‘Sex & Food’, dos Unknown Mortal Orchestra: mensagens profundas através de psych pop leve
“Isolation can put a gun in your hand”, assim começa “From the Sun” e II, o segundo álbum de Unknown Mortal Orchestra, o projecto musical de Ruban Nielson. A voz do frontman do grupo tem um tom adocicado que embala o ouvinte, camuflando-se no meio da atmosfera arranhada, lo fi e psicadélica que a sua música apresenta. As valências de Nielson como compositor denotam uma facilidade em criar riffs apelativos e harmonias com várias camadas, aliado aos seus suspiros melódicos descontraídos que cantam palavras sentimentais sobre as vivências do autor.
O melhor exemplo disso é o terceiro projecto da banda: Multi-Love é um álbum que brilha, tem uma luminosidade própria e deixa o ouvinte a dançar ao som do psicadelismo de Nielson, aperfeiçoado ao longo de dois álbuns e que à terceira tentativa se expande para lá de qualquer coisa que o músico fez antes. Discute a relação poligâmica que Nielson e a mulher tiveram com outra mulher, e da reacção de Ruban a esse episódio da sua vida. Em Sex & Food, vemos como Nielson reage ao mundo em que vivemos, a sua perspectiva em relação a alguns dos perigos da existência moderna e à atitude com que enfrentamos a vida em sociedade.
O quarto álbum de Unknown Mortal Orchestra é distinto do que o precedeu mas vai buscar inspiração aos dois álbuns anteriores da banda. “Everyone Acts Crazy Nowadays” não destoaria de Multi-Love, é quente e tem um instrumental muito sólido, uma confissão no meio de uma pista de dança num mundo obcecado com o seu fim. “Hunnybee” acolchoa o ouvinte com uma groove impossível de ignorar e um refrão que fica na cabeça logo após a primeira audição. É uma música sobre a filha de Ruban e sobre como o amor triunfa independente de tudo o resto, pautada por uma linha de baixo envolvente.
Nota-se mais garra eléctrica que no anterior projecto. “American Guilt” entra de rompante com uma pujança imparável fruto da sua distorção exacerbada mas o final mostra-nos algo mais, é contemplativo e inesperado, semelhante a alguém a aperceber-se dos seus erros. “Major League Chemicals” é rápida e envolvida em toda aquela lo fi que já é apanágio de Nielson, com riffs de guitarra que ecoam a voz e uma letra que discute uma mulher que se perde no universo das drogas, ainda que saiba os seus perigos. O grupo tenta balancear todas as suas sonoridades com momentos rápidos e intensos e outros mais descontraídos mas transparece uma falta de equilíbrio no meio deste universo, não existe um fio condutor claro.
Ao longo do álbum, é visível uma preocupação de Nielson com o estado actual da sociedade mas a maneira como o mostra é tímida e pouco desenvolvida. “Chronos Feasts on His Children” é uma bonita ideia acústica sem nunca ser mais do que isso, com um arranjo vocal que discute o suplantar das gerações futuras pelos senhores do passado e “This Doomsday” questiona um deus que condenou o autor sem nunca ir além de um “choro” suspirado por Nielson. “How Many Zeros” vira-se para o ouvinte, perguntando quanto será suficiente para nos sentirmos satisfeitos, com uma progressão instrumental interessante numa música que soa apressada e pouco desenvolvida. Sex & Food mostra uma versão de um mundo entregue a prazeres mundanos e destrutivos em alguns casos, espelhando uma frivolidade com músicas que em alguns casos se desintegram rapidamente.
O álbum acaba com “If You’re Going to Break Yourself”, uma música sobre crescer e sobre amizades que por vezes têm de acabar. Terminar o álbum com esta confissão diz muito sobre a música de Nielson: é primeiramente uma extensão do seu pensamento, que em Sex & Food soa mais abstracto que noutros projectos da banda. Há potencial mas não é totalmente explorado com a sagacidade e primor de outros tempos de Unknown Mortal Orchestra. Ainda assim, há momentos que são belas adições à discografia da banda e ao seu cruzar de lo fi com psych pop.