Salvador sobral: o intérprete de várias canções
Enquanto navegava pelo espantoso mundo das redes sociais, li um texto de opinião de Luís Osório sobre Salvador Sobral. Nesse texto, que o próprio considera ser uma carta aberta, refere que não compreende porque é que o único vencedor português da Eurovisão deixou de cantar a música Amar Pelos Dois nos seus espetáculos, para além de falar com desdém sempre que se refere ao certame. Para Luís Osório, Salvador Sobral deveria ter mais respeito pelo Festival e por todos os portugueses que vibraram com a sua vitória, fazendo um feito inédito, até porque “antes do festival ninguém o conhecia”. Por esse motivo, questiona: “Acha que as pessoas não devem ter o que querem, mas apenas o que precisam?”, criticando o facto de o cantor, regra geral, já não cantar Amar Pelos Dois nos seus espetáculos. Este texto acabou por ter eco no site da revista Blitz, que escreveu um artigo sobre a carta aberta de Luís Osório.
Luís Osório é dos poucos que utiliza o seu Facebook da forma certa. Escreve lindamente, utiliza as palavras certas nos lugares certos, produz textos de opinião sempre sustentados em factos, que obviamente se pode concordar ou discordar, mas que assentam em pensamentos devidamente fundamentados e estruturados. Normalmente, leio sempre os textos que publica na sua página pessoal, até porque utiliza de forma exemplar a língua portuguesa.
Não estaria a escrever este texto se a opinião de Luís Osório não tivesse chegado a um dos sites mais conceituados de música em Portugal, o que cria um impacto maior na opinião pública. Deste modo, gostaria de deixar também a minha opinião sobre aquilo que tem sido Salvador Sobral durante e pós-Eurovisão.
O cantor português não simpatizou com a ideia de ir ao Festival da Canção, por considerar que a música não deve ser competição, e por já ter participado num concurso televisivo, Ídolos, que não lhe deixou boas recordações. Num episódio recente do podcast Fala Com Ela, Luísa Sobral revelou que inicialmente o irmão não queria participar, mas aceitou o convite quando ouviu a música que viria a interpretar, avisando, contudo que Amar Pelos Dois não teria hipótese alguma de vencer o Festival da Canção.
Felizmente as previsões de Salvador Sobral não estavam corretas, e Portugal foi representado da melhor maneira na Eurovisão, batendo o recorde de pontos de um vencedor no certame. Contudo, ainda que todos tenhamos ficado felizes pelo sucesso alcançado, há algo que Luís Osório parece ter colocado de parte, referindo que não compreende a “razão de tanta zanga pelo momento que lhe ofereceu tudo isso”. Neste caso, eu relembro: Salvador Sobral, quando participou na Eurovisão, estava bastante debilitado de saúde, como é do conhecimento de todos. Os problemas cardíacos que tinha, que fazem com que não se saiba o dia de amanhã, assolaram a vida do cantor durante esse período. Quando foi anunciado vencedor, a primeira coisa que Salvador pensou foi como conseguiria descer e voltar a subir as escadas até ao palco para receber o prémio. Os próprios médicos questionaram se seria o certo o português viajar até à Ucrânia para participar no concurso, tendo feito Luísa Sobral os ensaios iniciais. No podcast acima referido, a irmão do cantor confessou que só agora são capazes de desfrutar daquilo que viveram em Kiev, mas apenas porque sabem que tudo acabou em bem. Na altura, sentiam-se um pouco alheados da realidade, devido às preocupações com o estado de saúde do representante português na Eurovisão 2017.
Assim, juntam-se dois fatores que fazem com que Salvador Sobral não tenha as melhores recordações daquilo que viveu em Kiev: o seu estado de saúde bastante frágil, e um mundo cheio de fogo-de-artifício onde nunca pensou estar inserido. Contudo, interpretou a canção como ninguém, e fez com que milhares de estrangeiros cantassem em português.
É verdade que Salvador Sobral deve muito à Eurovisão, é inquestionável. O próprio confessa que agora está a viver a fama positiva dessa vitória, enchendo salas por todo o mundo. Contudo, é preciso não esquecer que nos meses seguintes à sua vitória, quando aguardava pela operação para o transplante de coração, viu-se quase engolido por uma onda enorme de interesse pelo cantor, muitas vezes desrespeitando o próprio, bem como a sua situação clínica.
Já assisti a três concertos de Salvador Sobral, sendo que no último, em Ílhavo, não cantou a Amar Pelos Dois. Não senti falta dela. É um artista que interpreta belíssimas canções, todas elas com elevado grau de qualidade para quem aprecia o seu estilo de música. No estrangeiro, também enche salas, e faz sempre questão de cantar uma música na língua do país onde atua. Sempre que dá um concerto lá fora, leva a nossa língua a novos espetadores, que tal como em 2017, ficam encantados com a forma desconcertante com que Salvador Sobral interpreta cada palavra. Se a Eurovisão lhe deu sucesso, também é verdade que a vida continua, e o cantor português tem ainda muitas coisas boas para dar ao mundo da música. Será justo prendermos um cantor a apenas uma canção? Penso que não, ainda por cima quando já fez tantas boas canções. Que se disfrute apenas do talento de Salvador Sobral.