Ram Dass, um dos mentores espirituais que popularizou a espiritualidade oriental no ocidente
Ram Dass (ou Richard Alpert) foi um dos mentores espirituais e autores que ajudou a popularizar a espiritualidade oriental no ocidente, nomeadamente da geração dos baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964), abrindo as portas à sua prática e ao uso de práticas que começaram a ser recorrentes, como o yoga. Tornou-se autor de mais de dez obras, resultado de um percurso que passou por investigação académica em Harvard e que seguiu para a Índia, onde criou uma série de fundações de fins caritativos e onde começou a ganhar argumentos para palestras e para essa obra escrita. O seu fim de vida, embora atribulado, foi marcado por superação e por uma acérrima crença nos valores que aprendeu a oriente, que legitima o seu contributo oral e escrito.
Richard Alpert nasceu a 6 de abril de 1931, no estado do Massachusetts, no seio de uma família de origens judaicas. Inicialmente com uma crença ateísta, desenvolveu um percurso académico imaculado, que passou por estudos em psicologia na Tufts University (no seu estado-natal, a licenciatura), na Wesleyan University (no Connecticut, o mestrado) e na Stanford University (o doutoramento). Depois de um breve período a dar aulas, Alpert dedicar-se-ia à psicanálise e à investigação científica em Harvard, onde se especificaria nas dinâmicas da motivação humana e do desenvolvimento da sua personalidade. Alguns escritos imortalizariam estes passos iniciais da sua carreira, como, editado pela própria Stanford University, “Identification and Child Bearing” (1962). Conheceria o futuro amigo Timothy Leary, pupilo do psicólogo David McClelland, que o ajudaria nas suas futuras experiências com drogas alucinogéneas com o objetivo de, de um ponto de vista científico, avaliar os seus potenciais efeitos terapêuticos. Ficaria conhecido como o Harvard Psilocybin Project, procurando averiguar esses efeitos diretamente com humanos, com uma versão sintetizada dessa psilocibina, com a adição de componentes que se encontravam nos cogumelos aluciogéneos. Envolvido nesse processo também estava o autor Aldous Huxley, que fomentaria a experimentação com LSD e com mescalina. Leary e Alpert também experimentariam, mas acabariam despedidos durante a investigação desse mesmo processo. A esta experiência, seria dada o nome de “Good Friday Experiment”, depois de o ser feito com estudantes de teologia.
Apesar de destituídos, em 1963, fundariam a International Federation for Internal Freedom, de forma a poderem seguir com os seus estudos nessa área. Mudaram-se do Massachusetts para Nova Iorque e, lá, prosseguiram o seu trabalho, com o objetivo implícito de cultivar a divindade em cada pessoa. Para o fazer, continuaram a experimentar com LSD, mas também com sessões de meditação e de yoga na agora Castalia Foundation, baseando-se na obra “O Jogo das Contas de Vidro”, do alemão Hermann Hesse. Das experiências, a dupla faria um livro, de seu título “The Psychedelic Experience”, ao lado de outro investigador de Harvard, Ralph Metzner. Foi uma obra baseada no “Livro Tibetano dos Mortos”, na medida em que visava induzir estados de religiosidade e de misticismo naqueles que experimentavam essas drogas, procurando, de certa forma, um renascimento interior e espiritual, uma morte do ego e o nascer do eu liberto nessa jornada psicadélica.
Foi nesta fase que Alpert começou a dar as suas primeiras palestras, na League of Spiritual Discovery (LSD), ao lado de Leary, com quem as fazia de forma quase sistemática. Fomentavam, assim, o uso da droga LSD para a meditação e para o processo de introspeção e de compreensão espiritual. Em 1967, partiria, aí sim, para a Índia, onde conheceu o seu orientador espiritual, Bhagavan Das, que o encaminharia para o guru Neem Karoli Baba e para uma plena absorção do hinduísmo. Daí em diante, seria conhecido como “Ram Dass”, o servidor de Deus, referindo-se ao Lord Rama, um dos avatares (aparências materiais) de Vishnu, um dos deuses supremos desta religião. No regresso, iria para a comunidade espiritual da Lama Foundation, no estado do New Mexico. Faria amizade com o pensador islâmico Nooruddeen Durkee e ajudá-lo-ia, ao lado de mais dois colaboradores, a frutificar essa comunidade espiritual e contracultural, num movimento que ia ganhando cada vez mais proporções nos Estados Unidos.
Nesse período, Dass escreveria aquele que seria o seu livro mais conceituado, com a ajuda editorial e ilustrativa dos membros da comunidade: “Be Here Now” (1971). Trata-se de um manual, inicialmente com nuances autobiográficas, mas depois seguindo por um agrupamento de aforismos espirituais e de práticas, nomeadamente de yoga, de meditação e de pranayama (controlo de respiração no yoga), para além de acolher uma lista bibliográfica de obras a consultar e a ler. Tratar-se-ia de um livro de tal forma influente que se tornaria numa referência e quase numa “bíblia” para as comunidades inseridas naquele assomo contracultural, enquadrando a meditação e o yoga como complementos idílicos às suas causas. Os lucros obtidos com essa obra seriam revertidos na totalidade para a Lama Foundation. Apesar do sucesso, Dass focava-se mais em ensinar e no seu trabalho direto com fundações, como o projeto Prison-Ashram, que procurava encorajar presidiários a meditar e a tornar o seu tempo na prisão como se de um retiro espiritual se tratasse. De igual modo, procurou inteirar-se e envolver-se na atividade da Hanuman Foundation, com o sentido de dar a conhecer as práticas espirituais à sociedade em geral, visando o seu bem-estar; assim como ser um dos protagonistas na fundação da Seva Foundation, na prevenção e no cuidado de limitações visuais e até de cegueira, tornando-se, no futuro, numa organização de saúde internacional.
Desenvolvia. ainda, uma série de workshops, com o objetivo de fazer com que os mais idosos pudessem despertar e aceder a estados de consciência mais elevados, encontrando paz consigo mesmos. Fê-lo ao nível de iniciativas, mas também de donativos, já que, para além dos livros, aquilo que recebia das suas palestras direcionava para a Hanuman Foundation, oscilando entre os 100 mil e os 800 mil dólares anuais. Ao longo da sua vida, foi ao encontro de outras religiões, como do próprio judaísmo, retomando às suas origens familiares como algo a ser feito. Leary, de quem se havia afastado em 1974 e com quem se reencontrou em 1983, nos vinte anos do seu despedimento de Harvard, faleceria em maio de 1996, com um cancro na próstata. No ano seguinte, Dass seria vítima de um acidente vascular cerebral, que o deixou com uma afasia expressiva, limitando-lhe a produção de linguagem verbal, tanto oral, como escrita, e manual. Gradualmente, foi debelando algumas dessas limitações, algo que considerou como uma graça, e continuou a dar as suas palestras, embora em ambiente mais circunscritos e à distância, a partir de webcasts.
Ram Dass vivia, desde 2004, após ficar gravemente doente, e viveu no Havaí até à sua morte, sem deixar de escrever o seu memorial “Polishing the Mirror: How to Live from Your Spiritual Heart” (2013). A sua morte ocorreria em 2019, no dia 22 de dezembro, marcando oitenta e oito anos de vida, preparando para encarar “a música que me rodeia”. Dez anos antes de falecer, ficou a conhecer o seu filho, que, à data, tinha 53 anos de idade, após uma breve relação que Dass havia tido aos 24 anos, e a saber que já era avô. Foi uma de algumas relações que manteve, tanto com mulheres, como com homens, não o classificando como bissexualidade, mas antes como consciencialização. A imortalizá-lo, ainda subsistiriam dois filmes documentais, tanto “Dying to Know: Ram Dass & Timothy Leary” (2014, de Gay Dillingham), como “Ram Dass, Going Home” (2017, de Derek Peck).
Ram Dass foi um dos nomes que abriu as portas da espiritualidade oriental para os desafios sociais quotidianos do ocidente. Inicialmente recorrendo às drogas e aos seus efeitos alucinogéneos, Dass entregou-se aos ensinamentos do hinduísmo para clarificar a sua perspetiva de vida e as metodologias que poderia usar para atender ao outro e à sua atribulação. Desde deficiências físicas, como dificuldades psíquicas, foram visadas pelo espiritual, que procurou fazer uso da sua bagagem científica para poder consolidar a sua missão de vida. Uma missão que, despojada de excessos e de riquezas assoberbadas, olhou para os escritos e para os saberes orientais para poder fomentar um despertar mental, emocional e espiritual a todos os quadrantes da sociedade. Com o dom da palavra, oral e escrita, mas também com o gesto, Ram Dass deixou o exemplo e a pegada de uma menor estranheza e de uma maior recetividade ao alheio do Oriente.