“Respect”: a biografia de Aretha Franklin, a Rainha da Soul, não chega aos calcanhares da sua voz
Três anos depois da morte de Aretha Franklin, finalmente chega o esperado — e merecido — tributo à Rainha da Soul. “Respect” esteve largos anos em produção (a própria Aretha esteve envolvida no processo) e, devido à pandemia, sofreu vários adiamentos, mas ainda vem aproveitar a onda de biopics de tempos recentes. Como esperado, acaba por não se desviar muito do molde genérico deste tipo de filmes, mas acaba por trazer algumas surpresas.
A longa duração do filme permite uma imersão prolongada na vida da cantora, mergulhando o espectador em algumas épocas distintas, ainda que superficialmente. O início do filme, que explora a infância relativamente privilegiada — pelo menos económica e socialmente — de Aretha, acaba por ser a parte mais fraca.
A forma como os eventos se desenrolam parecem servir o único propósito de criar o contexto para o desabrochar de Aretha como adulta, mas sem provocar grande emoção. São segmentos meramente expositivos em que se ouvem chavões como “não deixes de acreditar em ti” ou “a música faz parte de ti”, que, por mais que sejam verdadeiros, apresentam-se como artificiais. Nem os actores parecem especialmente convencidos.
No entanto, eis que chega Jennifer Hudson para salvar o ritmo do filme. A sua performance subtil, mas em crescendo, retrata Aretha Franklin com a calma dignidade que a caracterizava. Enquanto familiares, responsáveis de editoras e o maldito ex-marido e manager se debatiam sobre o seu rumo, preenchendo páginas do argumento do filme com egoísmos e discussões vazias, a sua principal motivação era criar a sua arte, à sua maneira.
Quando finalmente encontra a sua voz, o filme encontra o seu groove. Isso é especialmente notório na cena da gravação do seu primeiro grande hit, “I Never Loved a Man (The Way I Love You)”, em que Hudson e a banda de Muscle Shoals, Alabama, encontram aquela sinergia electrificante do aperfeiçoamento em estúdio. É gratificante e quase um privilégio assistir àquelas cenas e imaginar como poderão realmente ter ocorrido.
A escolha de focar o filme na música foi a mais acertada, dado que o mesmo brilha nos seus momentos musicais, como não poderia deixar de ser. Hudson é uma excelente intérprete e homenageia Aretha Franklin da melhor maneira possível, como já sabíamos que podia fazer. No entanto, aqui traz vida ao processo de composição, aos espectáculos ao vivo e a outros pequenos apontamentos vocais espalhados pelo filme, encarnando uma personagem difícil com uma leveza certamente complicada de alcançar.
Até ao final do filme, voltam a intrometer-se elementos dramáticos roçados de forma superficial, como o alcoolismo de Aretha ou o seu activismo, tão relevante mas aqui mencionado quase como uma nota de rodapé – como se a única coisa que pudesse trazer ao movimento fossem actuações em cerimónias de angariação de fundos. São elementos importantes da vida da artista e que, indispensavelmente, teriam de tomar parte da sua biografia, mas por vezes são abordados com mão pesada e melodrama, fazendo-nos sentir falta da música e dos momentos em que o tempo parece não importar, da melhor forma possível.
Quando saímos do filme, acabados de ouvir a própria Aretha já nos seus 70 a maravilhar-nos com uma actuação de “(You Make Me Feel Like) A Natural Woman”, sentimos que o que veio antes fica aquém daquilo que qualquer canção ou actuação da própria Rainha da Soul poderá dizer-nos. No entanto, há que aplaudir o respeito que o filme demonstra ter por ela e que nos faz admirar ainda mais a artista inesquecível que é a Aretha Franklin.