadamente o papel da mulher. Mas, ao contrário de filmes como Ne Touchez pas la Hache (2007) de Jacques Rivette, onde a própria encenação deixa implícito os anseios dos personagens, o realizador opta por tornar os diálogos demasiado explicativos, não deixando espaço para a nuance e mistério do que poderia ficar nas entrelinhas.
Ordem Moral reforça o posicionamento de Mário Barroso entre o cinema de autor e o comercial, um cinema do meio ao qual é frequentemente associado, onde muito do interesse reside na forma como equilibra elementos dos dois lados. Ficamos, então, com um objeto cinematográfico redondo e seguro, bem contando e atuado, levemente empobrecido pela falta de confiança de Mário Barroso no poder sugestivo das suas imagens.