Os novos populismos em análise, pelo historiador e economista Barry Eichengreen

por Diogo Senra Rodeiro,    12 Fevereiro, 2019
Os novos populismos em análise, pelo historiador e economista Barry Eichengreen
Capa do livro

Qualquer projecto baseado numa analogia dos tempos passados com os tempos presentes será sempre um bom guia para o futuro, ou quiçá seja apenas valorizado como um último testemunho à ignorância histórica da presente geração.

É isto que possivelmente pode ser dito da análise clara, super informativa e não-ideológica de Barry Eichengreen sobre o fenómeno inflamatório dos novos populismos à volta do globo, com um foco ocidental clássico – nomeadamente, os Estados Unidos da América (EUA), Reino Unido, Alemanha, com alguns interlúdios franceses e italianos. No centro do seu trabalho encontra-se uma pesquisa profunda sobre as convulsões provocadas pelos agitadores populistas e as respostas advindas do establishment político. Como historiador, mas especialmente como historiador-económico, o professor da UCLA apresentou-se ao seu nível, como de costume.

O título do livro The Populist Temptation – Economic Grievance and Political Reaction in the Modern Era sugere-nos então que uma análise politico-económica será efectuada, apesar de existirem também dados estatísticos de relevância e gráficos que contribuem para o enriquecimento do livro; o autor também não se esquece da influência da sociologia. E no início somos até confrontados com a sua definição deste que é um fenómeno oblíquo – o populismo – que está a atemorizar o mundo uma vez mais: “a multidimensional phenomenon, with multiple perspectives on each dimension […] a political movement with anti-elite, authoritarian, and nativist tendencies” (p.1).

Se pistas faltavam ainda entre as semelhanças dos regimes totalitários que aconteceram sobretudo durante os anos 20 e 30 na Europa (apesar de ainda nenhum ter atingido o mesmo nível nos dias de hoje), esta ocasião histórica sendo mais do que suficiente para alguns, mas pelos vistos não para todos tendo em conta o apoio que têm vindo a granjear, o americano volta ainda atrás no tempo (para além dos anos 20) para nos mostrar algo surpreendente. Que afinal não somos só nós as vítimas desta “espécie” invulgar de visionários sociais – os populistas – estes andando por aí desde que a economia funciona como funciona hoje. (cf. Capitalismo) Mais, o “outro” e os “indesejáveis” já existiam desde o século XIX – como o livro exemplifica.

Por falar em Capitalismo, Eichengreen chama ao processo de “comercialização” o que Ellen Meiksins Wood chama de “dependência de mercado” – sendo que este fenómeno social advém desde os tempos da Revolução Industrial, ou talvez ainda antes quando as enclosures* foram encetadas no século XVII em Inglaterra. Sendo forçados a ir ao mercado para manter a sua sobrevivência, os agricultores viram-se forçados a vender os seus produtos agrícolas. Agora que a terra já não era mais propriedade comum, daí a dependência, foram estes postos numa condição social deveras volátil, condição esta que amplificou o seu apoio político por alternativas populistas, especialmente à época da primeira Globalização, de meados do século XIX em diante. Prestar atenção ao período em questão é necessário, uma vez que foi aqui que a economia começou a ficar mais conectada ao nível internacional, o que significava que as realidades locais eram agora moldadas por eventos vindos de fora – a 1ª Globalização deixou mossa nos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha.

Consequentemente, a coesão social dos países analisados reflectia sempre a insatisfação ao nível da classe trabalhadora ou daqueles que sentiam mais o impacto das desacelerações/desregulações económicas – eles tinham uma voz. Esta época coincidiu com um tempo em que o body politic tinha (a vontade de, e o) poder para se preocupar com a paz social dos seus territórios, e por isto mesmo as manifestações populistas foram sempre “amortecidas” pela implementação de programas sociais que foram criados paulatinamente: ‘They indicated that the political class was listening’ (p. 45)´.

De certa forma, é como se as elites políticas tivessem ainda uma consciência sobre aquilo que é melhor (ou menos mau) para as suas sociedades; o que por vezes esquecemos – ou não sabemos – é o papel que associações da sociedade civil ou a relevância que os investigadores das Humanidades outrora ocuparam perto destas elites. A Fabian Society em Inglaterra foi pioneira em estudos sobre “(…) child support, universal free education, a living wage, guaranteed health care, and pensions for the retired and disabled” e na Alemanha, a Escola Histórica Alemã, na pessoa de Gustav von Schmoller cunhou inclusive o termo “Política Social”, tendo este sido o conselheiro económico do chanceler Otto von Bismarck (ambos os grupos de intelectuais tiveram o pico de atividade em finais do século XIX, imaginem). A inovação social pelos governos não emerge assim do vazio, e maior parte das vezes simplesmente se torna um exercício mimético de país para país, tendo sempre em conta as suas diferenças existenciais, claro está.

Desde as maiores conquistas sociais alguma vez já conquistadas, que não são já dos nossos tempos, e que me evocam às conquistas do governo francês de Leon Blúm como a semana laboral de 40 horas e um período designado de férias – estas curiosamente não mencionadas no livro. Porém, nos países onde o tumulto tem sido cada vez maior, a resposta tem sido cada vez fraca, ineficaz. É esta a principal questão proposta por Eichengreen – como é que países que nunca, ou raramente, tiveram manifestações populistas possam estar agora em perigo?

A verdade é que importa não ignorar o papel chave que a Economia tem para uma sociedade. Especialmente numa sociedade que é puramente movida pelo dinheiro, a quantidade obtida pelos cidadã(o)s impactando directamente o seu nível de vida. Se a Economia passa por um período de dificuldade e não-crescimento, ou se os ganhos não são igualmente partilhados, qual o interesse de ter uma sociedade baseada na simplista (não simples) ideia de somente gerar dinheiro? O que importa se Obama aumentou o PIB americano a um ritmo de 15% em 7 anos se Roosevelt aumentou 11% em apenas 1 ano, enquanto dividindo o bolo por toda a sociedade? É que no caso do primeiro ele funciona como motivação extra para a insatisfação do povo. E esta raiva (angst) foi posta em prática pelas políticas de Despoliticização (Peter Burnham – Politics of Depoliticisation) despoletadas pelo Neoliberalismo.

É que nos casos em que a economia funciona de forma deficiente ou vagarosa e se os períodos de não-crescimento se prolongam por demasiado tempo (a crise financeira foi em 2008 e maior parte da economia mundial, mas sobretudo Europeia, não cresce ainda consoante níveis pré-crise, ou se o faz, a riqueza social das sociedades não aumentou ao mesmo ritmo) pode haver problemas. Não nos esqueçamos do pós 1ª Guerra Mundial na Alemanha, porque se a Economia entretanto não crescer, vamos começar (novamente) a apontar o dedo ao “outro”, nomeadamente os que estão numa posição mais frágil – na Europa por exemplo, os refugiados.

Porque quando a economia cresceu de uma forma equitativa, ao nível mundial entre 1945-1975, o apoio dado a candidatos políticos dos “extremos” foi o menor registado no último século. Lembram-se das estatísticas de relevo que mencionei em cima? Ora.

Nem mesmo a “supra-democrática” União Europeia (UE) é capaz de produzir pensamento alternativo – programas sociais diferentes como forma de travar a nova interacção das pessoas com os novos líderes populistas. Sobretudo, de acordo com a sua estrutura, nem uma democracia sequer se pode dizer que seja, sendo altamente tecnocrática, sempre tendo “estrangeiros” como líderes não tendo nenhum europeu votado neles, como explica o autor eloquentemente num capítulo dedicado à construção política verificada no nosso continente – Au Revoir Europe?. A resposta europeia ao  pós-2.ª Guerra Mundial – a UE, à época CEE – funciona agora apenas como mais uma fonte de motivação para aqueles que na Hungria, Polónia, Áustria e Holanda apoiam os populismos (e infelizmente nenhum destes países é endereçado pelo historiador-economista) e os seus novos populistas.

O único domínio onde sentimos que há um envolvimento social de facto é o mundo tecnológico. Um mundo sempre utilizado pelos acima-mencionados visionários, seja o rádio nos EUA no virar do século, o jornal para propaganda e em último lugar, as redes sociais para decidir eleições. Somos deixados a uma tecnologia que pensamos pertencer a nós, embora tenha historicamente estado do lado da agenda populista, sendo que agora até possibilita vencer umas eleições sem sequer levando o candidato a debate – o elemento sine qua non de qualquer Democracia, ou assim pensaríamos nós. (cf. Bolsonaro)

Se os líderes mundiais não se convencerem que a economia precisa de florescer de forma a assegurar estabilidade social, e depois disso, a sua população, através de medidas de real crescimento com impacto social, então haverá alguém que surgirá com alegações simplistas e muitas das vezes, alegações falsas de forma a obterem o apoio popular.

Uma vez mais a história providencia-nos com um ou dois exemplos do que pode significar tal apoio, e o autor não nos deixa esquecer. E mais importante ainda, Eichengreen deixa-nos também algumas projeções, bem como com um pensamento que nos deverá apelar à reflexão: “The failure of twenty-first century politicians, to make this connection is either a failure of courage, to the extent they are intimidated by hardcore ideological opponents of government action, or a simple failure of logic.” (p. 152)

Quando é que os políticos começaram a dizer não às suas sociedades? Ou se calhar refraseio: quando é a lógica deixou de estar presente na política?

*as Enclosures foram uma medida Real de abolição da propriedade comum, prática em maior parte das possessões agrícolas nacionais, à época regidas por nobres ou clérigos; depois da “privatização” dos terrenos explorados por agricultores e suas famílias, muitos destes ficaram desempregados, tendo este processo desencadeado o primeiro e um dos maiores “proletariados” conhecidos no Ocidente. Ao mesmo processo é atribuído o desencadear do fenómeno que viria a destronar o Absolutismo em termos políticos e o Feudalismo em termos económicos – o Capitalismo (para mais, cf. Brenner Debate ou Origin of Capitalism – Ellen Meiksins Wood)

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