Quero um bilhete autêntico, se faz favor
Esta é uma das alturas mais entusiasmantes do ano. Já todos estamos focados no Natal, nas prendas que vamos receber e naquelas que vamos oferecer. Tiramos tempo para escolher a melhor opção para a mãe, para o avô, para a tia que nem vemos assim tantas vezes, ou para aquele primo com quem temos uma ligação fraternal. Esta é também a altura em que se começam a anunciar festivais, espetáculos, artistas com nome sonante que vêm a Portugal durante o próximo ano, ou personalidades nacionais que criam momentos incríveis em palco. Prevejo que, aliada a esta fascinante época, vai-se manter uma tendência que tem teimado em ameaçar a cultura: a contrafação de bilhetes.
O tema da contrafação de bilhetes tem uma série de ramificações. Uma simples procura no Google por “contrafação de bilhetes” e, rapidamente, surgem uma série de notícias relacionadas com burlas, bilhetes falsos, bilhetes duplicados e especulação de preços. Todas as notícias relacionadas com especulação tinham detidos associados (alguns até menores de idade), já que esta é uma ação punível com prisão e multa. Ainda que nem toda a gente o saiba. De facto, esta é uma realidade que se tem alastrado no setor cultural e de entretenimento, tendo mais expressão no que toca a festivais e espetáculos de música, mas que também inclui, por exemplo, jogos de futebol. E que está a levar os consumidores a começarem a ter receio de comprar bilhetes através de meios digitais. Isto preocupa-me particularmente. O setor cultural, que inclui não só os já falados festivais e espetáculos de música, mas também momentos de cinema, de atividades ao ar-livre, de teatro, de dança e até aqueles passados em parques temáticos, é o que permite a criação de memórias incríveis. Em família, sozinho, em casal, qualquer pessoa sabe que, quando entra no “palco” (e este “palco” tem tantos significados diferentes, como expliquei), vai entrar num mundo à parte daquele que é o real.
Os momentos de entretenimento que a cultura nos permite experienciar são um refúgio. São aqueles que nos ficam gravados na memória durante anos e anos, sobre os quais falamos sem parar e que nos permitem, durante um período de tempo, esquecer qualquer problema que possamos ter na nossa vida. Desligamos do mundo “lá fora” e ficamos imersos numa experiência. Toda a gente tem o amigo que ainda fala sobre o concerto de rock que viu em 1980, ou sobre a exposição de arte a que levou a namorada no primeiro encontro e no qual ficaram horas e horas a olhar para a mesma peça artística, atentos a todos os pormenores deixados pelo pincel, enquanto conversavam sobre trivialidades. Há também quem fale sobre o fabuloso golo de futebol de bicicleta que viu num qualquer dérbi que aconteceu há 15 anos, ou sobre aquela vez em que levou a família a uma vila de Natal que permitiu a criação de memórias fantásticas. A cultura é isto. E é por isso que fico inquieta em saber que há quem use este mercado para defraudar pessoas que procuram estes momentos inesquecíveis.
Talvez não seja de estranhar que os dados deste ano revelem que os consumidores têm evitado comprar bilhetes em segunda mão para eventos e festivais, com medo de serem enganados. Nove em dez pessoas referem que o setor dos bilhetes devia ser mais seguro, e 70% dos consumidores de cultura afirmam que não vão voltar a comprar bilhetes de revenda. Talvez porque quase metade já foi vítima de fraude e burlas quando comprou bilhetes em segunda mão.
Esta altura do ano leva-me sempre a pensar sobre este tema. Porque já antecipo que teremos um próximo ano com um número indefinido de bilhetes “aparecidos do nada”, que vão dar azo a uma corrida pouco ponderada por parte de quem procura, com afinco, uma forma de entrar nos espetáculos. Sofrem as pessoas que vão chegar à porta e não conseguirão entrar, mas sofrem sobretudo as quase 200 mil pessoas que trabalham diariamente para nos proporcionar momentos incríveis. Estamos a falar de 4% do emprego em Portugal. São produtores, artistas, técnicos, assistentes de bilheteira, entre tantos outros profissionais lesados, sempre que alguém adquire um bilhete contrafacionado.Por isso, finalizo com um apelo. Um apelo para que todos sejam responsáveis e conscientes sobre o impacto que a contrafação da cultura causa no setor e na sua sustentabilidade. Este Natal, ofereça cultura portuguesa, mas esteja atento a sinais de alerta em sites que lhe pareçam suspeitos ou demasiado bons para serem verdade. Desconfie de preços muito altos e díspares dos preços originais. E coloque debaixo da árvore um embrulho com a promessa de momentos incríveis. A cultura é um excelente presente para oferecer. No Natal e em qualquer ocasião.
Crónica de Sara Gonçalves, Chief Operations Officer da BOL – Bilheteira Online.