Programadores culturais criam manifesto pela “excepção” da cultura durante o Estado de Emergência
Espetáculos ao sábado até às 22h30 e deslocações entre concelhos para assistir a atividades culturais são as principais propostas.
Programadores culturais de várias zonas do país juntam-se para criar o “Manifesto pela exceção da cultura”, com propostas para que as autoridades competentes revertam algumas das medidas direcionadas a esta área, em vigor no atual Estado de Emergência. A realização de espetáculos ao sábado até às 22h30 e a deslocação de público entre concelhos com o objetivo exclusivo de assistir a programas culturais são as principais propostas de alteração mencionadas.
Segundo o manifesto, “as sucessivas alterações às regras para apresentação de espetáculos no atual Estado de Emergência, não só reduziram em demasia os horários possíveis para a atividade como, ao introduzir um grau permanente de imprevisibilidade, afetaram a comunicação entre equipamentos culturais e espectadores, algo extremamente necessário para assegurar fluxos de público razoáveis”.
Entre outros pontos, os programadores referem ainda que, com as alterações sugeridas, não se pretende “reivindicar irresponsavelmente um privilégio para a cultura, mas propor que, dentro das exceções possíveis e necessárias nestes tempos difíceis, a cultura seja considerada uma delas”.
João Garcia Miguel, João Aidos, Rui Revez, Gil Silva, Álvaro Santos, Luís Portugal, Paulo Pires, José Pires, José Pina, Paulo Brandão, Carlos Mota, João Cristiano Cunha, Joaquim Ribeiro, Luís Garcia, Tiago Matias, Nuno Soares, Victor Afonso, Rui Ângelo Araújo, Margarida Terrolas e José Licínio são responsáveis pelo documento que tem como objetivo chegar às autoridades competentes.
Manifesto completo disponível aqui:
Manifesto pela “excepção” da cultura
Nos mais difíceis momentos da História, a humanidade teimou em fazer e usufruir teatro, música e dança; perseverou em manter viva uma relação fértil e imprescindível com a arte e o seu potencial catártico e transformador, elementos fundamentais da polis e da civilização.
Desde o primeiro momento no actual contexto de pandemia, as pessoas e entidades que criam, produzem ou apresentam cultura prosseguiram essa tradição de perseverar e muitas vezes reinventaram-se para assegurar a continuidade da vocação humana para criar e fruir o que é criado. O próprio público das artes adoptou uma postura que concilia a ânsia cultural com a necessidade de segurança colectiva.
Contudo, todas as metamorfoses e energias que o mundo da cultura possa conceber ou aplicar serão insuficientes se a actividade artística for fatalmente condicionada ou banida.
Importa, por outro lado, enfatizar claramente aqui a importância que a cultura tem para a economia de pessoas, companhias e empresas. Por isso, num contexto em que os apoios sociais para os trabalhadores da cultura são insuficientes, a continuidade da actividade cultural desempenha um papel não só importante para a saúde intelectual e espiritual da sociedade mas também fundamental para a economia de um sector estatisticamente importante no país e para a sobrevivência de um conjunto grande de cidadãos e cidadãs que tem nas artes a sua profissão, quer enquanto artistas, quer enquanto técnicos das mais variadas áreas.
Lançou-se há poucas semanas o slogan #ACulturaÉSegura não como uma acção de marketing espúria, pouco escrupulosa ou eufemística, mas como estímulo à participação do público neste processo de apoio às artes e porque a experiência dos últimos oito meses consolidou conhecimento suficiente para constatar que, de facto, assistir a espectáculos em espaços devidamente equipados e mediante condições rigorosas de segurança é talvez a actividade social onde o risco de contágio é menor.
Contribui para esse menor risco o facto de que a apresentação de espectáculos em teatros ou espaços similares se faz historicamente de acordo com regras, práticas e uma lógica organizacional que permitem incorporar comportamentos e precauções que dificilmente são possíveis ou funcionais noutras actividades profissionais, sociais ou familiares.
De resto, a experiência destes tempos é prova viva de como os agentes culturais e o público dos espectáculos são rigorosos e exemplares no acolhimento das orientações da Direcção-Geral de Saúde. Se o uso da máscara e a distância física são as maiores defesas na propagação da Covid-19, os equipamentos culturais asseguram que essas defesas são permanentes. A probabilidade de contacto físico entre espectadores e de exposição a pessoas sem máscara é praticamente nula, tendo em conta a forma organizada como é feito o acesso, a circulação, a permanência e a saída do público nas salas.
Para que este sector possa sobreviver e continuar a desempenhar funções que são socialmente relevantes e estruturais a vários níveis, mesmo em tempo de pandemia, é necessário permitir que os espectáculos se possam continuar a fazer em condições que permitam planeamento, organização logística e comunicação eficazes.
As sucessivas alterações às regras para apresentação de espectáculos no actual Estado de Emergência não só reduziram em demasia os horários possíveis para a actividade como, ao introduzir um grau permanente de imprevisibilidade, afectaram a comunicação entre equipamentos culturais e espectadores, necessária para assegurar fluxos de público razoáveis. Isto sem que o agravamento das condicionantes traga, pelas razões já apontadas, um ganho relevante na prevenção da Covid-19.
Assim, porque acreditamos na necessidade da cultura para a vida da sociedade e para a economia das pessoas, particularmente nesta época de dificuldades, e porque estamos convictos que as condições técnicas dos equipamentos culturais e as regras em vigor para a apresentação de espectáculos diminuem fortemente o risco de contágio, apelamos a que se revertam em fases seguintes do Estado de Emergência algumas das medidas adoptadas, de forma a possibilitar
a) a realização de espectáculos ao sábado também até às 22h30;
b) a deslocação de público entre concelhos com o objectivo exclusivo de assistir a espectáculos.
Não se trata de reivindicar irresponsavelmente um privilégio para a cultura, mas de propor que, dentro das excepções possíveis e necessárias nestes tempos difíceis, a cultura seja considerada uma delas.
Pelos subscritores:
João Garcia Miguel
João Aidos
Gil Silva
Álvaro Santos
Luís Portugal
José Pires
José Pina
Paulo Brandão
Carlos Mota
João Cristiano Cunha
Joaquim Ribeiro
Luís Garcia
Rui Revez
Tiago Matias
Nuno Soares
Victor Afonso
Rui Ângelo Araújo
Paulo Pires
Margarida Terrolas
José Licínio