Os hinos intemporais marcaram o terceiro e último dia do NOS Alive
O terceiro e último dia do NOS Alive começou cedo, com os festivaleiros a quererem aproveitar ao máximo aquele que foi o dia com maior enchente do festival, perfeitamente justificada pelo elenco de luxo que compôs a noite.
Com os The Gift a abrir o palco NOS e a terminarem o concerto sentados, no meio do público, passámos depois para os Vetusta Morla, demos um saltinho a Gavin James, que encheu as medidas de quem esperava um fim de tarde com um toque romântico.
Tom Walker chegou ao Palco NOS com o selo de “gajo que canta aquela do Leave a Light On tan-ran-tan-tan”. No entanto, a música que o catapultou para o sucesso não é a única coisa pela qual merece ser reconhecido. Foi bastante competente e deu um concerto que, pelo menos, permitiu abanar um pouco. Dotado de uma voz invejável, conseguiu entreter quem esperava “pelos nomes grandes” durante 50 minutos.
O tom romântico que se seguiu não foi tão calmo, mas sim do punk-rock dos IDLES. Depois do lançamento do magnífico “Joy as an act of resistance” no ano passado, os IDLES não têm parado de dar concertos e, por onde passam, deixam uma mensagem de tolerância, amor e de entre-ajuda. Num concerto de uma hora, a banda inglesa passou pela injustiça social de “Mother”, pela masculinidade tóxica de “Never Fight a Man with a Perm” e de “Danny Nedelko”, pela doença mental em “1049 Gotho”, pelo amor declarado brusca, atabalhoada e visceralmente de “Lovesong”. Pelo meio ainda temos versos da “Nothing Compares to You” celebrizada por Sinead O’Connor e “From her to eternity” de Nick Cave, temos muito crowd surfing, temos muitos devaneios dentro e fora de palco e temos um palco Sagres pequeno para a grandiosidade de tudo o que ali se passou.
Os IDLES são uma excelente banda sonora para um motim, mas neste motim de uma hora em que varre tudo e todos, ninguém sairá ferido, indiferente ou pior do que entrou. É como se fosse o auge da catarse, em que, na pior das hipóteses, saímos mais leves, mas saímos sempre melhores, de peito cheio de coragem e a nítida sensação de que não estamos sozinhos. “Be the I in Unity”
Saímos a correr para vermos Bon Iver, que começava no Palco NOS. Com o álbum “i,i” previsto para 30 de Agosto, Justin Vernon está num sítio diferente do que estava quando se fechou dentro da cabana de caça do pai, no norte do Wisconsin, para escrever sobre o amor e a perda deste a uma tal de Emma. Esta Emma é, segundo Vernon, um lugar onde se fica preso, uma dor que não se consegue apagar. Mas o lugar onde Vernon está preso está agora muito mais aberto a colaborações, muito mais experimental, muito mais fragmentado, mas também muito mais fechado na figura de Vernon.
Começou com “Perth”, passou pelo mais cru e experimental do 3.º álbum ‘22, A Million’ com ‘10 d E A T h b R E a s T’ e ‘715 CREEKS’, mas foi a partir do amor entoado em “Blood Bank” que Justin Vernon e companhia arrebataram o público e mostraram que, mesmo com um vocoder e sons metálicos, há um hino ao mais profundo das nossas vidas. E Justin Vernon, ainda que a brincar com erva e haxixe ou a manifestar, como dita a cartilha, o seu amor por Portugal, estava bastante mais introspectivo do que nos outros concertos que esta vossa escriba viu do artista já este ano. A “segunda” metade do concerto é bastante mais orgânica, mais aguerrida, mais profunda também. Nos ecrãs, passam várias imagens de pessoas mais dadas à manifestação de sentimentos e não estão sozinhas. A ‘Heavenly Father’, o tema sublime composto para o filme “Wish I was here” de Zach Braff, seguiu-se ‘Skinny Love’, um tema que embala muitos casais embora verse sobre uma relação falhada, e ‘Creature Fear’ mostra-nos até podemos estar no meio de milhares de pessoas, algumas a tentar tirar aquela foto perfeita para o Instagram com a perna ligeiramente flectida para alongar a silhueta, outras podem estar a falar sobre as compras que terão de fazer no supermercado – isto acontece! -, mas o espaço a que a música de Bon Iver nos leva é só nosso. A partir daqui estava ganho. Entre versos como “for once I knew I was not magnificent” de ‘Holocene’ e “I’ve been looking through your mind” de ‘33 GOD’, culminando com “What might have been lost” de ‘Wolves’ e “it might be over soon” de ‘22 (OVER soon)’ saímos dali mestres das emoções humanas. Ou pelo menos a tentar dominar as nossas. De fora ficaram os singles de ‘i,i’, mas esperamos que Justin Vernon volte para nos contar as suas histórias de (des)amor.
The Smashing Pumpkins. Antes de passarmos ao relato, no auge da criatividade deste colectivo de Chicago, ali por volta de 1993-1995, Billy Corgan escreveu “shakedown 1979, cool kids never have the time” (‘1979’) e muitos jovens nascidos em 1979, na altura adolescentes, identificaram-se imediatamente com esta canção, tornando-a num hino à teenage angst, à rebeldia, e ouviram-na repetidamente no walkman de cassete da Grundig. Esses jovens fazem este ano 40 anos. Adiante.
Há muito tempo que não víamos tantos elementos originais da banda em palco, com Jimmy Chamberlin, que colaborou com Billy Corgan no pós-2000, no magnífico supergrupo ZWAN (com Paz Lenchantin, Matt Sweeney e David Pajo) e na tentativa de ressuscitação dos Pumpkins, e James Iha, que estava de relações cortadas com Corgan desde o concerto final da banda a 2 de Dezembro do 2000. Os outros elementos são Jeff Schroeder assume agora o papel de 3.º guitarrista, o baixo é tomado de assalto por Jack Bates, filho de Peter Hook e Katie Coles está escondida no palco, nas teclas. O concerto revela-se bicéfalo, enquanto todas as músicas da época de 90 são entoadas em uníssono, incluindo os b-sides (como é possível não nos rendermos à magnanimidade de “The Aeroplane Flies High (turns left looks right)”?), os temas mais recentes são reconhecidos por poucos. Não deixámos passar “Today” ou “Disarm”, arrepiamo-nos com “Eye” (da excelente banda sonora de ‘Lost Highway’ de David Lynch), vibramos com ‘Cherub Rock’ e viajamos no tempo, para o nosso quarto forradinho a posters da Bravo, que comprávamos embora não percebêssemos uma palavra em alemão. Os fãs dessa altura – colectivo sofredor do qual faço parte – queriam mais um bocadinho, porventura faltou-nos a “Soma” ou a “Mayonaise”, queríamos mais um bocadinho do ‘Mellon Collie’ e queríamos mais ‘Adore’, mas não nos queixamos muito.
A música dos The Smashing Pumpkins marcou uma geração e marcou os filhos dessa geração, como pudemos ver pelos muitos pré-adolescentes que acompanharam os pais nesta incursão à adolescência.
Enquanto os Pumpkins destruíam o Palco NOS, uma multidão juntava-se no Palco Sagres. Era Thom Yorke quem se seguia e os ânimos estavam nos píncaros. O cantor britânico, líder dos Radiohead e dos Atoms for Peace, veio a Portugal com o seu projecto a solo, mais focado na electrónica do que aquilo que se conhece das suas bandas. 15 minutos antes do concerto reinava uma aparente calma, mas passados cinco minutos o público suplicava pelo início do concerto e já nem mais uma alma cabia no recinto. Até se antecipando à pontualidade britânica, três minutos antes da meia-noite dá-se a escuridão, a euforia e um vulto surge. Thom Yorke é muito acarinhado em Portugal e isso nota-se: durante os primeiros três minutos em palco não diz uma palavra, só há uma batida e olhares – o suficiente para receber demonstrações de completa adoração. Munido de gestos esquizofrénicos, uma sonoridade robótica e um ecrã gigante responsável pela estética e pelas luzes da performance, Thom Yorke prova que as músicas não precisam de um fim. Uma canção e a que a precede criam entre si um efeito de imersão, que torna os limites de cada música quase indetectáveis. É evidentemente um espectáculo muito além do som.
Com o calor humano que por ali estava saímos mais cedo e, no exterior do palco secundário, até se formou uma plateia para ver Thom Yorke através dos ecrãs gigantes ou, na melhor das hipóteses, de esguelha, entre cabeças e braços no ar.
O NOS Alive terminou com os The Chemical Brothers a levar os resistentes ao rubro no palco principal. Para o ano, já temos os Da Weasel confirmados e nos próximos 4, o Passeio Marítimo de Algés continuará a ser a casa, a nossa casa.
Texto de Linda Formiga e Gustavo Carvalho