Poder e progresso
Não tenho por hábito de escrever crónicas, passo mais tempo a ler crónicas de outros ou a sugerir crónicas a outros. Mas como levo mais de 10 anos a gerir redes sociais e tendo eu algum mérito neste percurso, sem nunca me esquecer de quem me acompanhou nesta caminhada, sinto que tenho algo a dizer.
Começou tudo como um hobby e hoje, este meu trabalho, faz parte da profissão que tenho: fundei um órgão de comunicação social digital, que nasceu nas redes sociais. E este foi precisamente o gatilho que me fez perceber, ao longo destes anos, como o mundo foi mudando.
Hoje, sabemos que a economia do comportamento também é digital, todos temos uma pegada digital, e todos já ouvimos falar em algoritmos, há até eleições que se decidem, ou que são fortemente influenciadas, pelo que se passa nas redes sociais. E esse foi um processo de mudança a que assisti em “direto”, atrás de uma plataforma que hoje chega a milhares de pessoas em Portugal, onde até uma larga de dezenas de pessoas já escreveu ou publicou algo connosco e tendo até alguns conseguido chegar à TV, aos media tradicionais.
Lembro-me, portanto, muito bem da primeira eleição de Donald Trump e do fascínio de muitos, através das caixas de comentários, com a “persona” disruptiva e antissistema, sendo ele, a sua família e os seus negócios um sistema dentro do sistema. Hoje, há todo um legado mundial que surgiu com esta primeira eleição. Não fossem os norte-americanos (os que têm poder), por excelência, os donos das histórias (de ficção ou não) que movem o Ocidente. Hollywood, plataformas de streaming, os grandes grupos de media, as centenas de agências de publicidade que têm no seu território (e fora dele) e, claro, as redes sociais que criaram e que gerem e recolhem os nossos dados. Informação e dados são formas de poder, estejam eles na mão de Estados, partidos políticos ou empresários.
E é precisamente aqui que entra Elon Musk ao comprar o Twitter. A ideia não foi defender a liberdade de expressão, mas é um belo slogan de campanha. A ideia foi ir mais fundo do que foi Mark Zuckerberg no caso do escândalo da Cambridge Analytica. Passou-se de, digamos assim, passivo (Mark Zuckerberg) a ativo (Elon Musk), a desregulação do Twitter passou a ser um exercício diário que o próprio dono executa com alegria e com as próprias mãos. Portanto, um deixou acontecer o outro faz acontecer.
O que “vemos hoje não é um progresso inexorável a caminho do bem comum, mas sim uma influente visão partilhada entre os mais poderosos líderes tecnológicos. Essa visão centra-se na automatização, na vigilância e na recolha maciça de dados, que mina a prosperidade partilhada e enfraquece as democracias. Ao mesmo tempo, isso amplia a fortuna e o poder dessa pequena elite, à custa das pessoas comuns.”, escrevem Daron Acemoglu e Simon Johnson (dois dos três Nobel da Economia de 2024) em “Poder e Progresso” (ed. Temas e Debates).
“Estes oligarcas modernos fascinam os guardiões influentes da opinião pública: jornalistas, outros líderes empresariais, políticos, académicos e todos os tipos de intelectuais. A oligarquia da visão está sempre à mesa e está sempre ao microfone quando se apregoam argumentos importantes.”, referem os mesmos economistas no mesmo livro. E eu acrescento (não sendo eu ninguém, comparado com os Nobel): a oligarquia está sempre com o telemóvel ou computador nas mãos e consegue influenciar as pessoas comuns, o eleitor do maior ao menor Estado norte-americanos. As redes sociais são o café da esquina ou a praça onde todos, se quisessem, se encontravam mas aqui todos podem comunicar, sejam intelectuais ou não intelectuais, jovens ou não jovens, endinheirados ou não endinheirados. Portanto, caberia também ao eleitor comum, à pessoa comum, influenciar e fascinar o outro numa lógica de bem comum.
Existem efetivamente problemas sociais e económicos para resolver, não há grande surpresa nisto, infelizmente, e ficamos a saber hoje de forma clara, através da origem do voto que elegeu Trump que é um pouco transversal a todos. O que os une, aos eleitores, é o facto de quase todos serem ou terem sido trabalhadores. E o que une Donald Trump e Elon Musk é o facto dos dois saberem (e nós também) a força que a desunião e o caos provocam e o dinheiro que isso pode gerar quando se tem poder.