Quintana, o português de Havana
Alfredo Quintana Bravo, nascido em Havana, Cuba, é hoje um dos nomes maiores do desporto português. Desde 2014 que representa a seleção nacional de andebol, mas já antes jogava em Portugal, onde representava e representa o FC Porto. Desde então a sua irreverente e destacada personalidade, estende-se por todos os pavilhões e todos e todas sabem o seu nome. Num país como Portugal, onde o futebol é dono e senhor do mediatismo, não há, ainda assim, quem seja indiferente a Alfredo Quintana.
Ontem a notícia de que Quintana entrou em paragem cardiorrespiratória no início do treino do FC Porto, abalou o país e deixou de corpo hirto qualquer adepto de desporto.
Longe de clubismos, qualquer admirador do bom andebol vê em Quintana um dos melhores do mundo e para aqueles que praticam e praticaram a modalidade é uma referência. Joguei andebol praticamente a minha adolescência toda e tive o privilégio de o assistir a jogar ao vivo várias vezes. Apesar da posição onde eu jogava não ser a mesma que a de Quintana, tinha e tenho nele uma enorme admiração e respeito.
Recordo-me de quando Quintana e a seleção jogaram na minha cidade, tinha eu 14 ou 15 anos, se não me falha a memória. Jogaram no pavilhão onde eu praticava a modalidade todas semanas, onde sempre jogavam quando vinham jogar a Santo Tirso. Todos os meus colegas e eu incluído, ficamos eufóricos durante a semana que antecede a partida, por termos o privilégio de partilhar o piso com os melhores de Portugal. Íamos assistir aos seus treinos e ficávamos em êxtase para tirar fotografias ou conseguir uma recordação especial daqueles dias inesquecíveis. Mais importante que o resultado, para mim era a proximidade que aquele momento nos proporciona. O Quintana era dos que mais se destacava e lembro-me de estar à porta dos balneários do pavilhão onde eles iam jogar e timidamente cumprimentar com um “passa bem” o enorme Alfredo Quintana, que com os seus dois metros de altura nos sorria com uma ternura e simpatia que quebrava qualquer distância e apaziguava a ansiedade de estarmos perante um dos maiores jogadores da história do andebol português. Porém, o momento mais marcante que eu tive com Quintana, foi no final do jogo da seleção, Portugal vs Hungria.
Portugal tinha perdido esse jogo por um ponto e recordo a angústia dos atletas, que sabiam a importância que aquele jogo tinha. No entanto, eu estava tão feliz. Estava tão contente por poder estar ali e assistir a tudo e absorver aquele ambiente de jogo grande. Ainda hoje relembro com satisfação o cheiro da resina e de tudo o que envolvia o recinto. Tinha estado a limpar o chão do recinto e estava mais próximo que qualquer pessoa dos protagonistas. Fui ter com o Quintana logo após o apito final e este estava a fazer alongamento encostado na baliza. Não conversamos quase nada e foi tudo muito rápido, mas tive tempo de lhe dizer que ele tinha jogado muito bem e sem saber se ele me podia dar a sua camisola e de forma a prevenir um não como resposta, perguntei-lhe embaraçado se ele me dava as suas meias. O Quintana, sem falar e com um ar cansado, sentou-se no chão, descalçou as duas meias brancas da Hummel e deu-mas. Nem sei se lhe agradeci, a adrenalina era tanta que corri de felicidade. Eram meias, mas eram as meias do melhor guarda-redes que o andebol português alguma vez viu. Provavelmente se lhe tivesse pedido a camisola a história não seria tão engraçada e as meias eu podia usar e usei. Calçava as meias do Quintana por debaixo das meias da minha equipa todos os jogos. Com o tempo foram ficando rotas e velhas, todavia o que rompeu o tecido das meias não rompe a história.
Num dos momentos mais dramáticos para o andebol em Portugal, presto a minha homenagem a um dos melhores atletas e pessoas do desporto nacional. É o testemunho emocionado de um adepto do andebol e um admirador incondicional de Alfredo Quintana. Desejo agora que o português de Havana recupere rápido e vença o jogo mais importante da sua vida e, se possível, que volte a brilhar nos grandes palcos, como fez até então. Muita força, Alfredo Quintana Bravo.
Crónica de António Soares
O António é estudante universitário e adepto de andebol.