Os Tindersticks amoleceram os portuenses
Os Tindersticks regressaram ao Porto no dia 22 de fevereiro, no final de um périplo por cinco cidades portuguesas. Faro, Lisboa, Leiria e Coimbra foram as cidades que acolheram a banda inglesa, naquela que foi a sua primeira presença em Portugal desde o ano de 2016, em que atuaram em Vilar de Mouros, para além de concertos em Lisboa, Porto e Vila do Conde. Stuart Staples, o vocalista e a alma deste grupo, trouxe o teclista David Boulter e o guitarrista Neil Fraser do seu alinhamento original, para além de lhe juntar o baixista Dan McKinna e o baterista Earl Harvin Jr. São dois membros que, apesar de não fazerem parte do grupo inicial, já colaboram com Staples e companhia há mais de 10 anos, pelo que estão longe de ser estranhos.
O grande foco desta tournée era a apresentação do seu novo disco, o 11.º da sua conta, No Treasure But Hope, um álbum mais reflexivo e mais revelador de uma substância que se vem esquecendo perante o ruído do qual a música também é fértil. O concerto foi, assim, um desenrolar de preciosidades musicais, sem grandes oscilações em termos de setlist em relação aos demais feitos nos outros pontos do país. Aquilo que foi mais diferente foi, nomeadamente, o alinhamento. Depois da recém-lançada “A Street Walker’s Carol”, Staples e companhia mostraram todos os melhores momentos do seu novo disco. “The Amputees”, “Pinky in the Daylight”, “Carousel” e “For The Beauty” — uma bonita forma de fechar o concerto antes do habitual encore — juntaram-se a “See My Girls”, “Tough Love” e “Trees Fall” naquelas que se destacaram nesta performance. Todo o álbum foi, assim, devidamente percorrido, tendo até o engenho de fechar o próprio concerto em “Take Care in Your Dreams” (como Staples disse, “a song to send us home”).
Porém, para se poder contemplar e apreciar devidamente este concerto dos Tindersticks, foi preciso um estado de espírito muito próprio. Nem muito eufórico nem muito abúlico, é necessário um equilíbrio de forças e de emoções para que se possa estar presente e que se possa desfrutar do engenho musical. Todos os artistas cumpriram devidamente a sua missão de transmitir aquela harmonia prolongada e algo envenenada, com a acidez lírica de Staples, sempre em busca da sua redenção, fazendo ouvir a sua voz embargada e bem vivida, a exigir esse ritmo. Não é fácil, para quem vem de fora, entrar num concerto dos Tindersticks e deixar-se contagiar pela sua música e pela sua presença, como em muitos outros que acontece. Requer-se aquele espírito de sintonia e de confiança entre quem ouve e quem atua. Nesse aspeto, a Casa da Música mostrou estar à altura, estando repleta de um público que mostrava conhecer os caminhos pelos quais se deixava ir, vibrando com o poderio vocal de Staples e com a firmeza um tanto ou quanto emotiva dos seus companheiros musicais.
Foi essa mesma sintonia que fez com que o público saltasse da cadeira quando se ouviu “Her”, do primeiríssimo álbum dos Tindersticks, lançado em 1993 com o nome da própria banda. Foi a mesma que recebeu “Willow”, o single que acolheu o ator Robert Pattinson no seu videoclipe. Também na cover ao músico de folk norte-americano Bob Lind, em “Black Night”. Até a que abriu, “Running Wild”, que trouxe o álbum My Oblivion de volta à memória daqueles que acompanharam o seu percurso até agora.
Os Tindersticks conseguiram amolecer bem os portuenses, tranquilizando-os com a sua toada compassada pela sua melancolia cantada, entoada, quase exorcizada. Staples, que mostrava o sorriso enquanto ia interpretando, e os restantes membros foram imaculados do ponto de vista instrumental e musical, embora seja sempre preciso aquele espírito para, mais do que se ouvir, se sentir a aura dos londrinos. Pode soar a corpo estranho para os que não construíram aquela relação de empatia e de proximidade com a banda, mas o concerto era mesmo feito para ser aquela reunião de família, em que se partilham as novidades e se relembram algumas das boas memórias vividas. Foi isso que se viveu no Porto e foi isso que deu forma a que os corações se pudessem entregar, distantes das tréguas que o frio não sabia dar.