“Pedra Filosofal” e “As Evidências”. Dois livros de Jorge de Sena chegam às livrarias portuguesas
Assírio & Alvim expande coleção Obras de Jorge de Sena com a publicação de “Pedra Filosofal” e “As Evidências”.
“Pedra Filosofal“(1950) é um dos dois novos títulos de Jorge de Sena já em pré-venda e disponíveis nas livrarias a 24 de fevereiro . “Em Pedra Filosofal, assiste-se, pois, ao percurso poético-existencial de um poeta que procura lidar com as circunstâncias, encontrar a poética adequada, alcançar a liberdade e atingir a plenitude no amor. De certa maneira, dá conta assim de uma “íntima educação” do poeta, ou seja, uma poesia de formação, que se vai construindo ao longo dos poemas e das três secções que os recebem. Depois de ter perseguido a verdade até à coroa da terra , o poeta tira lições da pedra cuja posse permitirá discernir em breve “as evidências””, pode ler-se no prefácio do livro e da autoria de de Joana Meirim.
… De Passarem Aves
À memória de Sá de Miranda
Das aves passam as sombras,
um momento, no chão, perto de mim.
No tardo Verão que as trouxe e as demora,
por que beirais não sei
onde se abrigam piando
como ao passar chilreiam.
Um momento só. Rápidas voam!
E a vida em que regressam de outras terras
não é tão rápida: fiquei olhando
as sombras não, mas a memória delas,
das sombras não, mas de passarem aves.
21/6/1947
Podes ver aqui as primeiras páginas do livro.
Na mesma ocasião, é publicado Evidências (1955). Quando surgiram a Jorge de Sena estes vinte e um sonetos, “sem bem saber sequer se sonetos seriam”, o autor sentiu que formavam uma unidade tão inquebrável, que mereciam uma publicação autónoma. E é nessa força unidirecional que se pode ler este livro ou, como esclarece Silvina Rodrigues Lopes no prefácio ao texto: “O que em As Evidências de Jorge de Sena aparece como anticonformismo e revolta não o leio como um traço de personalidade, como leitura da realidade ou como uma manifestação direta de conceções sociais e políticas. É evidente que tudo isso lá está, mas o salto para fora é que faz acontecer o poema e, com este, uma individuação não figurável.”, pode ler-se.
XXI.
Cendrada luz enegrecendo o dia,
tão pálida nos longes dos telhados!
Para escrever mal vejo, e todavia
a dor libérrima que a mão me guia
essa me vê, conforta meus cuidados.
Ao fim terrível que me espera extenso,
nenhum conforto poderei pedir.
Da liberdade o desdobrado lenço
meu rosto cobrirá. Nem sei se penso
ou pensarei quando de mim fugir.
Perdem-se as letras. Noite, meu amor,
ó minha vida, eu nunca disse nada.
Por nós, por ti, por mim, falou a dor.
E a dor é evidente — libertada.
21/6/1947
Podes ver aqui as primeiras páginas do livro.
Jorge de Sena masceu em Lisboa a 2 de novembro de 1919 e morreu em Santa Bárbara, na Califórnia, a 4 de junho de 1978. Licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia do Porto, parte para o exílio no Brasil em 1959 e aí doutora-se em Letras e torna-se regente das cadeiras de Teoria da Literatura e de Literatura Portuguesa. Muda-se para os EUA em 1965, lecionando na Universidade de Wisconsin e, anos depois, na Universidade da Califórnia. Poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é considerado um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século xx, autor de títulos como “Metamorfoses” (1963), “Os Grão-Capitães” (1976), “O Físico Prodigioso” (1977) e “Sinais de Fogo” (1979), este último considerado a sua obra-prima.