Rock in Rio: um regresso sob a batuta dos The National e Muse
O Rock in Rio Lisboa reabriu finalmente as portas do Parque da Bela Vista. E se o mote da edição deste ano é o reencontro, foi uma belíssima comemoração do regresso, de união e de reunião.
Tentando cumprir as directrizes de segurança das autoridades e da organização do RiR, dirigimo-nos a pé para o festival, percurso muitas vezes ladeado por famílias, passando por algumas paragens obrigatórias para a selfie, várias revistas de segurança e um mar de gente. Os números avançados pela organização apontam para 74 mil pessoas no primeiro dia do Rock in Rio e, julgando pelo que vimos, o número não nos parece de todo descabido. O espaço é amplo, os serviços poderão ter estado mais atarefados num e noutro momento, mas nunca sentimos qualquer constrangimento pelo elevado número de pessoas a não ser algumas filas aqui e ali para os serviços básicos e uma fila gigante para receber um sofá insuflável patrocinado.
Mas focando o que nos levou ao Rock in Rio. Durante este fim-de-semana, os variados palcos do recinto receberam dezenas de artistas, tik-tokers e comediantes. Desde as 12 horas de sábado até às duas da manhã de domingo, as saudades de um grande festival foram sendo sanadas e o mundo parecia ter voltado ao normal. O único dia em que nos foi possível estar presentes, sábado, dia 18, começou com a passagem dos Zanibar Aliens e dos Ego Kill Talent no Palco Galp, num horário mais ingrato com muitas pessoas a chegar ao recinto.
Foi no palco Rock Your Street que nos surpreendemos, pela primeira vez, com os Bambaram & Kimbu, um grupo guineense tradicional que, nas diversas actuações ao longo do dia, ia enchendo a rua de cor e de batidas. Os pequenos tesouros escondidos do Rock in Rio revezavam-se por este palco e pelo Palco Yorn, com a curadoria de Chelas É o Sítio, e que contou com Jazzy Dancers, Danny the Dawg, Chyna e Vado (ao longo do dia/noite). Muitas vezes, não temos nem tempo nem abertura para vermos o que vai sendo feito e não está nas primeiras linhas dos cartazes, mas é possível que estes dois palcos nos tenham oferecido as experiências mais interessantes. Não tivemos tempo suficiente para os explorar, mas o trabalho de casa está nas notas do telemóvel.
Foi neste sobe e desce de experiências no Parque da Bela Vista que vimos Xutos e Pontapés a abrir o Palco Mundo.
É possível que um português tenha visto Xutos e Pontapés, em média, 10 vezes. Há 44 anos que estão um pouco por toda a parte, em concertos em salas de todos os tamanhos, estádios, queimas das fitas, arraiais e festas de cidades. Toda a gente sabe uma ou outra música dos Xutos e associa-a a um momento da escola primária, da escola secundária, da faculdade. E é por isso que vê-los a tocar o Homem do Leme no Rock in Rio foi um regresso a casa. É certo que os Xutos já não nos surpreendem com temas novos, mas será mesmo necessário? A expressão em inglês para algo que se sabe de cor é “by heart” e foi bonito vermos centenas de pessoas a entoarem as músicas dos Xutos de coração. Acreditamos que o Zé Pedro, o mítico e sempre presente guitarrista desaparecido em 2017, também teria gostado.
Subimos novamente a encosta para ver o humorista angolano Gilmário Vemba no palco Super Bock Digital Stage. Num dos episódios do “Responder à Letra” da Rádio Comercial, Gilmário disse “o português gosta de fechar as vogais, nós gostamos de libertá-las”. E não sabemos se é pela abertura das vogais, mas o humor de Gilmário Vemba é extraordinariamente simples, inteligente e eficaz. É um humor solto que cativa, tocando em temas sensíveis sem os polarizar. É um humor fresco com auto-crítica, fragilidades, crítica da sociedade, anotações históricas do colonialismo. O Gilmário está por toda a parte em Portugal e é uma lufada de ar fresco. Numa conversa tida com a Mónica Vale de Gato (única mulher humorista do dia neste palco), as muitas pessoas que ali se aglomeravam não terão dado o seu tempo por perdido.
Voltámos ao Palco Mundo para assistir a Liam Gallagher. Na frente, um grupo considerável de fãs de várias nacionalidades acompanhava entusiasticamente todas as letras das canções que Liam escreveu a solo e outras tantas com os Oasis. Com manifestações de apreço por Bernardo Silva e Rúben Dias, Liam Gallagher – conhecido adepto do Manchester City – não terá deixado os seus fãs nada desamparados. Há muito que as saudades pelos Oasis abundam e a reunião dos irmãos Gallagher recai nos parâmetros do que seria considerado um milagre, mas a presença de Liam neste palco apaziguou um ou outro coração mais nostálgico. No final, Liam Gallagher cantou Wonderwall, aquele hino dos anos 90, que o público acompanhou em uníssono. Despediu-se com Cigarettes & Alcohol, também dos Oasis, com a ternura que lhe é possível demonstrar, com o capuz do casaco na cabeça e a infringir ligeiramente o horário. Esperamos que volte em breve, não sabíamos que a irreverência aparentemente carrancuda do Liam Gallagher nos fazia tanta falta.
Com o concerto de Linda Martini, a decorrer no Palco Galp Music Valley, a ser transmitido nos ecrãs do Palco Mundo (infelizmente sem som), marcámos compasso entre jantares e descanso para assistirmos ao 18.º concerto de The National em Portugal, o primeiro no Rock in Rio. A banda de Matt Berninger subiu ao palco em slow motion. E não foi um concerto de canções mais calmas, mas a banda parece ter-se apaziguado nestes dois anos de ausência. Matt Berninger, que aparentava algum cansaço, continua a ser um animal de palco, mas com menos garra do que anteriormente. “Estamos mais velhos”, comentámos. E foi por isso que o concerto dos National foi tão emotivo. Foi um andar de mão dada pelos muitos anos em que temos acompanhado a banda. Foi percebermos que passaram 15 anos desde a primeira vez que ouvimos a Slow Show em Portugal, num concerto tardio no Sudoeste, e que construímos as nossas vidas com os The National como banda-sonora. Desde a esperança dos tempos de faculdade com Mr. November, às ilusões e desilusões de Fake Empire, às indefinições e lutas da vida adulta de Bloodbuzz Ohio e o coração partido em Pink Rabbits. Muita gente de olhos humedecidos a ver a passagem do tempo de uma banda que o público português acarinha tanto como é acarinhado, mesmo que os The National não tenham tocado a About Today que estava no alinhamento. O “see you soon” de Matt Berninger dá-nos esperança de que voltem em breve.
O tempo estava instável e os Muse foram recebidos com a chuva sugerida pelas previsões meteorológicas dos nossos telefones. A primeira vez que vimos os Muse foi num Sudoeste em 2002. Na altura, e apenas com dois discos lançados, a fórmula assentava numa forte presença de palco, numa voz poderosíssima de Matt Bellamy e canções triunfantes. Passados 20 anos, a fórmula mantém-se inalterada, para gáudio dos fãs. O Parque da Bela Vista assistiu, mais uma vez, a uns Muse em total força, com direito a artifícios, cenários, músicas novas e as canções que não fazem com que ninguém desista. À quarta vez que pisaram o Palco Mundo – com a ingrata tarefa de substituir os Foo Fighters (que cancelaram a digressão devido à morte inesperada de Taylor Hawkis) – os Muse terminaram em beleza o dia no Rock in Rio com Knights of Cydonia. Pouco depois de ouvirmos “you and I must fight to survive”, o céu iluminou-se com o fogo de artifício habitual e agradecemos, mais uma vez, o reencontro.
O Rock in Rio Lisboa continua no próximo fim-de-semana. No dia 25, o Palco Mundo contará com Duran Duran, A-HA, UB40 e Bush. No mesmo dia, ao palco Galp subirá Ney Matogrosso, António Zambujo e José Cid. Destaque também para Omar Souleyman que estará no Palco Rock Your Street. No domingo, será a vez de Post Malone, Anitta, Jason Derullo e HMB subirem ao Palco Mundo, enquanto o Palco Galp terá Piruka e Mundo Segundo, entre outros. Por todo o lado, haverá mil e uma coisas para fazer, para ver, para saborear e para rir. É bom estar de volta.