Os Capitão Fausto tornam-se homens num dia claro de março
É a 15 de março de 2019 que os cinco rapazes de Lisboa atingem a maturidade. Agora, pode chamar-se-lhes homens – e homens com uma identidade musical bem vincada.
A Invenção do Dia Claro é o quarto longa-duração da banda. O nascimento deste disco foi diferente do habitual até então. Em vez de se isolarem do mundo para compor, mudaram de país para gravar, partindo em 2017 para São Paulo, no Brasil. Já com o álbum estruturado e os rascunhos prontos, mudaram-se para uma casa perto dos Red Bull Studios. Esta viagem através do oceano e por dentro deles mesmos permitiu ao grupo criar uma proximidade ainda maior – de cada um com os outros e com as próprias músicas.
Os tempos de Gazela e de Pesar O Sol já lá vão há muito. Parece que não, mas Capitão Fausto Têm Os Dias Contados também já caminha para o seu terceiro aniversário. Neste trabalho de 2016, a banda assumiu-se confusa com a incerteza da sua posição na vida. Já fora da juventude, mas ainda jovens, abordaram assuntos como a busca por eles mesmos, as relações que tinham com aqueles que os rodeavam e as dificuldades da vida. Afinal, a primeira frase do disco era mesmo “trabalhar nunca me fez bem nenhum”.
Agora, o grupo mostra ter interiorizado que os anos de viver debaixo das saias da mãe já passaram. Mostram-se senhores de si mesmos, preenchidos por felicidades e tristezas, numa mistura de sentimentos, temáticas e sons – permanecendo, sempre, fiéis a si próprios. As letras de Tomás são ligeiramente mais sérias e acompanham um trabalho instrumental soberbo. As oito faixas – que nem chegam a totalizar meia hora de duração – constituem um conjunto conciso e sólido de música bem pensada e bem trabalhada.
Afinal, não tinham os dias contados. Muito pelo contrário. Neste disco – com título retirado de um livro de Almada Negreiros, de 1921 –, sabemos que cada nota ouvida está no sítio exato onde os cinco a queriam. Temos toda uma panóplia de instrumentos: guitarras, cavaquinho, baixo, bateria, flauta transversal, sementes, clarinete, cuíca… Apesar de já terem uma ideia definida do que queriam gravar, claro que o facto de estarem num país diferente os influenciou, o que é bem percetível nas músicas. As influências da música popular brasileira estão lá, se ouvirmos com atenção.
No entanto, A Invenção do Dia Claro representa uma espécie de paradoxo. É o disco que marca definitivamente a identidade musical da banda e também aquele que marca a afirmação dos membros como músicos adultos e responsáveis. Mas, por outro lado, mostra que jogam pelo seguro; optam pela fórmula que sabem ser de sucesso, sem correrem grandes riscos. À primeira audição, as músicas parecem idênticas. Só à terceira ou quarta vez que se ouve o álbum é que se começa a decifrar o assombroso trabalho instrumental por baixo da voz de Tomás.
Já não vemos músicas experimentais como “Lameira”, que rondava quase os psicadélicos. Da mesma forma, não parece que daqui saiam hinos como “Amanhã Tou Melhor”, “Corazón” ou “Teresa”. Mas tudo isto é relativo – e a receção dos singles foi extremamente positiva. A própria tour de clubes que a banda fez, para testar as músicas do novo trabalho, provou a qualidade que este tem e a facilidade com que consegue conquistar o público – isto vindo de alguém que aprecia bastante os trabalhos da banda. Com Capitão Fausto, sabemos que ficamos sempre bem (desculpem-me a pun fraquinha, foi inevitável).
Alguns grandes destaques são os instrumentais de “Certeza”, “Lentamente” e “Final”. Esta última música irá, certamente, derreter corações pelo país fora – ainda mais, talvez, do que os que “Amor, a Nossa Vida” já está a conseguir comover. “Eu sempre disse a mesma coisa: se eu não ficar contigo, é tudo em vão”.
Tomás Wallenstein, Salvador Seabra, Manuel Palha, Francisco Ferreira e Domingos Coimbra vão continuar a ser os mesmos músicos adorados de sempre. Agora, é esperar para ver como será a reação à apresentação na íntegra do álbum, a 4 de abril na Casa da Música (no Porto) e dois dias depois no Capitólio (em Lisboa).