SOPHIE (1986-2021): vanguarda que é legado
Morreu hoje uma das nascentes pioneiras do movimento hyperpop, que marcou a segunda metade da última década no mundo da música. Sophie Xeon (SOPHIE), a produtora que mesclou a electrónica explosiva e experimental com a exploração de sonoridades mais doces e emocionais, deixa-nos aos 34 anos de idade, vítima de um acidente em Atenas, cidade onde residia.
A música de Sophie, que começou a sua carreira nos circuitos de clubbing, era caracterizada pela fusão entre uma house futurista e uma aproximação descontruída à música pop. Ao longo dos anos colaborou com A. G. Cook (fundador da PC Music), Charli XCX, Vince Staples e Madonna. Mas foi o seu álbum de estreia, editado em 2018, que a consagrou como um dos nomes mais sonantes da electrónica na actualidade.
O som abrasivo que pauta Oil of Every Pearl’s Un-Insides, o trabalho a solo que nos deixa como legado, constituiu uma novidade e abertura de mundos para estes ouvidos há dois anos e meio atrás. Quando em 2018 o ouvia pelas primeiras vezes, entrava numa viagem surpreendente, texturada, abrasiva e emocionante. Propositiva e provocadora, a música da artista desconstruía e abria caminhos, revelando um espaço psicológico e pessoal simultaneamente frágil e corajoso.
SOPHIE cruzava o doce e o rugoso, o tecnológico e o orgânico, em estruturas musicais alimentadas a volte-faces inesperados ao nível da produção, desarrumando formas e quebrando (pre)conceitos. Intenso, denso, caótico, o universo musical da artista e produtora era também permeado pelo contraste eufórico que faixas como “Immaterial” davam a conhecer.
Oil of Every Pearl’s Un-Insides figurou entre os álbuns preferidos do seu ano para a Comunidade Cultura e Arte, e tivemos oportunidade de assistir aos concertos que deu no NOS Alive em 2018 e no NOS Primavera Sound em 2019.
Custa assistir à partida prematura de uma artista promissora que ajudava a revolucionar um género, e cujo legado musical influenciou e continuará a influenciar a música electrónica e pop. Mas, como dizia a primeira faixa do seu trabalho, “it’s ok to cry“. E a tristeza convive com uma certeza: os amplos rios de criatividade da sua breve carreira (e vida) continuarão a ser testemunho do quanto a liberdade e a vanguarda artística podem contribuir para a humanidade, quando somos fiéis ao que sentimos e, sem amarras, nos expressamos. E isso é tão válido para quem produz a arte como para nós, que a ouvimos. Obrigado, SOPHIE.