Os mantras de Avey Tare no íntimo concerto da igreja de St. George
Avey Tare, sozinho no altar-mor, rodeado dos poucos equipamentos que irão reduzir ao essencial cada uma das composições que interpreta, emana tranquilidade. O cenário é o interior da St George’s Church, a belíssima igreja anglicana, ladeada de altos muros, junto ao Jardim da Estrela. Para chegarmos junto à igreja, atravessamos o Cemitério Inglês; lápides portentosas, e sentimo-nos como se dentro de um filme. Chuvisca ligeiramente, na noite de 15 de Novembro. O cenário importa, porque contextualiza um concerto – e, com todas estas incomuns características, assinala uma diferença. A ZDB (Zé dos Bois) escolheu muito bem o local do concerto.
Sentamo-nos poucos bancos à frente de Noah Lennox – mais conhecido por Panda Bear – colega de Avey Tare nos Animal Collective. Era expectável que o músico, residente em Lisboa há já alguns anos, viesse assistir ao concerto do amigo. As luzes da igreja apagam-se, e apenas o altar-mor permanece iluminado. Seguem-se dois minutos de silêncio, sem que nada propriamente aconteça. Depois surge Avey Tare, a ocupar a sua posição central, de boné como é seu costume. Nem a igreja foi suficiente para o fazer descobrir a cabeça.
O aparato é muito reduzido: recorrendo ao sintetizador de pouco porte na marcação rítmica e atmosférica, e alternando entre a guitarra acústica e a eléctrica. Sem sair do sítio, sem se levantar da cadeira. Cantando histórias e emoções com a sua voz – talvez a mais potente e dinâmica do conjunto dos Animal Collective.
Mas o que realmente funciona, com muita força e impacto emocional, é a paisagem harmónica que Avey Tare compõe na maioria das suas canções. Aqui o timbre rítmico tem muitas vezes uma importância fulcral, vem adicionar camadas e profundidade; muito ritmo, que eventualmente faltavam ao álbum Eucalyptus, lançado este ano, e ao qual pertenciam quase meia dúzia dos temas interpretados.
“Ms Secret” será das canções que resultam com mais força, assim como “Saturdays”. “Man of Oil”, perto do fim, sabe mais que bem. No geral, saímos com a sensação de que Avey Tare é particularmente dotado a interpretar mantras – palavras, acordes e melodias – repetições constantes que mastigam e dão a mastigar.
Somos como que embalados pelas suas composições, ao mesmo tempo que não podemos deixar de dançar, mesmo que sentados, quando convoca os seus ritmos inovadores. Serões assim forçam momentos de paragem, tantas vezes necessários, e provam que a música é terapia eficaz. Num espaço meio escondido da cidade, o concerto de Avey Tare funcionou como um retiro, onde pudemos refugiar-nos por duas horas, que mais se assemelharam a um período indeterminado de tempo.
Fotografias de Vera Marmelo / ZDB