Rappers Maze e Vinicius Terra editam juntos o livro de poesia “Fronteira Mátria”
Unidos pelo rap e pela língua portuguesa, que esconde muitas línguas dentro, o português Maze e o brasileiro Terra assinam juntos “Fronteira-Mátria”, livro a ser apresentado em Outubro no Festival Literário Internacional de Óbidos e, mais tarde, no Brasil em datas a anunciar.
André V. Neves (Maze) e Vinicius Terra (Terra) (ler entrevista) conheceram-se há mais de dez anos numa vinda do segundo a Portugal para dar alguns concertos. Depois disso, Maze foi ao Brasil participar no festival Terra do Rap, que tem curadoria de Vinicius, e foram mantendo o contacto, digital e pessoalmente, criando uma relação que mais do que de trabalho passou a ser de amizade. O rap (sigla para ritmo e poesia, em inglês), que ambos fazem há mais de 20 anos, juntou-os. Já a ideia de publicarem um livro em conjunto surgiu por causa de um convite da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, para um espetáculo de comemoração do Dia de Portugal em junho do ano passado.
“Durante o processo de ensaios trocámos muitas ideias, e falámos sobre a nossa vida, o nosso momento atual enquanto MC’s [Mestres de cerimónias], e sobre a nossa relação com a palavra. E acho que foi exatamente nesse momento que a ideia nasceu”, confessa Maze. Quanto à escolha do título “Fronteira-Mátria” para a apresentação do livro, Vinicius Terra justifica “queremos ressignificar o conceito de nação. Se pensarmos no masculino pátria, no conceito, ele é austero. E se fossemos mátria, se Portugal fosse uma mátria? Se o Brasil fosse uma mátria? No sentido feminino da gestação, de gerar um ser, de acalentar um ser, de fazer crescer um ser. E não uma figura clássica do paterno austero”. Os músicos e escritores acreditam que estamos no momento exato de ressignificar tudo isto, tanto em Portugal quanto no Brasil, repensando as questões de reparação histórica, fronteiras, nação, empoderamento, inclusão. “Foi esse grande desafio de transpor todos esses sentimentos contemporâneos em versos que fez nascer ‘Fronteira-Mátria’”, acrescenta.
Maze corrobora que os temas nomeados por Terra estão todos nas páginas do livro, que inclui palavras escritas há muitos anos, algumas há décadas, algumas já musicadas nos temas de ambos, outras que nascem quase de uma correspondência transatlântica, que aconteceu à medida que o livro foi ganhando vida. “Fronteira-Mátria” aflora ainda outros temas, com recortes diferentes, porque a abordagem dos dois autores à palavra é também ela completamente diferente. “Se calhar alguns são mais direcionados ao estudo da língua, dessa língua mátria que nos une, outros mais existencialistas, que vêm dessa circunstância de sermos pessoas diferentes e abordarmos a palavra de forma diferente, mas complementando-nos”, refere Maze. Apesar dessas e de outras diferenças — porque até graficamente os poemas são diferentes: os espaçamentos, o respirar, o silêncio no texto —, o livro apresenta-se coeso.
Chega finalmente o momento de materializa a estreia de uma ideia de cooperação na literatura entre o Brasil e Portugal, sobretudo na geração a que ambos pertencem e que foi tão profícua no liricismo, no trato com a palavra. “Os ‘rappers’ dos anos 1990/2000 tinham muito essa preocupação estética com a palavra, com a mensagem. E dentro dessa ideia de mensagem, muitos dos nossos contemporâneos também estão a reivindicar o seu lugar na literatura. Mas não é só uma reivindicação nossa, as feiras literárias, os simpósios e académicos, doutorandos, mestrandos procuram muito e visitam muito o nosso trabalho para criar interfaces”, recorda Terra.
O livro é assinado pelos poetas André V. Neves e Vinicius Terra, e também por MC Maze e Terra. Nas palavras do primeiro “O MC é um poeta. O poeta abrange todas as restantes nomenclaturas que se possa incluir aí: o artista de ‘spoken word’, o artista de ‘slam poetry’, o MC, o ‘rapper’. Isso são tudo sucedâneos do poeta, ou versões diferentes do poeta. O poeta a posicionar-se de formas diferentes. O poeta é mais abrangente e é sempre primordial. Aqui estão os poetas, mas estão os poetas enquanto MCs também”.
As apresentações oficiais de “Fronteira-Mátria” estão marcadas para o Festival Literário Internacional de Óbidos (FOLIO), em Portugal, a 18 de Outubro e para o Brasil em datas a anunciar. É ainda possível assistir à atuação de ambos, dia 13 de Outubro no Festival Books & Movies de Alcobaça e em outros espaços que brevemente serão revelados. É possível adquirir o livro em pré-venda no site da editora Urutau.