Frederico Lourenço / Fotografia de Ricardo Almeida
Com organização das minhas colegas Cláudia Cravo e Susana Marques, decorreu hoje de manhã na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra uma reflexão fascinante sobre o ensino do grego e do latim, em que intervieram Maria de Fátima Silva, Mário Martins, Miguel Monteiro e Ricardo Acácio.
Foi óptimo ouvir os quatro oradores, mas em especial foi extremamente animador ouvir o Dr. Mário Martins falar sobre a sua experiência na Escola Secundária de Camões (antigo Liceu Camões). Convenço-me cada vez mais de que estamos potencialmente à beira de um renascimento do grego e do latim no nosso país, situação para que tanto têm contribuído, de forma heróica, os professores do ensino secundário e, nas universidades, os colegas ligados à área da didáctica do latim.
Quando eu era jovem assistente em Lisboa em inícios dos anos 90, eu e os colegas da minha geração reagíamos aos muitos colóquios que então se realizavam sobre o ensino do latim com uma atitude de irreverência sardónica, pois parecia-nos – naqueles anos de ouro em que milhares de alunos faziam todos os anos o exame do 12.º ano de latim – que tudo aquilo era chover no molhado.
A situação em 2018 é radicalmente diferente. Hoje precisamos como nunca de reflectir sobre o ensino das línguas clássicas, de desenvolver um espírito de grupo entre professores dos ensinos secundário e universitário. Precisamos de reunir forças e de concentrar esforços, para cada vez mais mostrarmos a todas e todos a importância da aprendizagem do latim e do grego.
Internamente, precisamos também de falar entre nós sobre as melhores metodologias, mais adequadas aos dias de hoje, em que tudo é tão diferente do que era quando eu próprio fui estudante de licenciatura na FLUL.
Não faz sentido, hoje, dar aulas de grego e de latim como se dava naquele tempo, em que tudo se baseava no sistema da chamada oral em cada lição. Nós tínhamos de estudar os textos sozinhos, para depois sermos interrogados sobre eles na aula. Sabe Deus as horas infinitas que gastávamos naquilo (contabilizei, no meu segundo ano de licenciatura, 10 horas de preparação em casa para cada texto marcado para uma aula de grego… imagine-se isso hoje!), sem que nos tivessem sido dadas as bases de que precisávamos tão urgentemente: acima de tudo, a interiorização sistemática do vocabulário básico do grego e do latim. Ainda me lembro de fazer teste de Latim II na FLUL em 1985 e de ver a colega ao meu lado em pânico à procura no dicionário da palavra «quod».
Os desafios hoje na sala de aula são outros. Hoje ninguém perde 10 horas a preparar uma página de Platão como nós fazíamos, porque hoje há recursos online que nos explicam por miúdos cada palavra de cada texto que Platão escreveu. O processo que a nós levava horas – identificar uma forma verbal particularmente difícil, por exemplo – hoje leva 5 segundos e um clique a resolver. Não serve de nada basear as aulas de grego e de latim nessa metodologia antiga, pois as alunas e os alunos de hoje nada vão aprender com ela.
As aulas de grego que dou hoje são completamente diferentes das que eu dava há 20 anos. A nova realidade levou-me a repensar as minhas estratégias de ensino e, nesse campo, não sou saudosista. Posso ter saudades da melhor preparação linguística que os alunos tinham há 20 anos, mas tenho vindo a achar as aulas no novo modelo bem mais interessantes.
O problema que mais me preocupa é a grande desvantagem de as pessoas começarem na universidade a sua aprendizagem do grego e do latim. Devia caber ao ensino universitário levar a leccionação para níveis bem avançados. O que é que se pode fazer, hoje, num Grego VI ou num Latim VI, quando esses níveis são o semestre n.º 6 contando do zero? Fazemos o melhor possível, mas não podemos pensar que estamos a dar o nível mais avançado que seria desejável numa universidade.
Quando eu fiz as cadeiras de Grego III e de Latim III, esses níveis correspondiam (pelo menos teoricamente) ao 6.º ANO (não semestre!) de grego e de latim (pressupondo aproveitamento, no ensino secundário, nos 10.º, 11.º e 12.º anos). Mesmo assim, bem nos vimos e desejámos na luta renhida com os «Persas» de Ésquilo; e sofremos com a atitude de quem nos ensinava de que tínhamos obrigação de saber tudo sem que tivéssemos sido ensinados (pois quando eu olho para trás e comparo o antigamente com a realidade de hoje, dou-me conta de que os professores ensinavam muito pouco naquele tempo – embora paradoxalmente os estudantes, «deitados às feras», não tivessem outro remédio senão aprender imenso por sua conta e risco).
Hoje nós, professores, ensinamos muito mais; no entanto, tantas vezes ficamos com a sensação de que quem está na posição de estudante aprende, atualmente, muito menos.
É para equilibrar estes desequilíbrios que iniciativas como a de hoje de manhã são tão importantes. Parabéns à Cláudia e à Susana – e venham mais jornadas destas, tão necessárias.