“Screamadelica”: o grito musical dos Primal Scream celebra 30 anos
Foi no dia 23 de Setembro de 1991 que os escoceses Primal Scream lançaram Screamadelica, o seu terceiro álbum de estúdio.
O conjunto formado em Glasgow pelo vocalista Bobby Gillespie, ex-baterista dos The Jesus and Mary Chain e principal rosto da banda, contava na altura com os guitarristas Andrew Innes e Robert Young, o teclista Martin Duffy, o baixista Henry Olsen e ainda com o baterista Toby Toman. O nome do grupo fora inspirado na obra de Arthur Janov, intitulada por “The Primal Scream. Primal Therapy: The Cure for Neurosis”. Neste livro, o psicólogo norte-americano descreve algumas das suas experiências sobre a terapia primal, que tem como pressuposto de que a neurose é causada pela repressão de traumas durante a infância. Já com dois álbuns de estúdio, lançados no final da década de 80, os Primal Scream tinham tido um começo algo tímido para uma banda que procurava insaciavelmente a sua afirmação musical. Contudo, o melhor ainda estava para vir, e à terceira seria de vez. Para além de ter sido o primeiro álbum de estúdio da banda na década de 90, Screamadelica deu um enorme contributo na música durante este período, sendo ainda hoje reconhecido como um dos álbuns mais ilustres de uma era sonora que incluiu muitas novidades e também o ressurgimento de géneros musicais que, aparentemente, faziam já parte do passado.
Screamadelica consegue juntar toda uma conjuntura musical que engloba os mais diversos géneros, sem se desviar da verdadeira matriz da banda. O rock alternativo dos Primal Scream com fortes nuances de dance music, soul, jazz, blues, electrónica e psicadelismo, fizeram com que este fosse um álbum inspirador e viciante nessa mesma década, influenciando tantas outras bandas e intérpretes que viriam a surgir. O conteúdo musical de Screamadelica é de tal maneira grandioso que faz todo o sentido escutá-lo por mais anos que passem, pois, a sua qualidade não desvaloriza com o tempo. A capa do álbum, que exibe um desenho de uma espécie de sol com dois grandes olhos num fundo vermelho, foi criada pelo o artista Paul Cannell da gravadora Creation Records. Ao que parece, tal pintura fora inspirada numa alucinação provocada pelo LSD quando Paul olhou para uma mancha de humidade de uma parede. Produzido sob a alçada de Andrew Weatherall e Hugo Nicolson, as primeiras gravações decorreram ainda em 1990 e fora concluído em 1991. Para além dos membros do conjunto, a banda contou com participações de outros músicos e cantores na gravação deste álbum, algo que só viria a complementar o seu sucesso. Screamadelica viria a vencer a primeira edição do Mercury Music Prize em 1992 e é frequentemente considerado como um dos melhores álbuns de música produzidos na década de 90.
É com o som ligeiro de uma guitarra acústica, seguido do som das teclas de piano e da voz de Bobby Gillespie que surge Movin’ On Up, canção que inaugura Screamadelica. O modo como é interpretada, com o acompanhamento dos coros de gospel que repetem intensivamente a frase “My light shines on”, juntamente com um solo de guitarra a meio da melodia, fizeram com que esta fosse considerada uma das mais ilustres canções da década de 90. Curiosamente, muitos só mais tarde é que a escutaram quando em 2004 a canção foi incluída numa das rádios do célebre videojogo Grand Theft Auto: San Andreas, o que proporcionou uma nova vivência de Screamadelica nas gerações mais jovens. Para além disso, Movin’ On Up é muitas vezes utilizada em anúncios e spots publicitários, dada a sua musicalidade e a sua afinidade com o público em geral, tornando-se num clássico já bem conhecido nas mais diversas gerações.
Slip Inside this House, segunda faixa do álbum, trata-se de um cover de uma canção da banda The 13th Floor Elevators, que contribuiu para a promoção do rock psicadélico durante os anos 60. Para além de ser mais curta do que a original, a canção apresenta um substracto de música eletrónica com algumas misturas de som bem presentes. Esta é também a única canção do álbum que conta com a voz de Robert Young na sua interpretação. Don’t Fight, Feel It, trata-se de uma canção típica de dance music, um estilo que também deu as suas cartas nos anos 80 e 90. Já a quarta faixa do álbum, Higher Than The Sun, canção produzida a meias com o grupo de música electrónica The Orb, inicia-se com as teclas dos sintetizadores e a voz de Bobby Gillespie em tom algo vagaroso, elevando-se no seu decorrer para um patamar musical que junta música eletrónica e psicadélica. Inner Flight, inicia-se com vocalizos que partem para uma sinfonia que engloba teclas, flautas e uma percussão ligeira a marcar compasso, relembrando um pouco o rock progressivo da década de 60.
Come Together, uma das mais ilustres canções deste álbum, abre com a voz enaltecedora de uma espécie de reverendo que proclama e incentiva a multidão presente a dançar os mais diversos estilos musicais. A canção é fortemente marcada pelos coros de gospel que cantam repetitivamente “Come together as one”, deixando-se acompanhar pelas teclas dos sintetizadores e dos sopros de metal, tornando-se assim numa das mais emblemáticas sinfonias do conjunto. Nos concertos dos Primal Scream, Come Together suscitou sempre a que houvesse um ambiente de dança contagiante que promovia uma agradável simbiose entre o público e a própria banda. A canção seguinte, Loaded, encontra-se num registo semelhante e conta com um diálogo entre Frank Maxwell e Peter Fonda do filme The Wild Angels de 1966. Neste diálogo, a certa altura Peter Fonda profere a frase “We wanna be free to do what we want to do. And we wanna get loaded”, justificando o título da canção que é marcada pela repetição das frases deste diálogo na sua execução. Os coros de gospel surgem de imediato com a frase “I don’t want to lose your love”, acabando por gerar uma agradável harmonia com os instrumentos de teclas, de cordas, percussão e sopro, tal como acontece em Come Together. Loaded acabou também por, tornar-se assim, numa das canções mais emblemáticas do conjunto.
Segue-se ainda Damaged, que se inicia em compasso de balada e com a guitarra acústica que acompanha a voz de Bobby Gillespie, contando também com um solo de guitarra de Henry Olsen. A letra recorda um amor em tempos de verão, sendo esta provavelmente a canção mais sentida do álbum. I’m Coming Down que se inicia ao som de um gongo, complementa as novidades musicais existentes em Screamadelica, sendo esta uma canção fortemente predominada pelos instrumentos de sopro. Em seguida, surge novamente Higher Than the Sun, numa versão mais longa e também conhecida como A Dub Symphony in Two Parts, desta vez com a presença do baixista Jah Wobble. Por fim, Shine like Stars encerra Screamadelica, apresentando-se com sons cintilantes simbolizando as estrelas que brilham, juntamente com um compasso característico de uma típica canção de embalar. Noutras edições comemorativas existem faixas adicionais de versões remix de algumas canções, bem como outras canções inéditas, algo que consegue dar um contributo ainda maior à perpetuidade do álbum.
Três décadas após o seu lançamento, Screamdelica é recordado como um álbum inovador e vanguardista que teve um impacto notório na música produzida durante a última década do seculo XX. Em plena segunda década do século XXI, este é um trabalho que continua a cativar ouvintes e a servir de modelo para outros intérpretes que procuram adicionar algo de novo à música que hoje conhecemos. Screamadelica, foi assim o grande grito de afirmação dos Primal Scream, que lançou definitivamente a banda para o estrelato. De momento, o conjunto está a organizar uma pequena tour de celebração dos 30 anos do seu lançamento, tal como fizeram quando o álbum celebrou 20 anos. Embora com membros e colaboradores diferentes, até porque a banda só conta com Bobby Gillespie e Andrew Innes relativamente à formação de 1991, os Primal Scream procuram assim eternizar este álbum que merece ser ouvido e recordado mesmo com o passar dos anos, pois o tempo faz com que a boa música se torne eterna. E, apesar de ser ainda cedo, podemos já afirmar que Screamadelica e os Primal Scream caminham de forma empolgada e a passos largos nesse mesmo sentido, com o fim de alcançar esse mesmo horizonte.