Porque importa o Dia da Mulher?
Este ano não é diferente dos anteriores. Na verdade, enquanto comemoramos com a garrafa de champanhe e nos afundamos em promessas e desejos de ano novo, não temos a percepção de que, raramente, algo irá mudar. Não só ao nível pessoal, como ao nível da sociedade, estando, esta última sujeita, evidentemente, a um processo de mudança bem mais demorado. E se o fim do ano costuma ser a altura em que somos atacados com números, estatísticas e, consequentemente, com um sentido de consciência superior ao resto do ano, destacando-se as problemáticas que, sem ser em picos, passam despercebidas nos meses anteriores, o início de 2019 parece estar a inverter esta ordem. Um pouco de atenção à realidade nacional e, facilmente, se percebe como os acontecimentos recentes têm servido para desenterrar e tornar visíveis assuntos quase esquecidos, desde o racismo à violência doméstica.
Por ser Dia da Mulher, é desta última que quero falar.
Por ser Dia da Mulher, não é de mais lembrar que, no terceiro mês do ano, o nosso país soma já treze vítimas deste crime, das de nome conhecido Lúcia Rodrigues, Maria Eufrázia, Luzia Rosado, Vera Silva, Fernanda, Marina Fernandes, Helena Cabrita, Ana Maria Silva e Ana Paula Comanda. Em 2019, quando somos já tão inteligentes para construirmos máquinas que nos substituam, continua a fazer sentido existir um dia de luto nacional por estas mulheres.
Por ser Dia da Mulher, é importante não esquecer os direitos que foram, pela sua luta, conquistados, entre eles, o voto, a educação, a propriedade, o trabalho, o aborto, a liberdade de escolhermos com quem queremos e não queremos estar ou a liberdade de fazermos o que bem nos entender com o nosso corpo. Uma luta passada que continua a ser a luta dos nossos dias: reinventada, reestruturada, com novos contratempos e desafios, mas a mesma. A luta de todas as mulheres, que querem poder sair à rua de saia sem serem vítimas de olhares e comentários, que querem ganhar o mesmo que ganha um homem, que querem ter o mesmo tempo para elas que um homem tem, que querem não ser associadas a roupa e maquilhagem, que querem não ser alvo de misoginia no seu local de trabalho, na sua sala de aula, na sua própria casa. E, também, a luta de todos os homens, que dividem as tarefas com a mulher, que se recusam a não reagir a casos de violência doméstica, que educam os filhos no sentido de eles viverem numa sociedade diferente da actual, que estão ao lado das mulheres nas manifestações, nos debates e nos combates.
Por ser Dia da Mulher, devemos lembrar que a igualdade de género não é uma luta de ideologias nem de movimentos radicais. Não é uma luta inventada pelas utópicas ou pelas exageradas. Não é uma questão de grau. É uma luta real, que, aliás, só o é porque, no passado, alguém ousou arriscar a sua vida em nome de todas nós. Para que fôssemos livres. Recusar essa luta é desrespeitar quem a fez no passado.
Por ser Dia da Mulher, importa não esquecer que Portugal continua a ser um dos países com uma das maiores diferenças salariais entre homens e mulheres, que continua a ser mais fácil arranjar trabalho sendo homem, que as mulheres continuam a realizar a maior parte das tarefas domésticas. Que continua a ser importante não calar nem consentir.
Por ser Dia da Mulher, temos a responsabilidade de sair à rua, de protestar, de honrar a memória de quem o fez para que, hoje, o pudéssemos também fazer. Temos a responsabilidade de demonstrar a Joana Bento que a ‘mulher dita feminista’ não é ‘a que integra as tribos’ nem ‘a que se deslumbra com as capas de revistas’, é a que, ao contrário dela, percebeu o século em que vive e os direitos pelos quais continua a erguer a sua voz. É aquela que reclama mais do que um workshop de maquilhagem para o seu dia. É aquela que afirma o que é seu por direito.