“Sorry We Missed You”, de Ken Loach: uma família à beira do colapso
Depois de ter vencido a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2016, com I, Daniel Blake, o octogenário realizador britânico está de regresso com Sorry We Missed You, filme de abertura do Lisbon & Sintra Film Festival, integrando a secção Fora de Competição. A sua carreira sempre se caracterizou por uma abordagem social realista, dramas que retratam pessoas desfavorecidas em Inglaterra, guiando o espectador pelas instituições e sistemas direta ou indiretamente responsáveis pelas dificuldades que os personagens atravessam.
O foco do filme anterior de Loach era o martírio que um carpinteiro de meia idade atravessa, após ter sofrido um ataque cardíaco, na tentativa de obter algum apoio do estado e subsídio de desemprego. No seu novo projeto acompanhamos uma família desfavorecida, o pai (Kris Hitchen) recentemente empregado numa empresa de entrega de encomendas ao domicílio, a mãe (Debbie Honeywood) assistente social, o filho (Rhys Stone) adolescente problemático e a filha (Katie Proctor) com cerca de 10 anos de idade. O filme vai demonstrando como as débeis e exploratórias condições de trabalho garantidas aos progenitores se vão repercutir no bem-estar de toda a família, uma luta constante para ter dinheiro suficiente para pagar as contas e, simultaneamente, garantir alguma sanidade e equilíbrio mental para todos.
Seguimos os Turners individualmente durante o dia, observando minuciosamente as suas rotinas. À noite, reunidos, tentam lidar com as frustrações que vão surgindo, quase sempre relacionadas com a rebeldia do filho adolescente e gravemente potenciadas pelas muitas horas de trabalho precário que enfrentam no dia-a-dia. O emprego do pai é particularmente esmiuçado, nas falsas promessas de liberdade, autonomia e prospecção de carreira, satiricamente denunciadas por Loach.
O cineasta vai tentando atenuar o sentimento trágico que se vai instalando, com alguma dose de humor, valendo-se da atuação superior de Kris Hitchen. No entanto, sem desprimor pela enorme relevância dos temas abordados, e mesmo considerando o maior investimento na caracterização dos personagens em relação a, por exemplo, I, Daniel Blake, o realizador permanece demasiado didático. É como se Ken Loach pretendesse abordar todos os problemas relacionados com o capitalismo, a pobreza e a parentalidade num só filme, criando um tom que se torna, progressivamente, miserabilista e deprimente, subjugando os seus personagens a infortúnio atrás de infortúnio, até não sobrar uma réstia de esperança.
A riqueza do retrato detalhado e empático da dinâmica de vida desta família, das nuances que caracterizam cada membro, e mesmo a pertinência e humor com que a crítica social vai sendo construída, desvanece assim que Loach começa a manipular as personagens para mostrar o seu ponto. A ambiguidade moral latente aos comportamentos dos personagens transforma-se numa observação simplista e estereotipada, tornando-os peões do jogo que o realizador pretende a todo o custo ganhar.