“Sabrina”, de Nick Drnaso: a solidão deixou de ser privada
É pouco provável ficar indiferente à melancolia, solidão e angústia de “Sabrina” (Porto Editora). Nick Drnaso (n.1984) utiliza os silêncios como poucos o conseguem. Tal como a ausência de Sabrina Gallo, é o silêncio que mais se impõe. As possibilidades próprias da narrativa gráfica exponenciam a ausência de comunicação. As elipses, de desenho para desenho, fazem do silêncio o que a narrativa romanesca dificilmente conseguiria. A história de “Sabrina” tem estas características devido ao formato utilizado. Seria muito diferente – não só pelas razões óbvias- se fosse em prosa.
Uma pergunta motiva uma série de acontecimentos fulcrais na vida de vários personagens: Onde está Sabrina?
A resposta virá de forma dramática. O seu assassínio foi gravado, difundido e tornado viral na internet. A angústia abate Sandra, irmã de Sabrina, o namorado e Calvin Wrobel (ou Cal), amigo que o acolhe.
Nesta comunidade (metonímia da nossa sociedade), há espaços impenetráveis, uma repelência entre pessoas que não se deixam aproximar. Até no plano individual, a dissonância existe. As personagens não estão pacificadas com elas próprias.
Cal esforça-se por aplacar a dor do namorado de Sabrina, enquanto tenta, em vão, aproximar-se da ex-mulher e da sua filha, com quem fala ao telefone quinzenalmente. Entre mudar-se para o Estado onde ambas vivem ou aceitar um emprego militar inibidor de qualquer contacto com a família, a escolha de Cal será sintomática do primado da individualidade. Cal trabalha num cubículo e é responsável pela segurança informática no Departamento de Defesa, mas os seus conhecimentos informáticos não o impedem de receber ameaças de morte quando se sabe que alberga o namorado de Sabrina. A conspiração atinge a paranoia de quem vê em tudo uma realidade postiça. Também a irmã de Sabrina é alvo dessas ameaças. Quando lê os emails que recebe num encontro organizado para quem precisa de desabafar, ela ensaia uma tentativa de partilha. A frase da organizadora espelha, em certa medida, um desejo de Nick Drnaso com este livro: “A minha intenção foi criar um encontro em que qualquer pessoa pudesse aparecer e ter uma tribuna. Acho que passamos tempo de mais em isolamento”.
Mas não há conjugação entre individualidades. Em consequência, é formado um tecido social frágil, entregue a paranoias alimentadas por rumores e teorias da conspiração. As redes sociais são as principais difusoras de realidades alternativas, tantas vezes absurdas, mas que encontram sustento na necessidade de acreditar. É o reforço negativo de elementos que procuram noutras opiniões o reforço das suas, ou que serve de anestésico para a dor e inquietude. Argumentos falaciosos protegem essa necessidade de identificação.
“O problema com estas teorias é que elas não podem ser combatidas com a lógica. Qualquer facto que não caiba na explicação alternativa é rejeitado como mentira ou desinformação.
Qualquer recusa em falar é uma confirmação tácita. Todas as pessoas próximas da vítima são atores ou são pagas para se manterem caladas”
Esta falsa proximidade, propiciada pelos media e pelas redes sociais, sublinha o inferno individual do amigo de Cal. Como metáfora e depois de perceber que o seu amigo ouvia essas teorias pela rádio, Cal esconde o aparelho no mesmo local onde está a sua pistola. Duas armas postas longe de quem está vulnerável.
A informação constante quase em “real-time” desactualiza rapidamente os acontecimentos. O Massacre de Denver, em que crianças são mortas num infantário, distancia o assassínio de Sabrina. O testemunho do assassino antes do massacre é uma declaração extrema e violenta da necessidade de individualidade.
“(…) tenho de me exprimir de uma maneira qualquer. Se não pode ser de uma maneira positiva, vai ter de ser negativa. O que interessa é que se lembrem de mim.”
A constante necessidade de actualizações, cada vez mais bombásticas, provoca, também, cansaço. Um dos militares no trabalho de Cal afirma que não aguenta mais. Está cansado de tantas pessoas mortas.
Sabrina conjuga todas estas vertentes com brilhantismo.
A selecção para o Booker Prize é muito mais do que capricho do júri. Os limites do romance encontram-se à prova. Não mais do que no experimentalismo francês, mas, ainda assim, segue ideias mais abrangentes do formato tradicional para ficção. “Sabrina” foi considerado por “El País” como o “primeiro grande romance americano do século XXI”. Esta inclusão de novas formas no cânone foi sublinhada pela atribuição do Nobel a Svetlana Alexievich e, principalmente, a Bob Dylan. O campo está mais aberto. E, a julgar pela qualidade da obra de Nick Drnaso, ainda bem.