Os 30 melhores filmes de 2019
O cinema é uma das artes que mais discussão promove e as (discutíveis) listas de melhores filmes do ano por parte de pessoas em nome próprio ou medias são já um dado adquirido. Não fugimos à regra e fizemos a nossa lista dos filmes que mais gostámos de ver ao longo deste ano de 2019. Sabendo de antemão que é sempre impossível que tais escolhas sejam unânimes, fizemos uma recolha dos filmes que neste ano que agora finda mais nos marcaram.
Para esta lista foram contabilizados todos os filmes que estrearam em Portugal, seja em estreia comercial, festivais ou através de plataformas online. Tendo estado disponíveis ao visionamento, não faria sentido que, tendo sido vistos por público em Portugal, não fossem contabilizados. Nesse aspecto, e sabendo de antemão a dificuldade acrescida de todos os leitores verem estreias em festivais, tendo alguns deles data de estreia comercial em Portugal prevista para 2020, serve o presente top também para promoção de algumas dessas obras que salientamos nesta lista.
Este ano de 2019 colocou ainda mais em debate estes novos tempos onde existem filmes de renome que apenas estrearam em plataformas online (Netflix) como são os casos de The Irishman e Marriage Story, dois dos filmes maiores deste ano. É o mercado e a indústria cinematográfica a adaptar-se aos tempos e aos espectadores de hoje. Online ou em tela, este é o nosso top 30 de 2019:
30. Velvet Buzzsaw, de Dan Gilroy
29. Us, de Jordan Peele
28. The Mule, de Clint Eastwood
27. Crawl, de Alexandre Aja
26. Bacurau, de Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles
25. John Wick 3, de Chad Stahelski
24. The House That Jack Built, de Lars von Trier
23. Synonyms, de Nadav Lapid
22. Rocketman, de Dexter Fletcher
21. J’ai Perdu Mon Corps, de Jérémy Clapin
20. Diamantino, de Gabriel Abrantes, Daniel Schmidt
19. Vox Lux, de Brady Corbet
18. A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes
17. Border, de Ali Abbasi
16. A Herdade, de Tiago Guedes
15. Tristeza e Alegria na Vida das Girafas, de Tiago Guedes
Numa odisseia moderna por Lisboa, seguimos a Girafa e o seu urso com o alho na ponta da língua na busca por dinheiro para pagar a conta da televisão. Pelo meio, personagens coloridas ensinam à Girafa que a sociedade não é tão fácil como ela poderá pensar. Tristeza e Alegria na Vida das Girafas é um filme assumidamente negro, mas com um tom leve que o torna um deleite. Segue rumos inesperados que tanto nos levam a rir às bandeiras despregadas, como ao desconforto – do qual se destaca o fabuloso e sufocante ‘monólogo’ inicial de Miguel Guedes, do qual é impossível tirar os olhos. Podemos matar a nossa infância, mas ela nunca nos abandona realmente.
14. Midsommar, de Ari Aster
Midsommar acompanha uma relação em declínio, testada ao máximo durante uma visita à aldeia de Hälsingland, na Suécia. Este filme de terror é essencialmente um pesadelo cheio de sol e flores – facilmente se vê o contra-senso. Contudo, Aster consegue que este absurdo funcione e bem. O cineasta recorre à intensa claridade e à tranquila paisagem circundante, para gerar um clima desconcertante e sombrio. A aldeia é simultaneamente espaçosa e claustrofóbica. Muito desse efeito deve-se também à interpretação tremenda de Florence Pugh. Midsommar é o tipo de cinema que adoramos adorar e que merece ser apoiado pela sua originalidade, engenho, e marcada visão.
13. A Hidden Life, de Terrence Malick
Este filme do Terrence Malick é possivelmente o filme que o realizador fez esta década mais provável de conquistar os espectadores que não gostam dos devaneios existenciais, por vezes tão etéreos, do costume. Talvez porque seja uma história bastante simples e contada passo a passo, sem saltos de lógica, e por ser baseada em factos verídicos. E isto sem perder o sentido poético do seu realizador, tanto no aspecto, como nos tempos de storytelling, como na sensibilidade e escalas de cinzento dos seus extraordinários protagonistas. Um austríaco compreende que o modo como Adolf Hitler está no poder não se coaduna com os ideais de respeito pela humanidade veiculados por Jesus Cristo e, com repercussões gigantes, resolve não se alinhar com o correr da História. Embora seja um filme sobre uma época estudada nas escolas, já tão distante, o filme consegue a proeza de atacar as consciências dos espectadores, deixando, de surra, a questão “queres realmente alinhar a tua vida com o Presente? E se não, terás noção das consequências?”. Um dilema ético com a beleza dos Alpes de fundo.
12. Variações, de João Maia
João Maia e a sua equipa “lutaram” perto de vinte anos para conseguir trazer Variações ao grande ecrã. Uma das figuras históricas de Portugal e um dos nomes maiores da música portuguesa merecia há muito a sua eternização também através do Cinema. Sérgio Praia, o contemplado com o papel de António Variações, estava também ele há muito no “forno” para representar o cantor português, tendo inclusive feito a peça de Vicente Alves do Ó em 2016, denominada “Variações, de António”. Essa escolha, diga-se, tornou o filme bem mais grandioso do que poderia ser à partida. Sérgio Praia é enorme, na alma e no coração da interpretação de alguém como Variações numa demonstração perante o cinema português que não é necessário fazer-se um filme de extremos para conquistar o público português.
11. The Lighthouse, de Robert Eggers
Robert Eggers realiza o seu segundo filme com a maturidade cinematográfica de quem estivesse no seu trigésimo trabalho, com piscar de olho a Tarkovsky (há planos do filme filmados com a crueza e sensibilidade de Andrei Rublev). Um filme de camaradas (antagónicos mas camaradas) com camadas de homoerotismo e selvajaria dignos de Pasolini, e com mitologia marítima (sereias e Poseidon incluídos) no seu centro, The Lighthouse inscreve-se na História do Cinema como uma obra sem par que não ignora o melhor que se fez no século XX, com um Robert Pattinson melhor que nunca, cujo carisma reside numa ideia de mistério, que é desmontado ao longo do filme. Willem Dafoe é um actor que reside no senso comum de toda a gente, muitas foram as matinés de várias gerações a ver filmes em que o character actor revela as suas habilidades de composição (embora Meryl Streep seja a actriz mais reconhecida neste tipo de trabalhos, talvez Dafoe, a par de Tilda Swinton e Laura Dern, seja o mais genial a ser realmente versátil sem perder uma espécie de marca de água que dá aos seus trabalhos). Aqui, este supera-se, e embora talvez acabe overshadowed nos Óscares por performances masculinas superlativas de nomes mais sonantes em filmes como The Irishman, Once Upon a Time… in Hollywood e The Two Popes, fica aqui escrito que no coração de algumas pessoas o Óscar iria para este marinheiro porco e espiritual, com olhos de luz e capacidades de maldição capazes de fazer dramaturgos gregos corar. E maldições que resultam. Basta ver o chocante último plano do filme para se compreender isto.
10. Ad Astra, de James Gray
Um épico de ficção científica com um Brad Pitt em pico de forma, Ad Astra prefere o minimalismo e pausa de 2001: Odisseia no Espaço à espectacularidade de um Insterstellar. É um filme divisivo, mas a realização de James Gray, a fotografia e o som não enganam. Ad Astra é cinema de primeira linha que se inspira igualmente em epopeias “em busca do mestre perdido” como Apocalypse Now ou Silence. Ad Astra é um deleite visual e contemplativo.
9. The Favourite, de Yorgos Lanthimos
Todos os cépticos ficaram assustados com a ideia de salto do underground artsy grotesco para o drama de época que Yorgos Lanthimos deu ao realizar A Favorita. Só que um drama possivelmente nunca foi tão ácido como aqui, nem as gargalhadas tão amargas, nem a ideia de época pareceu tão contemporânea (com um bailado que praticamente termina em breakdance, cenas eróticas entre mulheres, mimetismos que são material para gif pela Abigail de Emma Stone – I hoped I might be employed here by you. As something – A monster for the children to play with, perhaps – Yes, if you like. Arrrr. Arrrr). Com uma estrondosa performance da Queen Anne por Olivia Colman, das mais aplaudidas na década inteira, e o arco de personagem mais surpreendente na Lady Sarah de uma ágil e sublime Rachel Weisz, A Favorita é uma espécie de All About Eve dos royals, história de usurpação, e sobre o confronto entre Poder e Amor – possivelmente a guerra das guerras. Vencendo, injustamente, o primeiro, a única hipótese de redenção talvez seja mesmo a Integridade. Entretanto vão-se abatendo desportivamente pássaros cujo sangue mancha a cara dos rivais. E vai-se tratando da história dos países enquanto as feridas pessoas não cicatrizam.
8. The Irishman, de Martin Scorsese
O regresso de Scorsese ao género que ajudou a criar e construir. Elenco de luxo liderado por Robert De Niro, esta é uma epopeia gangster ao longo de várias décadas, com o carisma que reconhecemos de Goodfellas, Casino ou Raging Bull. No entanto, em Irishman, talvez fruto do envelhecimento do realizador e intérpretes existe um maior peso contemplativo, uma reflexão sobre o envelhecimento, uma dramatização das relações humanos mais realista do que a paródia que muitas vezes se via em, por exemplo, Goodfellas. É um crime não ter esteado em sala.
Dor e Glória é um belíssimo triunfo para Almodóvar. É um trabalho bastante completo, que não transmite a sensação de ser demasiado recheado, apesar de todas as diferentes histórias que segue. O trabalho do realizador parece quase sempre autobiográfico, mas a cobertura de diferentes cenas da vida (dissensões com antigos colaboradores, relação mãe-filho, histórias de amor revisitadas) torna quase inevitável essa assunção, funcionando o filme como uma espécie de resumo da vida do seu criador. Antonio Banderas assume totalmente as dores da personagem principal, num desempenho fora do comum para o galã, merecedor dos mais rasgados elogios. As cenas da infância, filmadas nas covas de Paterna, são verdadeiramente sublimes, reminescentes de clássicos como Stromboli, de Roberto Rossellini.
6. Toy Story 4, de Josh Cooley
É, talvez, o fechar de um capítulo que acompanhou o crescimento de muitos de nós. E Toy Story 4 vence logo à partida quando não foge a uma linha condutora à qual sempre foi fiel. Não usa clichés ou artifícios narrativos para alcançar a nossa simpatia. É sobretudo uma história bem contada que nos toca sempre o lado emocional pela forma como aborda, uma vez mais, as relações, o desapego, mas sobretudo, neste filme, o adeus – ou o “até já”.
A história de Vitalina Varela, que conhecemos no filme anterior de Pedro Costa – “Cavalo Dinheiro” – surge-nos agora recontextualizada. Acompanhamos o luto da cabo-verdiana num país que pisa pela primeira vez. Refugia-se na casa do falecido marido, na Cova da Moura, da qual pouco sai durante parte considerável do filme. Debaixo da mágoa de Vitalina encontramos uma perturbadora camada de raiva e angústia, exacerbada pelos poéticos monólogos em crioulo, onde relata episódios da sua vida. Mas mais do que as palavras, é o olhar da cabo-verdiana que fica na retina, impetuoso e lacrimejante, que traz à superfície toda a tensão presa naquele corpo. Depois de Vanda e Ventura terminamos (será?) com Vitalina. Um retrato pessoal que atinge a universalidade. Das mulheres que sofrem, dos imigrantes que enfrentam dificuldades, das pessoas que vivem na margem de uma sociedade que as oprime, com a identidade dividida entre dois países, numa eterna resistência contra a sombra, contra as trevas, que o cineasta tão bem mimetiza nas suas imagens.
4. Once Upon a Time… in Hollywood, de Quentin Tarantino
Mais um belíssimo filme de Tarantino, estruturalmente distinto dos anteriores, que não oferece a sensação de barriga cheia que sempre associamos ao realizador, mas que por outro lado se apresenta um filme educado, ritmado, uma homenagem ao cinema feita em cinema. As cenas icónicas estão lá. Os diálogos também. As camadas idem. É um filme que crescerá no espectador ao longo do tempo depois de o ver… Uma espécie de Tarantino à neo-Scorsese. O realizador deixou de seguir a caricatura da sua obra. Estará também mais velho…
3. Joker, de Todd Phillips
Bem ou mal, é impossível falar do cinema em 2019 sem referir o Joker de Todd Phillips. O drama sobre um dos vilões mais famosos da ficção atingiu-nos, este ano, como um balde de água fria para nos acordar. O filme gira à volta da desconstrução de Arthur Fleck e da sua transformação no delirante palhaço adversário do Batman, que todos conhecemos. Arquétipo das minorias, cronicamente afetado por ataques de riso espontâneos, que o tornaram socialmente excluído, Arthur rapidamente pegou numa arma e se tornou no monstro que todos o acusavam de ser. Por detrás da maquilhagem circense está uma personagem profundamente frágil a nível emocional e de grande instabilidade psicológica. Joaquin Phoenix personificou o distúrbio mental de tal forma que nos sentimos a enlouquecer lentamente com a personagem, quase justificando e perdoando todas as suas atrocidades. Podemos condená-lo por se libertar da opressão em que vivia e aceitar fazer justiça com as próprias mãos? Joker, de Todd Phillips, não representa apenas a revolução das minorias em Gotham mas é, sim, uma crítica social à sociedade em que vivemos, que facilmente discrimina e condena aqueles que são diferentes.
2. Marriage Story, de Noah Baumbach
Marriage Story é uma história dura sobre o processo de separação, sobre um pai que só quer estar com o seu filho e ter a sua familia de volta, mas também sobre compreensão, que é no fundo o que a personagem de Scarlett tem, deixando no final Charlie passar mais tempo com o seu filho. Ao contrário da maioria dos filmes sobre o tema, aqui o drama atinge uma proporção muito real, oscilando entre o confronto e a compreensão, a amizade e a rebeldia. Independentemente de qualquer situação existe uma criança que tem que usufruir do seu tempo nesta jornada da vida com ambos os pais. Noah Baumbach atinge também um nível bastante elevado, construindo aqui uma bela filmografia, sendo que Marriage Story tem os habituais toques cómicos do realizador, aqui de forma mais subtil, mas mesmo assim capazes de nos fazer sorrir no meio da tempestade.
1. Parasite, de Bong Joon-ho
Ao longo da sua carreira, o realizador Bong Joon-ho sempre primou pela elegância com que navega pelos vários géneros cinematográficos dentro do mesmo filme. Da comédia, ao suspense, drama ou terror sem nunca perder a unidade e coerência do universo que cria para os seus espectadores. Em Parasite, o sul-coreano atinge o seu ápice, construindo uma detalhada sátira à estratificação social, através de uma declarada metáfora à relação entre parasita e hospedeiro, ricos e pobres. A mensagem política é incorporada na narrativa e submetida aos seus desenlaces e reviravoltas, deixando um rasto (cheiro?) que permanece no imaginário de quem assiste, revelando, aos poucos, as várias camadas que habitam por baixo da superfície do filme.