Rótulos que são perigosos e enganadores
Estou a ler o Homem em Busca de Sentido, de Viktor Frankl, e é impossível, por várias vertentes, não fazer um trágico paralelismo ao que estamos hoje a construir aquele que pode ser o amanhã.
Não falo apenas pelo crescimento da extrema-direita na Europa, não falo apenas por cerca de metade dos países do mundo não viverem em democracia e não falo quando pensamos na invasão da Rússia à Ucrânia… falo por um pouco de tudo isto ao mesmo tempo.
Vou a cerca de metade da primeira das duas partes do livro, e logo percebi que este não era mais um livro de Auschwitz. Não. Pode muito bem ser “o” livro sobre aquela guerra. Não vale a pena elencar os vários e excelentes livros que foram entretanto sendo escritos sobre o tema, que na sua grande maioria nem conheço a sua existência. Mas este livro, logo no princípio, nos fala dos capos. E é aqui que nos relembra do mais básico. É que não é por ser ter estado como judeu num campo de concentração que se faz parte “do lado vítima” da história, mesmo que a ela se possa pertencer. Os capos eram aqueles que, dentro das vítimas de terem ido para campos de concentração, tentavam ser os líderes de grupos de judeus, em que tinham privilégios em detrimento dos outros e que eram, com várias aspas, protegidos em relação aos restantes judeus. Ou seja, para ser mais claro, dentro do sofrimento dos judeus nos campos de concentração, havia aqueles que sofriam mais do que outros.
Vem isto a propósito dos dias de hoje porque temos visto, desde fevereiro, todos os dias, entrar nas nossas casas pelos noticiários informações de uma guerra que, quem a promoveu, não calculou bem aquilo que estava a fazer. No princípio, as pessoas deste lado da Europa perguntavam-se quanto tempo ia durar, e estávamos ainda “só” com três ou quatro dias de invasão. Putin nunca pensou que levasse mais do que duas semanas a conquistar o que queria, que, aliás, como saiu tudo tão ao lado do planeado, a dada altura e ainda com pouco mais de um mês todos se andavam a perguntar o que é que queria o regime russo com as invasões, quase como quem perguntava que pedaço de terreno queria ele para parar com isto. As consequências ainda não se faziam sentir com tanta violência nas nossas vidas, e muitos já diziam que Zelenski estava a comprar uma guerra que não ia vencer e que nos ia prejudicar a todos. Nunca, como felizmente a maioria das pessoas, fui nessa cantiga.
Mas lembro-me de, na altura, e uma das pessoas que o fez de forma mais clara foi Pedro Abrunhosa, poucos foram aqueles que nos fizeram lembrar que havia também russos que não tinham culpa nenhuma do que Putin estava a fazer e com isso fizeram sossegar, de certa forma, a onda de críticas aos russos, em alguns casos de discriminação que se foram verificando, quando Putin é que era, e continua a ser, efetivamente o alvo.
Estes dois casos aqui descritos, dos capos e dos russos como um todo, lembram-nos do básico, é que em todos os cenários há de tudo, em todos os lados.
Temos a mania de meter rótulos em tudo, e por vezes, senão sempre, cometemos erros grosseiros. Da mesma maneira que há-de haver alguns ucranianos que sejam a favor da anexação à Rússia, também há russos que são contra a invasão. E é importante não misturar as coisas. Rotular é um erro, injusto, para muitos, principalmente para aqueles que, verdadeiramente, sentem as suas convicções.
Aqui em Portugal, os casos mais quotidianos que temos é o rótulo que muitos metem aos ciganos e, mais recentemente, aos brasileiros. Vamos parar com isto?
Crónica de Pedro Perdigão.
Mestre em Políticas Públicas. Com interesse pela educação e ensino superior, desigualdades sociais (acabar com elas ou pelo menos reduzi-las), emancipação jovem, cultura e ambiente e sustentabilidade. Nortenho e cidadão do mundo.