“Stillwater”, de Tom McCarthy: a inalcançável redenção
Estranhos tempos em que vivemos onde uma obra realizada por um vencedor de Óscar de melhor filme — Tom McCarthy com Spotlight (2015) — e protagonizada por Matt Damon não tem qualquer estreia em sala, não passa sequer nas plataformas de streaming, e segue diretamente para o videoclube da NOS. Não que os prémios, por si só, sejam sinónimo de qualidade, mas Stillwater tem efetivamente vários pontos de interesse que justificavam pensar a sua distribuição de outra forma, algo que nem a sua seleção para o Festival de Cannes 2021 parece ter permitido despoletar.
Bill Baker (Matt Damon) é um trabalhador de plataforma petrolífera de Oklahoma que vive assombrado por um passado traumático. A sua filha encontra-se a cumprir pena de prisão em Marselha pelo homicídio da namorada que conheceu em Erasmus. Surgindo indícios que apontam para a sua inocência, Bill não se poupa a esforços no sentido de encontrar o alegado homicida, procurando dessa forma reparar a deteriorada relação parental. McCarthy vai desenrolando todo este novelo narrativo progressivamente, fazendo-nos seguir Bill de perto, nas suas rotinas diárias e, mais tarde, nas viagens que regularmente efetua a Marselha para visitar a sua filha na prisão.
E é numa dessas viagens que o filme se detém. O cineasta norte americano filma Matt Damon como Christian Petzold filma Franz Rogowski, também nas ruas de Marselha (Transit (2018)), ou Pedro Costa filma Ventura no Casal da Boba (Juventude em Marcha (2006)). Apesar do que cinematograficamente os separa, a preocupação com a alienação dos corpos ao ambiente que os rodeia é comum, presenças espectrais e deslocadas, em permanente busca de um lugar onde pertencer. E Matt Damon incorpora esta rigidez de forma sublime, nos seus gestos contidos e rosto carregado, que tanto nos diz sem que para tal seja necessário qualquer diálogo.
A estadia em França, alargada quando Bill percebe que poderá provar a inocência da filha, assume novos contornos quando o seu caminho se cruza com Virginie e Maya, mãe solteira e a sua filha. É neste microcosmos que se desenvolve entre os três personagens que Stillwater mais brilha, e onde gradualmente Bill se vai desenvencilhando da impenetrável armadura que até então o revestia.
Infelizmente o filme perde algum fulgor quando se recorda que tem uma narrativa de thriller por cumprir, acabando por chegar a lugares-comuns e desenlaces truncados. A verdade é que o destino do personagem principal estava traçado desde o início, eternamente amarrado ao passado e condenado a uma jornada de inalcançável redenção. O filme termina no alpendre da moradia de Bill, de regresso a Oklahoma. Apesar de estar em casa, o sentimento de alienação perdura, como se a falta de um vínculo afetivo de pertença a um dado lugar não estivesse já associada a qualquer território ou espaço físico. “Life is brutal”, comenta Bill Baker. Por um lado em jeito de lamento mas finalmente resignado com a fatalidade do seu destino.