Que haja sempre tanto rock quanto as Pega Monstro nos quiserem dar na ‘Casa de Cima’
Maria e Júlia Reis, as ditas Pega Mostro, são a dupla lisboeta que itera que, no nosso país, para se fazer garage rock viciante e merecedor de ser ouvido, uma guitarra e uma bateria são mais que suficientes – isto, obviamente, sabendo seguir e complementar o ritmo e som de cada um dos instrumentos, criativamente desenvolver uma ideia fresca e nova, etc, etc, coisa que as irmãs Reis fazem com uma química aditiva.
Fundaram com os amigos em 2008 a editora independente Cafetra, pela qual têm lançado os seus álbuns: “O Juno-60 Nunca Teve Fita”, EP de 2011, sai como um compêndio de músicas rápidas e diretas. Seguiram-se dois LPs: um primeiro self titled, produzido por B Fachada, com quem mais recentemente fizeram um EP colaborativo; e o “Alfarroba”, no qual aprumaram essa receita de punk rock ensurdecedor e cativante, que tem vindo a caracterizar a sua música. Componente igualmente importante na solidificação da banda é a gíria que acompanha os instrumentos – espirituosa e frontal, bem à moda tuga.
“Casa de Cima”, terceiro do grupo, saiu este mês, e é, mais que um passo em frente, um passo numa direção mais ousada e diversificada. A guitarra está mais mansa, e dá espaço para que a harmonização vocal ganhe realce, assumindo um plano principal neste álbum.
O primeiro single “Partir a Louça Toda” fez uma transição smooth entre o que era e o que passou a ser, preparando-nos ainda para o que ainda estava por vir. E, apesar da mudança, não se apoquentem; a retórica tão na ponta da língua continua lá – “E tá na hora de espancar / A cabecinha dos betinhos”. “Pouca-terra”, por sua vez, alterna o batimento mais presente e contínuo do álbum com momentos de maior quietação – que caem que nem ginjas, combinados com a acidez das palavras “joão-sem-medo / és um nómada do namoro / a misantropia caía-te melhor” –, e um instante de puro raw power, que parece saído de um jam caseiro pouco estruturado (como costumam apresentar nas atuações ao vivo) que resultou na perfeição.
“Ó Miguel”, “Odemira” e “Cachupa” transparecem mais a dita mudança de abordagem, apresentando-se num registo mais pop-rock; são músicas mais cantadas – nunca soaram tão bem as melodias. “Cachupa” destaca-se especialmente neste álbum, quando, com a bateria quase que em compasso de espera, nos apresenta “O Moinho do Café”, poema de Fernando Pessoa, repetido em sucessivo crescendo, em modo de metáfora conclusiva da lamuriosa letra antecedente.
A surpresa maior surge com “Fado da Estrela D’Ouro” e “Sensação” que demonstram a faceta mais eclética da dupla. Sonoridades que não sabíamos desejar da banda, mas agora que ouvimos ficamos de boca aberta. A primeira, uma balada, apresenta ao ouvinte o lado sensível da voz de Maria Reis, que conta uma história com Lisboa como fundo – “Encontrei-te à 00h00 / na Estrela d’Ouro / fica ali na velha Graça / na Senhora do Monte” –, o que tem vindo a ser hábito por entre os cantautores da cidade; a segunda, uma confissão, a ganhar dimensão, com a passagem da percussão orquestral para a entropia distorcida, que surge como reflexo do estado de espírito nas palavras entoadas.
Alternâncias temporais e estilísticas preenchem as sete canções de “Casa de Cima”, e um lado mais emotivo da banda é-nos apresentado. Combinadas estas características com a meticulosa produção de Leonardo Bindilatti, o resultado é um álbum estelar, que põe a banda num pedestal, enquanto exemplo do rock que deve ser experimentado, feito e celebrado.