Quarentena. 5G(ramas) de ignorância
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Há dias em que parece que isto vai correr bem, dias em que acredito em nós, no caminho que estamos a abrir ao mesmo tempo que o percorremos, dias em que sinto que estamos todos a trabalhar para um mundo melhor e mais evoluído. Depois há outros dias, como o de hoje, em que encontro grupos com milhares de seguidores como o “Stop 5G em Portugal” e a esperança e o optimismo desaparecem mais rápido do que o camarão num buffet de casamento.
É inacreditável a ignorância, loucura e desinformação que paira nesse e noutros grupos análogos. Desde o corona ser provocado pelo 5G ou as vacinas terem nanobots que nos modificam o ADN, até o corona ser uma fraude só para nos tirar da rua e os governos poderem instalar câmaras e cenas para nos controlarem, passando pelo CERN ser um portal para o inferno controlado pelo deus chifrudo Cernunnos, já li de tudo. E isto é incrível, principalmente se juntarmos tudo e repararmos que estamos em 2020 e há pessoas a dizerem que a terra é plana, malta com medo de novas tecnologias e que diz que são contra natura, aprovisionamento de comida, tensões entre nações europeias, pessoal que não sabe escrever sem ser por desenhos e uma pandemia. Isto não é o séc. XXI, isto é a Idade Média com melhor saneamento básico! Quando eu era pequeno e imaginava o futuro, via carros a voar e hoverboards, hoje vejo castelos e um senhor feudal.
Como é que chegámos a isto? É que eu entendo a ignorância em massa ser comum num tempo em que a informação não estava disponível a todos, percebo e defendo o espírito crítico e o nunca aceitar nada sem ser a frase “o Benfica é o campeão dos campeões” como verdade absoluta, sou completamente a favor da liberdade individual e do livre pensar, mas ler coisas como “no panorama de vir a ser “milagrosamente” descoberta uma vacina para o Coronavírus, tenho o direito à sua recusa perante a tentativa de obrigatoriedade do estado?” faz-me questionar tudo, de Voltaire a Darwin. Já agora, eu não sei se podes ou não recusar a vacina, pequeno gebo, mas sei que se toda a gente pensar como tu, isto que estamos a passar agora seria o mundo que teríamos sempre, cheio de máscaras, luvas, isolamento e valas comuns para atafulhar com néscios como tu.
Mas o pior é que esta gente não está só nem existe só na internet. A estupidez e ignorância existe muito para além destes grupos e nem precisa de estar assim organizada. Aliás, vimo-la bem este domingo de Páscoa em Barcelos ou em Vila Verde, terras em que os senhores priores decidiram que isto do COVID é muito giro e tal, mas Jesus já está velho demais para mudar de hábitos, portanto toca a dar a cruz a beijar a toda a gente, incluindo nos lares da terceira idade. E atenção, eu percebo que a malta não resista a beijar Cruzes, estes genes são ao mesmo tempo uma benção e uma maldição, mas levar uma estátua em que toda a gente mete as patas e os beiços para um lar no meio de uma pandemia que atinge, sobretudo, idosos faz-me tanto sentido como fazer a reunião do Conclave no meio do um beauty pageant do Toddlers & Tiaras. Até pode não acontecer nada, mas as probabilidades de acabar por entrar alguma coisa no corpo mais frágil aumentam muito.
E é por isso que já não estou muito preocupado com o corona, com a erupção do Krakatoa, com os incêndios em Chernobyl ou com o facto do Liam Gallagher já não vir este verão a Portugal. Porque em dias como hoje, qualquer catástrofe que provoque o fim do mundo me parece uma opção melhor do que partilhar ADN (com nanobots) com esta gente.
Aqui ficam as sugestões do dia:
Comédia:
Bo Burnham – what.
Música:
Stone Roses – Stone Roses
Cinema:
Karyn Kusama – Jeniffer’s Body
Literatura:
Bram Stoker – Drácula
