“Quadrophenia”: 50 anos da mítica ópera rock dos The Who
Quadrophenia é o nome do sexto álbum de estúdio dos The Who, lançado a 26 de Outubro de 1973. Trata-se de um álbum duplo de ópera rock, sendo este um dos trabalhos mais ilustres do conjunto britânico constituído pelo vocalista Roger Daltrey, o guitarrista Pete Townshend, o baixista John Entwistle e o baterista Keith Moon. Já bem conhecidos da década de 60, os The Who souberam-se impor numa década repleta de novidades, mostrando um estilo mais arrojado do rock que viria a gerar um grupo de admiradores de nicho, mas muito fiéis ao seu estilo. Tendo como grande alvo os Mod, um movimento nascido em Londres e composto por jovens com motorizadas do tipo Vespa e Lambretta este terá sido o grande impulsionador dos The Who como banda. Como tal, Quadrophenia acaba por ser um trabalho musical inspirado nesse mesmo movimento, revivido agora nos anos 70. Composta inteiramente pelo guitarrista Pete Townshend, a ópera acabaria por originar um filme homónimo em 1979, inspirado na história da personagem Jimmy que é retratada neste álbum.
Gravado pela Track Records nos estúdios Olympic e Ramport, o álbum conta a história de um jovem Mod chamado Jimmy, que se tornara fã do conjunto após um concerto de Brighton em 1964. Jimmy gosta de aventura, romance e drogas, e envolve-se em diversas peripécias, enfrentando dificuldades quando é expulso de casa dos pais. Apresenta um distúrbio psiquiátrico, uma espécie de quádrupla personalidade, cada uma alusiva aos respectivos membros da banda, o que acaba também por gerar o título Quadrophenia. A capa do álbum exibe o próprio Jimmy de costas com um casaco com o logótipo da banda, sentado numa Lambretta, e com o rosto dos quatro músicos reflectido nos espelhos. Para além de ser uma ópera rock, Quadrophenia marca também a exploração de teclas, sintetizadores e efeitos de som que haviam sido pouco explorados pelo conjunto britânico até à data. Lançado em formato duplo, e narrado na primeira pessoa, este álbum marca um degrau importante na carreira dos The Who, sendo que algumas das canções acabam por retratar a personalidade e o estilo de cada membro do quarteto.
Começando ao som da chuva e das ondas do mar, é com I Am The Sea que se dá início à história por detrás de Quadrophenia. São exibidos alguns efeitos e algumas vozes escondidas que serão apresentadas ao longo das canções ao longo deste álbum. O rock explosivo e enérgico surge rapidamente na faixa seguinte com The Real Me. A canção é alusiva à personagem Jimmy, com o título da canção a ser repetido intensivamente “Can You See The Real Me, Doctor, Doctor” no refrão. A canção retrata mais uma visita de Jimmy ao seu médico psiquiatra, dada a sua “quartúpla-personalidade” o tal distúrbio associado a cada uma das personalidades dos membros dos The Who.
Segue-se a faixa que dá o título ao álbum, Quadrophenia, um instrumental composto por quatro partes distintas, partindo de um rock já bem conhecido dos The Who, elevando-se para duas partes sinfónicas e regressando, por fim, a um resisto semelhante ao inicial embora num tom mais dramático. No fundo, trata-se de uma alternância entre diferentes melodias que vão ser apresentadas nas faixas seguintes e que são alusivas às quatro personalidades abordadas neste álbum. Cut My Hair apresenta-se em tom de balada, com a voz de Pete Townshend a ser acompanhada pelo piano, até se elevar para o registo do rock com a voz de Roger Daltrey a emergir, partindo para um registo sinfónico realçado pelos instrumentos de sopro e terminando com vozes provenientes de um programa de televisão. A canção retrata a partida de Jimmy novamente para uma aventura pela estrada, guiando a sua mota.
The Punk and the Godfather, que na versão americana tem o título The Punk Meets the Godfather, trata-se de uma canção bem ao estilo dos The Who onde os instrumentos e a voz de Roger Daltrey e Pete Townshend sobressaem. Em I’m the One a guitarra acústica sobressai, com os restantes instrumentos em acção, apresentando uma letra que acaba por abordar a solidão e a frustração sentida por Jimmy ao longo do seu percurso. O trabalho duro e indigno a que Jimmy se sujeita para se conseguir sustentar, surge com The Dirty Jobs, uma melodia sinfónica, interpretada pela voz de Roger Daltrey. Segue-se Helpless Dancer, canção alusiva ao vocalista Roger Daltrey que retrata alguém que, apesar de ter uma postura rígida, acaba por ser também um dançarino imperfeito, como o título da canção indica. Havendo um domínio das teclas e da guitarra acústica, a faixa termina com os versos da canção The Kids Are Alright do álbum de estreia My Generation de 1965.
Is It In My Head? traz novamente o registo sinfónico, dando corpo à ópera apresentada em Quadrophenia, contando com a voz de John Entwistle a dar apoio à de Roger Daltrey no refrão. I Have Enough trata-se de uma canção interpretada a meias entre Roger Daltrey e Pete Townshend, cuja letra acaba por ser um desabafo de Jimmy sobre as suas desilusões amorosas e os azares que vai tendo no decorrer da história, encerrando assim o primeiro disco. É com uma enorme explosão musical precedida dos versos “Why Should I Care?”, que dão início à canção Cut My Hair, que surge 5:15, primeira canção do segundo disco de Quadrophenia. Exibida de um modo sinfónico, com um compasso acelerado e com os instrumentos do conjunto a criarem uma forte harmonia com os de sopro, tornam esta numa das canções mais emblemáticas do repertório dos The Who. O título da canção é alusivo ao número do comboio que Jimmy apanha até Brighton, após ter destruído a sua mota e ter sido expulso da casa dos pais, acabando assim por retratar a personagem bem como a viagem em si. Seguem-se ainda Sea and Sand, que dá continuação à primeira canção do álbum, remetendo para as praias da cidade de Brighton, e Drowned, cuja letra mostra o desespero de Jimmy ao querer afogar-se nas águas do mar.
Doctor Jimmy, canção sinfónica alusiva a John Entwistle, retrata um romântico em fuga, onde o verso “Is It Me For a Moment”, que surge no final de Helpless Dancer, reaparece várias vezes durante o seu decorrer. A enérgica Bell Boy alusiva a Keith Moon, que canta e divide o refrão a meias com Roger Daltrey, retrata um lunático enérgico, dando assim mais ritmo à ópera apresentada. The Rock, penúltima canção do álbum acaba por se assemelhar à faixa Quadrophenia, embora com uma maior intensidade instrumental, conseguindo resumir aquela que terá sido a aventura de Jimmy retratada. O álbum termina com a canção alusiva a Pete Townshend, Love, Reign o’er Me, um verso já dado a conhecer anteriormente com a canção I Have Enough. Exibida num registo dramático, esta acaba por ser uma redenção de Jimmy ao som da chuva que encerra aquela que viria a ser a mítica ópera rock dos The Who, com um solo de bateria incansável de Keith Moon.
Quadrophenia veio impulsionar o rock dos The Who nos anos 70, após o grande sucesso na década anterior. Mais do que uma ópera rock, o álbum acaba por abordar temas na sociedade britânica, sensíveis para alguns, e que se mantêm bastante actuais, revivendo o espírito e o estilo dos Mod que, muito mais do que um bando de jovens de motorizada, era também um movimento social. A história retratada no álbum originou um filme em 1979, que seria a estreia do realizador Franc Roddam, contando com o actor Phil Daniels a interpretar a Jimmy e o músico Sting a interpretar Ace Face, um Mod que é um ídolo para Jimmy mas que mais tarde o próprio vem a descobrir que é apenas um bell boy que trabalha num hotel em Brighton. Existe ainda um álbum alusivo ao filme que conta com algumas das canções apresentadas neste álbum, bem como algumas adicionais e de outros interpretes incluídos na soundtrack.
Depois de álbuns de enorme sucesso como Who’s Next lançado em 1971, My Generation que fez furor nos anos 60, e ainda Tommy em 1969, que viria a ser considerado como o álbum pioneiro da ópera rock, Quadrophenia conseguiu elevar ainda mais alto o rock dos The Who que prometia ter ainda muito para dar. As tours do álbum eram sempre acompanhadas com orquestra, promovendo um espetáculo único, mantendo o estilo de ópera rock à qual fora sempre associado, sendo possível sentir assim a história de Jimmy e o espírito dos Mod. Quadrophenia acaba mesmo por ser isso. Um álbum sinfónico que conta a história de um fã louco chamado Jimmy e que, como qualquer Mod da época, se apaixonara pela música do quarteto londrino numa actuação em Brighton. E que faz também com que muitos se continuem a apaixonar ainda hoje, e nos anos que ainda hão de vir, pelo rock inspirador que os The Who conseguiram criar.