Sísifo e o problema do suicídio vs não-existência
Uma vez delineei um plano para sucesso garantido. Ia escrever o máximo que conseguisse, com vários graus de qualidade e, no final, matava-me. A lógica é que, artistas, depois de mortos têm mais hipóteses de serem descobertos e (in)compreendidos.
Não durou muito tempo. Por muito que tenha sofrido, suicídio é apenas uma ideia, uma possibilidade. Dificilmente se tornará realidade. Nietzsche disse melhor.
“A ideia do suicídio é um forte meio de conforto: com ela superamos muitas noites más.”
Felizmente até agora tem sido apenas isso. Encaro o suicídio como uma ideia romântica. Um escape total a qualquer tipo de sofrimento que possamos estar a passar. Há conforto nisso, como Nietzsche diz. Não queres sofrer mais? Tens sempre essa solução. Não queres aguentar outro dia? Não queres ir às finanças? Ao registo civil? À festa dum parente que odeias? Fantasia como te vais matar. Até o Louis CK tem um bit sobre isso.
“Nunca temos de fazer nada…porque podemos matar-nos” e (…) suicídio resolve todos os nossos problemas.”
A palavra-chave aqui é fantasia. Eu prefiro pensar na morte e suicídio não como um método para atingir um fim, mas mais como um estado de total remoção deste reino. Não é bem a ideia de nos matarmos, mas simplesmente a noção de não existirmos neste mundo. O suicídio em si é sujo, imprevisível, requer um grau de coragem que eu sei que não possuo e a probabilidade de sermos bem sucedidos é de 20 em 1. Ou seja, é mais fácil sobrevivermos a uma tentativa de suicídio e, dependendo do método escolhido, viver o resto das nossas (miseráveis?) vidas com implicações de saúde sérias – mentais ou físicas – originadas pela tentativa. Não sei se o meu orgulho alguma vez recuperaria de “nem isto consegui fazer bem” ou se reteria a capacidade intelectual para perceber o que tinha acabado de fazer. O enforcamento, por exemplo, tem uma taxa de sucesso de 70%, mas os 30% que sobrevivem têm de viver com possíveis lesões a nível de danos na coluna, dano cerebral por falta de oxigénio no cérebro, fracturas na laringe, fracturas na traqueia, etc. É uma estatística demasiado alta para sequer considerar essa possibilidade.
Não. Para mim o suicídio contrasta com a ideia da não-existência. Eu preferia não existir, mas nunca seria capaz de me matar. Digo, a brincar, que preferia não ter nascido e culpo a minha mãe por me ter tido. Afinal de contas, se nunca tivesse nascido, nunca sentiria o que já senti, ou teria passado pelo que passei. O meu problema existencial não é encontrar significado na minha vida, mas sim aguentar uma vida vivida com altos e baixos, onde os altos são do tamanho do Evereste e os baixos levam-me aos poços mais profundos do inferno.
A culpa é toda minha. Já admiti isso anteriormente. Sou uma pessoa que vive intensamente as emoções. Também tenho uma capacidade sobrenatural de overthinking ou sobre-analisar todas as questões, palavras, letras, vírgulas e pontos finais. Com isso escrevo a receita perfeita para o desastre. Como em tudo, tento encontrar um equilíbrio. Contemplar uma não-existência não quer dizer que sejamos um risco suicida. É apenas a nossa imaginação a criar um mundo onde não existimos e a ponderar como ele seria.
Como se costuma dizer, o suicídio é uma solução permanente para um problema temporário.
Não devemos ter medo de falar sobre isso. Não tenho medo que me julguem. Sei que sou uma pessoa equilibrada e forte, que tem aguentado 29 anos de uma vida não tão fácil. Há pouco que me possam atirar que eu não aguente, mas mesmo assim entretenho a ideia de não existir. No meu braço tenho tatuado “EASY/LUCKY/FREE”, uma música de Bright Eyes. A interpretação é que não há nada tão FÁCIL, SORTUDO ou GRÁTIS como o suícido/morte. É o último dos últimos recursos e a derradeira solução para todos os nossos problemas. Não a correcta, mas a derradeira.
Também acredito que é fonte de inspiração para muitos artistas e escritores (eu incluído). Encarar as nossas fraquezas e problemas existenciais dá-nos o combustível necessário para criarmos beleza, concreta ou abstracta, digital ou analógica. É ao olharmos para o mundo – para o nosso mundo interior – que lemos o que há para ser escrito e vemos o que há para ser pintado. Podemos criar valor através da ideia e equilibrar a vontade de não existirmos com as possibilidades do futuro. Até um excerto duma banda desenhada do super-homem abordou o suicídio uma vez. Nele, o super homem tenta dissuadir uma mulher de saltar de um edifício e as palavras que sempre ficaram comigo foram:
“A friend of mine, many years ago, took her life. She was terminally ill. Everyday was an agony, and she decided one day that she knew – without question – that she would never have another happy day. And she…well, I guess you could say she checked out early. I understood, I didn’t approve, still don’t, but I understood. If you honestly believe, in your heart of hearts, that you will never ever haver another happy day…then step out into the thin air. I’ll keep my promise. I won’t stop you. But if you think there’s a chance – no matter how small – that there might be just one more happy day out there…then take my hand.”
Acho que é justo dizer que todos aqueles que batalham com a ideia, podem, devem e querem acreditar de que há uma possibilidade das coisas melhorarem. Pessoalmente, eu sei que vou ter mais dias felizes. A prova disso é que já os tive no passado. Os azares ou ondas menos boas do presente não significam nada se compararmos com aquilo que o futuro nos reserva. Só temos é uma maneira de o vermos por nós próprios: temos de aguentar a dor de hoje e continuar por cá. É nisso que me foco. É quase engraçado como uma banda desenhada me salvou a vida – e continua a salvar.
Em o “Mito de Sísifo”, Camus abre o ensaio com uma linha famosa:
“Existe apenas um único problema filosófico realmente sério: o suicídio”
Sísifo e a sua luta é um tema bastante querido para mim. Foi através dele que descobri Kafka quando me foi pedido na universidade, numa aula de filosofia, para relacionar os dois.
Para quem não sabe, segundo a mitologia grega, Sísifo foi um mortal condenado para toda a eternidade a carregar uma enorme pedra de mármore, com as suas próprias mãos, até ao cume da montanha. Antes de conseguir completar a sua tarefa e perto do final, a pedra rolava para baixo até ao ponto de partida com uma força inexorável. Sísifo ainda hoje repete o esforço outra e outra vez.
Há uma moral nesta história aplicada à nossa actualidade. Somos uma sociedade cada vez mais corporizada, cada vez mais automizada, onde o valor humano é esquecido – quase nulo – e o esforço pedido é apenas um processo mecânico, longo e repetitivo. Sísifo e a sua luta representam isso. Inúmeros filósofos falaram melhor do que eu sobre o tema, pelo que não me vou alongar muito, mas não quer dizer que não possa tirar as minhas conclusões morais e éticas.
É preciso coragem para encarar este mundo, dia após dia. Louvo e respeito todos os que não desistem e o conseguem.
“O mundo está repleto de pessoas que não se mataram hoje.”
Para todos os que ainda aqui estão e todos os dias é uma luta para verem o mundo a cores: vocês são fantásticos, mais fortes e capazes do que julgam.
Repito para todos aqueles que querem ouvir:
Não estão sozinhos.