Reportagem. Por onde andam as bandas de Barcelos? (parte I)

por Hugo Geada,    13 Junho, 2023
Reportagem. Por onde andam as bandas de Barcelos? (parte I)
DR

Foi aqui que dei um dos meus primeiros concertos”, conta-nos Marco Duarte, guitarrista barcelense, enquanto aponta para uma fonte no Largo do Apoio, em Barcelos, depois de nos ter explicado que este foi o primeiro largo da parte antiga da cidade.

Desligaram a fonte e tocámos em cima dela enquanto faziam um videomapping do edifício. Foi muito especial”, descreve o músico que, na altura, em 2016, ainda tocava nos Leviatã, com Bernardo Barbosa dos Ermo, e, entretanto, passou a acompanhar David Bruno e Bruno de Seda com a sua guitarra, um som que, segundo o próprio, foi inspirado no psicadelismo inerente a algumas bandas da cena musical de Barcelos, como os Black Bombaim.

Antigamente, tinha um amigo que costumava dizer que, em Barcelos, o pessoal fazia bandas porque não havia mais nada para fazer. Tu saías de casa, chutavas uma pedra e saía de lá uma banda.”

Explica, entre risos, Nuno Rodrigues, dos Glockenwise.

Estamos com Marco a conhecer os cantos da cidade minhota com um objetivo: medir a pulsação à cena musical de Barcelos e tentar perceber se esta continua tão fervilhante como nos tempos áureos do festival Milhões de Festa, que nos ofereceu grupos como os supracitados Black Bombaim, os Glockenwise ou os Killimanjaro, mas também os Dear Telephone, La La La Ressonance, Aspen, indignu, Gator the Alligator ou Solar Corona.

Milhões de Festa / DR

A ideia para esta reportagem, que será publicada em duas partes, surgiu depois de ter entrevistado Nuno Rodrigues, dos Glockenwise, para o Jornal i, onde o vocalista chamou a atenção para a falta de bandas que tem emergido da sua cidade natal.

Não sei se é bem ser um velho do Restelo ou não, mas diria que isso é algo que até pode ser quantificável, dado que nos últimos cinco anos não me lembro de ter aparecido nenhuma banda de Barcelos ou de me ter chegado alguma coisa que me chamasse a atenção nos últimos tempos”, disse na altura.

Esta ideia ficou a maturar na nossa cabeça durante algum tempo. Para onde foram as bandas de Barcelos? Porque é que já não surgem tantas bandas como antigamente?

E foi por isto que a Comunidade Cultura e Arte (CCA) decidiu deslocar-se até à cidade e começar a colocar algumas questões.

Naturalmente, a primeira pessoa a ser interrogada foi o nosso guia, que, simpaticamente, nos explicou a lenda do Galo de Barcelos, da Igreja do Bom Jesus da Cruz e nos conduziu até ao Escondidinho para almoçar.

Antigamente, tinha um amigo que costumava dizer que, em Barcelos, o pessoal fazia bandas porque não havia mais nada para fazer. Tu saías de casa, chutavas uma pedra e saía de lá uma banda”, começa por explica entre risos.

Não sei bem explicar porque existem menos bandas atualmente, talvez porque não existe um sítio de referência, mas é algo complicado de responder”, reflete.

A geração de Marco estava habituada a ir para o Xispes beber uns copos, comer a famosa sandes com um panado gigante e ver concertos de punk, mas também a ir para o Círculo Católico de Operários de Barcelos (CCOB), onde existia uma comunidade gigantesca de músicos, de todas as idades, que trocavam livremente ideias enquanto bebiam um café ou, então, depois dos concertos que aconteciam neste espaço

Marco Duarte / DR

O guitarrista explica que já não existem espaços de convívio semelhantes e, mais importante, de inspiração, onde os mais novos possam ficar com vontade de pegar numa guitarra e fazer a sua própria música.

As gerações vão mudando e a atual é muito diferente da minha. A música continua a ser uma cena, temos um circuito, por exemplo, de trap, e muitos miúdos que gostam e estão interessados nesse estilo musical. Se calhar é esse o novo som de Barcelos e não há mal nenhum nisso”, confessa, mas a questão de existirem menos bandas de rock é algo que não lhe sai da cabeça e algo que continua sem conseguir explicar.

Acredito que há menos bandas, mas será que podemos dizer que é algo que passou de moda? Não sei. Acho que o rock continua a ser uma cena, mas não conheço muitas bandas novas ou que se estejam a formar e a acontecer”, conta-nos.

Ao longo do presente século, Barcelos tem sido uma das Mecas do rock nacional, tendo-nos oferecido bandas e eventos que marcaram e ajudaram a definir o panorama musical português.

A que se pode atribuir, então, esta recente seca de criativos? Pode tudo ser atribuído a uma falta de espaços onde os jovens assistem e são inspirados por músicos mais experientes? Para podermos chegar a esta resposta, precisamos de viajar para trás no tempo.

Uma breve história sobre Barcelos

De forma a analisar a história do rock de Barcelos, fomos apontados para uma pessoa que foi descrita quase como um historiador da música desta cidade e alguém que viveu esta história em primeira mão.

Estamos a falar de André Simão, fundador de projetos como The Astonishing Urbana Fall — a primeira banda de Barcelos a surgir na capa da Blitz — Dear Telephone e La La La Ressonance. Atualmente, faz parte de bandas como os Sensible Soccers e está inserido nesta cena desde os anos 1990, altura em que começou a sair à noite, a conhecer músicos e a assistir a concertos.

O meu percurso musical não tem uma grande ligação com a música que se fazia em Barcelos. Existe um Conservatório de Música em Braga, com ligações à cidade, o que me permitiu estudar música e fazer o ensino formal aqui”, começou por explicar. “Quando passei por aquela fase dos 17 e 18 anos, comecei a sair e a conhecer pessoas”, referiu.   

André Simão descreve este “grupo de gajos”, com “poucas raparigas”, com muita influência do grunge e guitarras barulhentas, como “muito específicos”.

Barcelos era uma cidade provinciana, como continua a ser, onde havia muita droga, muito vício e muito excesso no qual as pessoas tentavam um certo escapismo”, explicou, referindo que, desta vontade, surgiram grupos como os Subúrbios, os Ribanceira ou os Fucklore.

André Simão / Fotografia de Carlos Lobo

Esta ideia de André Simão vai ao encontro do que nos explicou Tojo Rodrigues, membro dos Black Bombaim: “Foi por a cidade ser tão parada e industrial que incentivou tantas pessoas a criarem bandas. Os Glockenwise costumavam dizer: ‘Nesta cidade ou jogas futebol, ou te metes na droga, ou fazes uma banda’. Apesar de também haver casos em que as pessoas se metiam nas três”, referiu Tojó. 

Apesar de, numa primeira fase, a ideia de aprender a tocar guitarra elétrica parecer algo proibido, uma vez que André Simão estudava a versão clássica deste instrumento, os ritmos que ouvia nas festas “absolutamente desgraçadas” eram demasiado contagiantes e, assim, o músico acabou por ceder.

Aqui [Barcelos] não existem empregos atrativos para jovens que concluíram os estudos.”

Justifica o guitarrista Marco Duarte.

Pouco tempo depois, juntamente com outros amigos que também estudavam música clássica, formariam os The Astonishing Urbana Fall, a primeira banda de Barcelos a ter alguma expressão fora do circuito desta cidade.

Em 1996, quando tocámos no Paredes de Coura e na primeira reedição do Vilar de Mouros, isso inspirou o pessoal que estava mais ligado à música e que andava, na altura, a ouvir muito Pearl Jam. Aquilo criou um novelo que se desenrolou nos Kafka”, relatou, descrevendo aquele que considera ter sido o outro grupo de Barcelos a conseguir esta primeira onda de mediatismo, seguindo-se ainda grupos como os This Isn’t Luxury e Weird Nox.

Apesar de nenhuma destas bandas continuar no ativo, muitos dos seus músicos continuam a trabalhar para além de André Simão.

Por exemplo, Pedro Oliveira continua a ser seu colega de banda nos Dear Telephone, mas toca também nos Clã e nos Peixe-Avião; já o antigo vocalista dos Kafka, Filipe Miranda continua a fazer música.

Este grupo de rapazes criaram um novelo, muito baseado na música experimental, que se tornou na principal forma de operar. Nenhum de nós queria ser os GNR ou os Xutos e Pontapés, queríamos descobrir o nosso sítio”, confessou André Simão.

Depois desta geração, abriram-se portas a grupos como La La La Ressonance, Orathory banda de power metal sinfónico que teve a distinção de agrupar os primeiros portugueses a tocarem no festival de metal alemão Wacken — Immortalis e Green Machine, cujo vocalista é João Pimenta, atualmente nos 10 000 Russos, e que também cantava nos ALTO!.

É nesta altura que surge a editora e promotora Lovers & Lollypops, em 2005, fundada por Márcio Laranjeira e Joaquim “Fua” Durães, que ajudou a lançar muitos músicos e grupos desta cidade. No ano seguinte, estrearam o evento que colocou Barcelos na rota de muitos melómanos portugueses: o Milhões de Festa.

O evento e a editora acabaram por criar um íman que inspirou inúmeras bandas e músicos a desenvolverem os seus projetos musicais.

A primeira vez que fui ao Milhões foi em 2011. Lembro-me perfeitamente de ver Radio Moscow, Graveyard, mas também músicos como o Bob Log III, um artista que tocava sozinho, mas que meteu toda a gente a dançar às duas e meia da manhã”, recordou Marco Duarte.

O guitarrista confessou que quando era mais novo “só queria tocar no palco de Milhões de Festa”. Apesar de referir que nunca tocou no festival, este acrescenta que, desde que começou a ir ao certame, nunca mais perdeu uma edição.

Desta fase, surge uma nova geração de bandas liderada pelos Black Bombaim e Glockenwise, que culminou na existência dos Killimanjaro e muitas outras que foram ficando pelo caminho, como os Aspen.

Existe uma corda que vai ganhando alguma rigidez e alguém que vai agarrando e continuando a puxar”, ilustra André Simão.

A última banda a emergir desta cidade, a recolher atenção mediática e a pisar palcos ao longo do país foram os Gator the Alligator, cujo álbum de estreia foi lançado em 2018 e, este ano, editaram o seu terceiro disco, Laminar Flow.

Desde então, num sentimento que é partilhado pelas pessoas entrevistadas neste artigo, são poucas as bandas que descobrimos oriundas de Barcelos.

Mudam-se os tempos, e as vontades?

Os barcelenses com quem falámos acreditam que existe uma grande diferença geracional, motivada, em grande parte, pela facilidade ao acesso à informação e à internet. Mas quão diferente era a Barcelos que estas pessoas conheceram quando foram introduzidas à sua cena musical, se compararmos com o seu estado atual?

Uma das principais diferenças passa pela saída de alguns dos principais protagonistas desta cena musical para outras cidades.

Posso estar a ser injusto, porque continuam a existir eventos como o Souto Rock, que provavelmente puxam as mesmas pessoas, mas, muitos dos meus amigos, que viviam esta cena, vivem noutras cidades, o que torna a comunidade muito diferente”, refere Marco Duarte, acrescentando que, no entanto, este fenómeno “é normal”.

Aqui não existem empregos atrativos para jovens que concluíram os estudos”, justifica o guitarrista.

Entre estes “emigrados” estão, por exemplo, Nuno Rodrigues, dos Glockenwise; Zé Roberto Gomes, dos Killimanjaro e Solar Corona (atualmente, toca ainda com os The Black Wizards e Cobrafuma); e Tojo Rodrigues dos Black Bombaim, músicos que aceitaram falar com a CCA e que estão todos a morar no Porto.

Antigamente, era relativamente fácil encontrar vários espaços para dar concertos em Barcelos. Havia muitos buraquitos discretos onde estes eventos mais espontâneos podiam acontecer e onde muitas bandas e artistas se podiam apresentar sem compromisso e receio, quase como um espaço de prática”, explicou Nuno Rodrigues.

Hoje, praticamente todos os eventos que acontecem são de ordem institucional, como é o caso de eventos como Triciclo. Sinto que há falta deste tipo de espaços independentes. Neste momento, só me consigo lembrar de um sítio como o Plátano, que nem fica no centro de Barcelos, fica em Roriz”, afirma o vocalista dos Glockenwise.

Citando o livro How Music Works, escrito por David Byrne dos Talking Heads, Nuno Rodrigues cita que uma das condições necessárias para uma cena musical proliferar, é a existência de sítios onde se possa tocar regularmente para meia dúzia de pessoas, “nem que seja só para os amigos”, exemplifica.

Glockenwise / Fotografia de Renato Cruz Santos

Nós tocávamos uns para os outros e uns com os outros. Na altura, fazíamos isso a troco de nada, mas também ninguém nos cobrava nada para aquilo acontecer”, descreveu Nuno Rodrigues.

Zé Roberto ecoa este sentimento, referindo que costumavam existir “locais onde era possível dar concertos, com mais ou menos condições, mas pelo menos existiam”, enquanto Tojo Rodrigues abordou a falta que o Milhões de Festa, um festival “que servia como uma espécie de comunhão de tudo o que estava a acontecer na cidade”, faz à cidade.

Para quem continua a viver em Barcelos, para além da falta de espaços onde as bandas possam tocar, faz também falta um sítio onde músicos e artistas de todas as gerações possam conviver e trocar ideias.

Marco Duarte entrou na cena musical de Barcelos quando estava na escola secundária, um pouco influenciado pelos colegas que frequentavam estes espaços. Um dos seus locais de paragem predileto era o Xispes, sem esquecer o Círculo Católico de Operários de Barcelos (CCOB), locais onde via concertos, mas também onde socializava com outros criativos. O guitarrista que acompanha David Bruno afirma que já não existem espaços deste estilo na cidade.

Quando os fãs de música passaram do Xispes para o CCOB, depararam-se com uma comunidade gigantesca: o espaço dava para duzentas pessoas e a rua estava sempre com imensas pessoas. Caso gostasses de rock, tinhas um espaço onde podias ir todos os dias e sabias que ias encontrar músicos, mas não só malta do rock, também pessoal do hip-hop”, recordou.

Hoje, é um bocado mais difícil. Mesmo que o pessoal se junte no Al Cinoche — cujo dono, o Alcino, era o antigo dono do CCOB — é diferente, já não é uma comunidade feita quase exclusivamente de músicos”, argumenta Marco Duarte, referindo ainda que esta realidade deixou os músicos mais novos desligados de artistas que podiam servir como uma referência ou uma ajuda para as suas ambições criativas. 

As pessoas foram-se transformando e aconteceu uma série de metamorfoses, mas o princípio e a ideia continua toda lá, que é fazer música não com uma intenção comercial, mas simplesmente com vontade de fazer coisas boas. Se conseguires tocar num palco, melhor ainda

Leonel Miranda, organizador do Souto Rock.

Isso faz com que estejamos a viver uma realidade muito diferente. Os miúdos deixaram de ter um local como referência para onde podem ir, tal como eu tinha nessa idade. Eu ia para esses cafés e aprendia muitas coisas. Só queria falar com os músicos mais velhos, com pessoas como o André Simão, que eram as minhas referências. Não digo que esse tipo [singular] de pessoas não existam atualmente, contudo, sinto que não existe uma força tão forte da comunidade como existia antes”, conclui.

André Simão, que foi introduzido há mais anos na cena musical antes dos músicos acima referidos, explica que, atualmente, vivemos num mundo completamente diferente, devido à facilidade com que a informação circula graças à internet, mas também por causa do maior acesso a concertos de artistas de outras regiões e de outras nacionalidades.

 “São mundos completamente diferentes, mas tem a ver tanto com Barcelos como com o contexto global. Na altura, era quase impensável para uma banda da cidade ir tocar a outro lado. Para nós, tocar num café em Barcelos, seria o equivalente a um tipo como o Marco Duarte tocar no NOS Alive. Era um mundo mesmo pequeno e muito romântico”, descreve André Simão.

O músico barcelense descreve a experiência que era organizar autênticas excursões para ir ver bandas como os Mão Morta ou os Pop Dell’Arte; como antigamente era mais complicado lançar um álbum — uma experiência que tornava este evento mais simbólico — mas também como era complicado, nesta cidade, aceder a outros tipos diferentes de música quando comparado a pessoas que viviam no Porto ou Lisboa. Exemplificou esta realidade com uma história caricata:

Toquei no Vilar de Mouros, em 1996. Saio do palco para ser entrevistado pelo Miguel Cadete, que agora é diretor da BLITZ, e é pouco mais velho do que eu. Ele diz-nos: ‘Noto muito dos Tortoise na vossa música’, e eu digo que não conheço. Ele continua: “Dos Tool?”, não conheço, “dos God Machine?”, não conheço”, recorda entre risos.

Ele levou a mal, pensou que estava a gozar com ele. Pensou, ‘pronto, não tenho nada para perguntar a este gajo’, e foi embora chateado. Mas eu estava a responder a sério. O que nós tínhamos nessa altura eram cassetes traficadas por outros amigos. Era um mundo mesmo muito diferente, muito mais complicado, mas, como eu vivi isso como na adolescência, para mim eram coisas mágicas”, afirma André Simão, referindo que das poucas lojas de discos que existiam na cidade eram daquelas onde se podiam “comprar os trabalhos mais recentes da Madonna ou dos ABBA”, refere. 

Não parece desfasado afirmar que vivemos tempos diferentes e com pessoas diferentes no centro da cena musical de Barcelos, mas será que a realidade é assim tão diferente?

Para Leonel Miranda, organizador do Souto Rock, que já conta com 26 edições, existe algo que se mantém inalterado: a vontade de fazer música.

As pessoas foram-se transformando e aconteceu uma série de metamorfoses, mas o princípio e a ideia continua toda lá, que é fazer música não com uma intenção comercial, mas simplesmente com vontade de fazer coisas boas. Se conseguires tocar num palco, melhor ainda”, explicou o organizador do Souto Rock, acrescentando que não considera “existir diferenças assim tão grandes”.

O que existem são ciclos. Existem alturas onde parece existir um turbilhão de grupos, mas depois existe um hiato de uns três ou quatro anos. Podemos estar a viver essa fase, ainda por cima depois de uma pandemia. Mas certamente vão surgir grupos novos”, afirmou Leonel Miranda com algum otimismo, apesar de também não ter conseguido identificar mais nenhuma banda jovem da cidade, sem ser os Gator, the Alligator.

Onde estão as bandas de Barcelos?

Parece existir uma explicação para o porquê de ter existido um boom para a criação de tantas bandas nesta cidade minhota, ainda que Zé Roberto acredite que possa existir outra explicação ligada a um mito.

Barcelos só colheu o que lá se plantou, como em todo o lado. Há a história da água de Barcelos ser das mais caras do país, e por isso se bebia lá mais cerveja, o que pode ter estado relacionado com o boom de rock que lá houve”, teoriza o fundador dos Killimanjaro.

Para descobrir o porquê, então, desta estagnação, falámos com um dos últimos músicos desta linhagem, Tiago Martins, vocalista e guitarrista dos Gator, the Alligator, que começou por explicar que a sua introdução à cena musical de Barcelos foi muito “natural”.

A partir do momento em que nos começámos a dar mais com as pessoas ligadas ao mundo das artes, começámos a estar presentes em concertos ou a ir ao café e estarmos rodeados por todos os intervenientes da cena musical de Barcelos. Em sítios como o CCOB ou no Bar do Xano, sentimos que passámos a integrar a comunidade musical com grande naturalidade”, explicou à CCA o músico.

Os Gator, the Alligator foram formados em 2017 e contam com Eduardo da Floresta (guitarra e sintetizador), que, juntamente com Tiago, faziam parte dos Blonde Season, e por Filipe Ferreira (bateria) e Ricardo Tomé (baixo), que eram dos Westgrave.

 O quarteto juntou-se depois do fim dos Blonde Season. Tiago sentia uma grande necessidade de continuar a fazer música e, por isso, continuou a insistir para todos estes músicos se juntarem, era algo que parecia fazer sentido, aliás, as duas bandas até já tinham tocado juntas em concertos.

Ao fim de muito tempo lá conseguimos tocar juntos e, 40 minutos após termos começado o nosso ensaio, já tínhamos o esqueleto daquilo que viria a ser a primeira música dos Gator, the Alligator, houve um clique musical que nunca mais parou”, descreveu Tiago.

O que parece ser muito natural para Tiago é aceitar que a sua banda é a última numa linhagem de bandas icónicas para a música portuguesa a emergirem de Barcelos.

Com bandas como Gator e Solar Corona fechou-se um ciclo de bandas que estavam a surgir aqui e isso coincide com o encerramento continuo de espaços para tocar na cidade. Esta é uma realidade e algo que tão cedo não vai mudar”, afirma o vocalista.

Killimanjaro / Fotografia de Sara Sofia de Melo

Segundo Tiago, um dos principais fatores foi o encerramento do CCOB, um espaço que ajudou a lançar imensos jovens músicos com os seus primeiros concertos, mas também a inspirá-los a tocar depois de ver concertos de músicos mais conceituados.

Era um local onde era possível ver bandas com algum nome, mas, ao mesmo tempo, também era possível, quando éramos putos de 17 anos, dar os nossos primeiros concertos, mostrar-nos a Barcelos e conseguir ganhar aquela pica para este início de carreira”, exemplificou.

Mesmo que vá pouca gente e que na audiência só estejam os teus amigos da escola… naquela altura ninguém quer saber disso, queremos é curtir com os nossos amigos e, atualmente, isso já não existe”, lamenta.

O músico descreve uma cidade que agora é movida mais por concertos com uma componente institucional, como o Triciclo, ou associações, caso da Macho Alfa, que necessitam de burocracias para acontecer e espaços que nem sempre são adequados, por exemplo, para a descarga de energia que pretendem.

Temos de tocar em espaços como o Theatro Gil Vicente, que não é um sítio muito apelativo para nós enquanto banda, porque não é o nosso habitat. Não nos permite dar um concerto para pessoas em pé ou fazer aquilo que acontece nos nossos concertos, mas acabamos por ser obrigados a aceitar, como foi o caso do concerto de apresentação para o nosso novo disco, Laminar Flow”, explica.

Apesar de respeitar e elogiar o trabalho levado a cabo por estas instituições, Tiago lamenta que se percam coisas como o convívio que acontecia após o final dos espetáculos ou a frequência de concertos com bandas mais pequenas, tudo estímulos que ajudam os jovens a sentirem-se inspirados para fazer a sua própria música.

É cada vez mais raro acontecerem concertos de bandas mais diferentes, como foi o caso dos Fugly e dos Summer of Hate que aconteceu na Sede de Barcelinhos — antes era algo que acontecia quase todos os fins de semana. Perdemos esta vivência e isso não traz aquela pica aos mais jovens, não ficam com vontade de criar projetos novos porque não tem esse estímulo de ver um concerto ao fim de semana e sair lá com o pensamento: ‘podia ser eu a tocar’”, descreve, referindo que isso foi algo que fez parte do seu percurso.

Nós víamos os nossos amigos e pessoal que estava no café a tocar e pensávamos: ‘também quero fazer aquilo’. Um dia experimentámos e tivemos oportunidade de fazer música com a ajuda de muitas pessoas da cidade, que nos motivam imenso, como é o caso dos organizadores do Souto Rock, que nos convidaram para tocar mesmo quando não tínhamos discos gravados”, afirma.

O músico dos Gator, The Alligator acredita que isto é algo complicado de reverter. Atualmente, ninguém tem paciência ou recursos para abrir um espaço onde uma “cambada de miúdos” possam ir passar o fim de semana a fazer barulho (música).

Por exemplo, o Xispes era espetacular porque podíamos fazer lá concertos e estava tudo tranquilo, mas só era possível porque a Dona Flávia e o Sr. Luís, que era quem geria o café, tinham a paciência suficiente para aturar todos aqueles putos e para manter aberto este espaço durante todo o fim de semana”, diz.

Isso já não existe, ninguém vai abrir um café para estar repleto de putos que só querem ir fazer música e tocar. Essas experiências e vivências, que fazem parte da música underground de Barcelos e são as coisas mais importantes para que música nova exista. Estamos num mundo totalmente diferente e é muito mais complicado surgir algo”.

Portanto, a demanda continua. Onde estão as novas bandas de Barcelos? Esta geração terminou mesmo nos Gator, The Alligator e na nova formação dos Solar Corona?

Entre os músicos que entrevistámos, uma coisa parece ser certa. Um dos fatores que contribuiu para o menor número de bandas foi o desaparecimento de um dos principais acontecimentos que marcava a música alternativa em Portugal.

Estamos, claro, a falar do fim do Milhões de Festa.

Reportagem. Por onde andam as bandas de Barcelos? (parte II)

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