#1 Herdeiros Ideológicos de Karl Marx: Rosa Luxemburgo, uma mulher, uma revolução
Este artigo surge no âmbito da série de artigos “Herdeiros ideológicos de Karl Marx”, que, principalmente no século XX, deram origem a outras teorias que tiveram como base comum o que hoje é conhecido por marxismo. O objetivo desta rubrica é elencar e homenagear a figura de Marx, no ano em que se celebram os 200 anos do seu aniversário, como também os que tentaram expandir a extensão e a compreensão do marxismo.
Imagine-se uma mulher que nasceu em 1871 na Polónia ocupada, por países vizinhos. Imagine-se que essa mulher é judia, na altura em que os judeus são perseguidos no continente onde esta mulher nasceu. Imagine-se que esta mulher sonha lutar pela liberdade e igualdade dos indivíduos, usando a política como arma. Imagine-se agora, já não uma mulher, mas uma revolução, de seu nome Rosa Luxemburgo.
Rozalia Luksenburg nasce a 5 de Março de 1871 em Zamosc, na Polónia, quinta filha de uma família judia, comerciante e culta. Desde muito cedo, o pensamento “a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa de modo diferente” orientou a vida de Rosa Luxemburgo que, ainda antes dos dezoito anos, deu início, de forma ilegal, à sua militância no movimento operário de Varsóvia. Seria esta envolvência que viria a resultar na emigração para a Suíça, por forma a escapar à perseguição política. Desde logo é possível compreender que não estamos perante uma mulher vulgar, mas já perante aquilo que viria a ser uma revolução em forma de personalidade que lutava pelos seus ideais.
Em Zurique, inicia os seus estudos de forma mais consolidada, doutorando-se em Ciências Políticas e Direito. Armada com esta bagagem, ajuda a fundar, e com apenas 22 anos, o Partido Social Democrata Polaco. De maneira a conseguir a cidadania alemã, Rosa casa com Gustav Lubeck, em 1897, e vai para Berlim, onde logo se afilia ao Partido Social-Democrata.
Na sua primeira obra publicada, que logo chamou a atenção da comunidade marxista, “Reforma ou Revolução” (1899) procura derrubar a tese do social-democrata Eduard Bernstein, que acredita na reformulação do capitalismo ao invés da sua abolição. Ora, no entender de Luxemburgo, esta formulação teórica de Bernstein coloca em causa a própria existência do movimento socialista, por ser uma “tentativa inconsciente de assegurar a predominância dos elementos pequeno-burgueses”. Para Rosa, não há reforma sem revolução, e só através dela será possível libertar o socialismo das teias do capitalismo e, assim, conduzir à liberdade das massas.
Outra das lutas, teórico-ideológicas que Rosa travou foi com Vladimir Lenine, por volta de 1904, pela forma como este concebia a ideia de partido único. Para Lenine, a libertação da classe trabalhadora só seria possível através da direção de um partido único e centralizado. Esta ideia, para Luxemburgo, seria inconcebível, retomando, aqui, as ideias de Karl Marx, que argumentou que “a emancipação da classe operária é a própria classe operária”. Para além disso, afirmou que a consciência disto só se daria pelo combate e pela ação das massas, e não pela via da política organizada. Mais do que uma legítima herdeira da herança ideológica de Karl Marx, a vida e obra de Rosa Luxemburgo são a expressão de uma mulher ímpar, tenaz e sem medo de morrer pelos seus ideais.
Opositora declarada do avanço da Primeira Grande Guerra, entrou em desacordo com o partido, juntamente com outros colegas, como Clara Zetkin e Karl Liebkbnecht, pelo apoio à concessão de créditos de guerra. Formaram assim, como protesto, em 1914, o Grupo Internacional, um grupo de oposição dentro do Partido Social-Democrata da Alemanha, que, mais tarde, se viria a designar por Liga Spartarcus, ou Liga Espartaquista, numa clara referência a uma das maiores rebeliões escravas da Roma Antiga. O simbolismo desta nomeação remete para a resistência dos oprimidos face aos seus exploradores.
Depois de já ter sido presa durante quatro meses em Varsóvia (1906), enquanto tentava colaborar na revolução russa, é detida novamente, desta vez durante um ano (1915-16), acusada de agitação antimilitarista, na Alemanha. O cárcere não é o suficiente para impedi-la de pensar e escrever, redigindo “A crise da Social-Democracia” e a “A Revolução Russa”. Para além destes manifestos, o seu tempo na prisão foi muito prolífero por via da correspondência que manteve com os amigos, amantes, camaradas de luta. Umas dessas comoventes cartas é que Rosa escreve em 1917, em vésperas de Natal e pouco antes de ser assassinada, à amiga Sonia Liebknecht, que mostram a sua força de carácter e espírito vivo:
Aqui estou eu, deitada, só, em silêncio, envolvida nestes múltiplos e negros lençóis das trevas, do tédio, da prisão invernal – e entretanto o meu coração bate de uma alegria interior incompreensível e desconhecida, como se estivesse a caminhar ao sol radioso sobre um prado florido. (…) Nestes momentos penso em vós e gostaria muito de vos transmitir esta chave mágica e alegre da vida.
Apesar de ter vivido apenas 46 anos – morreu a 15 de janeiro de 1919, em Berlim -, o legado de Rosa Luxemburgo é suficientemente forte e amplo para, ainda hoje, ser apreciado e estudado. Professora apaixonada e exímia, lecionou Economia Política e História Económica na escola do Partido Social-Democrata, em Berlim; e deixou-nos a sua magnum opus, “A Acumulação do Capital” (1913), onde analisa criticamente os volumes II e III de “O Capital”, de Marx, questionando as contradições do capitalismo.
Rosa foi ainda uma representante legítima da luta feminista, tendo sido uma mulher independente que conseguiu atuar e intervir no espaço público, questionando o patriarcado e o papel da mulher na esfera da vida privada. Uma mulher apaixonante, que leva muitos curiosos e estudiosos a interessarem-se pela pertinência da sua obra. Os fãs de cinema podem conhecer a história fascinante desta mulher no filme dirigido por Margarethe Von Trotta, “Rosa Luxemburg” (1986), protagonizado pela actriz Barbara Sukowa, que, com a sua actuação, venceu o prémio de Melhor Actriz, no Festival de Cannes.
Em tempos como os que vivemos, em que a crise do capitalismo não apresenta fim à vista, e os organismos e instituições não parecem ter soluções para criarem uma sociedade mais justa e equitativa, torna-se relevante reler as ideias marxistas de Luxemburgo. Entre estas, a importância de acabar com a distinção entre dirigentes e dirigidos, o fomentar do pensamento crítico das classes trabalhadoras e a importância de assegurar as liberdades democráticas mais básicas: direito de reunião, associação e imprensa livre. Em suma, a existência de uma humanidade onde prevaleça a justiça e a liberdade social, em que aqueles que estão na base da hierarquia social possam participar nas tomadas de decisão que lhes dizem respeito.