Seis anos de Música Portuguesa A Gostar Dela Própria
O Música Portuguesa A Gostar Dela Própria (MPAGDP) é um projecto essencialmente de pesquisa e investigação da música tradicional portuguesa. A curiosidade etnográfica aliada à curiosidade polifónica foi o motivo que fez Tiago Pereira percorrer o país do Minho ao Algarve, incluindo as ilhas, em busca de sons polifónicos e de uma “tradição que sempre foi contemporânea”. O resultado destes 6 anos de trabalho de investigação e de registo audiovisual foram mais de 2.600 vídeos, um programa de rádio na Antena 1 intitulado “O Povo Que Ainda Canta”, uma série homónima na RTP2 (Janeiro a Julho de 2015).
No final da tarde do passado sábado, Tiago Pereira esteve no Salão Nobre do Teatro da Trindade para fazer um balanço e fechar um ciclo da MPAGDP. A diversidade e qualidade das recolhas videográficas (Pé de Chumbo), dos testemunhos literários e dos registos fotográficos, eram demasiados para não serem perpetuados e organizados numa linha cronológica e geográfica. Um mapa de Portugal, com 28 distritos identificados, 1619 projectos, 2519 vídeos e 5120 instrumentos, são os dados visualizados no início do site. Ao longo da navegação, Tiago escolhia alguns vídeos que previamente apresentava e contextualizava, os músicos ou poetas, as rimas e os instrumentos, as crenças e os ritos. Entre eles, Adélia Garcia, a anciã de Caçarelhos em Vimioso (cantou com B Fachada), e sobre a qual foram realizados 30 vídeos, ou Manuel Gonçalves, de Alcáçovas, que, encostado ao cajado, conta histórias em prosa prolongando o tempo que não cansa a passar (“E porque é que o morte não morre?”). Ambos estão falecidos há relativamente pouco tempo.
Na mesa do Salão Nobre, estiveram a acompanhar Tiago Pereira Sílvio Rosado, seu companheiro dos Sampladélicos (projecto musical) e a minhota Josefina Bouças, na qualidade de representante das Cantadeiras do Vale do Neiva. Telmo, um alentejano de 26 anos, de sorriso sincero numa boa disposição contagiante, juntou-se ao trio e recitou um par de versos de memória e interpretou as “Décimas” (rima popular) através do telemóvel. O amor, “esta sociedade” da pressa e do descartável, temas que Telmo complexifica na rima enrolando-os num novelo fonético perfeito.
Josefina chamou as Cantadeiras e quem se quisesse juntar a ela, “Maria”, “O gato reméméu” e a “Roquinha de paú”, numa polifonia minhota em que grupos de 4/5 pessoas cantam a uma voz e “descantam” com outro grupo que cante a outra voz. A voz de Josefina, imponente, levantou os agudos em “Maria”, que fez sorrir Tiago Pereira que lhe pedira para “ir até ao céu”.
Finalmente, “ O Povo que ainda canta” em livro, com um grafismo e ilustração belíssimos, da editora Tradisom, e que junta 8 DVDs com muitas imagens que não foram editadas na série da RTP2. Com quatro cores de capa diferentes, este testemunho com seis anos de um trabalho de investigação conta apenas com 2.000 exemplares e não será reeditado.
Tiago Pereira e Sílvio Rosado (Sampladélicos) terminaram com uma conjugação de samplers sobrepostos nas vozes alentejanas, teares industriais, instrumentos de sopro, badalos em ovelhas, e tudo o mais da riqueza infindável da polifonia das nossas gentes e da nossa terra.
Apenas mais duas notas, Tiago Pereira desenvolveu também o conceito de A Dança Portuguesa a Gostar Dela Própria e A Cozinha Portuguesa A Gostar Dela Própria. Tiago tem convidado vários músicos portugueses a comporem as músicas de Adélia Garcia, um trabalho a ser desenvolvido no novo ciclo da Música Portuguesa A Gostar Dela Própria (MPAGDP).