Sozinho em palco, Luís Severo encheu de poesia o Teatro Ibérico
É sempre bom ver artistas de que gostamos a ter reconhecimento. É também especialmente comovente quando tais artistas são portugueses, o que inevitavelmente, por muito que tentemos disfarçar, desperta um certo orgulho nacional pelo que de bom aqui é feito. Ora, ver Luís Severo encher por dois dias o Teatro Ibérico é mais do que motivo de brio, seja por o vermos a ter o tão merecido sucesso — este que se apresenta como um dos mais inventivos e articulados jovens cantautores portugueses —, seja por estarmos a assistir à reinvenção de um público, que está novamente a dar oportunidade à boa musica que em Portugal é feita.
Assim, foi no dia 29 de Março que presenciámos — e da forma mais crua possível — a apresentação do seu segundo álbum.
Pouco depois das 21h30, Lucía Vives fez as honras, com um pequeno concerto de abertura em que tocou temas do seu EP Príncipe Real — produzido por Severo, e no qual o próprio tem alguma contribuição instrumental —, à semelhança do que fizera na Casa Independente semanas antes, utilizando apenas uma guitarra e a sua voz.
Foi perto das 22h10 que Severo surgiu em palco. A cortina abriu-se e desvendou o cantor por trás de um grandioso piano de cauda, tocando já a primeira canção da noite, “Meu Amor”, do segundo LP. O nervosismo, que se conseguia sentir nas primeiras músicas, foi-se progressivamente desvanecendo — pelo menos aos olhos e ouvidos da audiência — à medida que ia ficando mais confortável com este formato “despido” em que se apresentava. Todo o peso da atuação revolveu à volta da sua voz e do seu instrumento de escolha, primeiramente o piano e, numa segunda parte, a guitarra acústica. Apresentou-nos temas novos e do antecessor Cara D’anjo, e ainda tivemos direito à “Cabanas do Bonfim”, canção do duo Flamingos, do qual faz parte com Coelho Radioativo.
A voz quente e as palavras doces de Severo fizeram-se ouvir em “Cabeça de Vento” e “Lamento”, enquanto que “Vida de Escorpião” trouxe quase que reminiscências espirituais ou medievais, lírica e sonicamente. “Planície (Tudo Igual)”, logo no início do set, e “Escola” aceleraram o passo da atuação. De notar o modo como estas duas músicas, instrumentalmente carregadas em álbum, foram bem reproduzidas neste formato stripped down escolhido pelo cantor. À medida que a atuação decorria, as luzes, sempre focadas no piano, iam mudando de cor, o que acompanhou bem os diferentes compassos das músicas. Talvez o único problema terá sido o facto de, nos temas mais calmos, ser audível o libertar do pedal do piano, problema que seria difícil de contornar face ao tamanho da sala e a uma audiência silenciosa compenetrada nas canções que lhe eram apresentadas. Problema menor portanto, que em pouco feriu a magnífica performance de Severo.
A cortina começou a fechar-se no fim da “Olhos de Lince”, e pouco depois volta a abrir-se revelando o cantor, sem dúvida mais confortável neste formato, em pé e de guitarra ao peito. Iniciou com o segundo single do novo álbum, a alegre e contagiante “Boa Companhia”, passando pouco depois para uma das mais belas composições do mesmo, o tema de abertura “Amor e Verdade”, que enaltece Severo enquanto poeta lírico.
Acaba animado com o single “Ainda é Cedo”, do primeiro álbum, antes de um quase encore — dado que não foi precisa toda a teatralidade de sair do palco e voltar ao som bajulatório dos aplausos e gritos —, com a “Lábios de Vinho”, que terminou o concerto.
E foi assim, por entre odes ao amor e a Lisboa, que Luís Severo se apresentou a um público repleto de fãs e amigos — eram muitas as caras da Maternidade e Cafetra, e claro o pessoal da Cuca Monga, com Tomás Wallenstein a dar a assistência em palco —, concretizando aquele que disse ser o set mais longo da sua vida, com 16 canções, nunca deixando de ser imersivo, com uma vulnerabilidade que em tudo incitou a um mergulho mais profundo nas suas palavras.
Fotografias de Francisco Aguiar