Os directos de Bruno Nogueira são um reflexo do povo português
Os diretos mais famosos do Instagram terminaram na sexta-feira (15). O humorista Bruno Nogueira, levou-nos durante cerca de dois meses numa espécie de distração do mundo real, que fez com que milhares de portugueses se sentissem mais acompanhados durante o período de isolamento social. A psicóloga Marta de Lourdes, autora convidada do Espalha-Factos, revela-nos como viveu a despedida de Como é Que o Bicho Mexe?.
Quando era criança, lembro-me que jantávamos todos os domingos na casa dos meus avós. Na época do Natal, o meu pai deixava-me fazer o caminho para casa no colo, para eu fingir que conduzia enquanto procurávamos, pelas ruelas da aldeia, as luzes de natal nas janelas das casas (sim, isto tem tanto de ilegal como de fantástico). Algum dia eu imaginaria que quase duas décadas depois, em pleno mês de maio e enquanto ultrapassávamos uma pandemia, um ser iluminado como Bruno Nogueira iria ter a audácia de entrar num carro com o seu melhor amigo e levar 175 mil pessoas “ao colo” para viver uma indescritível viagem à procura do Natal.
No final desta primeira temporada de Como é Que o Bicho Mexe?, importa refletir sobre as maravilhosas mensagens, mais ou menos óbvias, que nos foram transmitidas. Em primeiro lugar, a importância de sabermos rir da desgraça. A forma como finalmente passamos a compreender que a arte, a cultura e o humor são ingredientes essenciais para a nossa sanidade mental, é simplesmente soberbo. Todos os dias, à mesma hora e por este país inteiro – até fora dele – um enorme número de pessoas reuniu-se para ver o capitão, juntamente com sua equipa, servir de âncora e dar cor aos dias cinzentos. Tudo isto num formato desajeitado, desprendido, cru e honesto – afinal de contas, os verdadeiros bons momentos são assim mesmo.
Em segundo lugar, a inovação. No meio de uma crise sem precedentes, não sucumbir ao comodismo e ter coragem para arriscar fazer diferente é coisa que só poderia surgir de um visionário. Esta caraterística será imprescindível para renascermos das cinzas onde este bicho nos deixou e o Bruno Nogueira soube demonstrá-lo muitíssimo bem.
Este ponto leva-me a um outro, não menos importante – a amizade. Em psicologia, quando falamos de intervenção em crise, um dos pontos primordiais passa por ativar as redes de suporte social. Essas redes estão, na maioria das vezes, nos amigos. Essas pessoas indispensáveis a quem muitas vezes também chamamos família. O Rei disto tudo não seria Rei sem o seu batalhão ao lado. A forma como aquela nova família saiu da sua zona de conforto e embarcou nesta aventura, assim como a humildade e gratidão que se sentiu em cada um dos obrigados que foram soltos repetidamente durante a noite de sexta-feira (15) é uma lição que devemos levar connosco vida fora.
Por fim, e como não poderia deixar de ser, o voto de louvor ao povo português. Se ainda restavam dúvidas de que somos uma nação rica em hospitalidade e garra, isso tornou-se agora bem claro. Confinados às nossas casas e envolvidos pela adversidade conseguimos, ainda assim, continuar a compartilhar esperança, compaixão, alegria e solidariedade.
A semana passada foi Natal em Portugal. Não o comum, com famílias reunidas, bacalhau e vinho na mesa. Em contrapartida, nas ruas houve luz, amor, respeito e louvor. Que este Natal de maio fique imortalizado no nosso compartimento das boas memórias. Voltamos a ver-nos em breve, quando finalmente tudo ficar bem.
Artigo escrito por Marta de Lourdes, originalmente publicado em Espalha Factos.
Marta de Lourdes concluiu o Mestrado Integrado em Psicologia na Universidade do Minho, tendo feito o seu estágio curricular no serviço de psiquiatria, endocrinologia e pediatria do Hospital de Braga. Desde então, exerceu funções como bolseira de Investigação no Grupo de Estudos das Perturbações Alimentares da Unidade de Psicoterapia e Psicopatologia onde é, atualmente, aluna de Doutoramento no programa doutoral em Psicologia Aplicada.