‘Stronger’: Jake Gyllenhaal, o herói involuntário
Espera, o que faz o realizador da comédia delirante Grande Pedrada num filme baseado em factos verídicos? Calma, David Gordon Green até tem boas provas dadas no tratamento do real. Lembram-se de Os Profissionais da Crise, o tal filme sobre o B-a-ba do marketing político aplicado a uma campanha presidencial boliviana com o Joaquim de Almeida e a Sandra Bullock, também ele baseado na realidade de um documentário?
Aliás, foi o próprio David quem nos explicou, durante a sua deslocação a Lisboa para promover esse filme, o seu interesse pelo trabalho com o real. Não espantará por isso esta sua conversão para o grande ecrã dos atentados à bomba durante a maratona de Boston em 2013 que ceifaram a vida a três pessoas e deixaram várias pessoas feridas! Em particular, o trauma de Jeff Bauman que viu ambas as pernas serem amputadas com o deflagrar da bomba e se converteu num herói involuntário e impreparado.
A novidade é que este cineasta de Austin, no Texas, previu esse torcer de nariz e trabalhou o suficiente para conseguir por um pé nos factos reais e auscultar até a dimensão do herói sem exagerar demasiado no normalmente associado lado adocicado. Uma consequência mais ou menos imediata é que esta prestação de Jake Gyllenhaal acaba por se perfilar para uma short list para os considerados aos Óscares. Stronger – Força de Viver está longe de ser o novo Forest Gump, mas também não envergonha.
Nesse sentido, Gyllenhaal é o homem calhado para assumir a viagem do bonacheirão Jeff Bauman, feroz adepto dos Red Sox e das noitadas dos amigalhaços que tantas vezes ameaçam o equilíbrio da sua periclitante relação amorosa com Erin Hurley (uma revelação chamada Tatiana Maslany, vencedora de um Emmy na série Orphan Black) bem como na sua instável relação laboral. Uma vida a prazo que a bomba amputará em parte, mas que devolve depois sob a forma de um dever deste homem sem pernas que se torna num herói nacional, até porque acabará ainda por identificar um suspeito com quem se cruzara instantes antes da explosão. É também por aqui que o romance best seller de Bauman e Bret Witter navega com a sensível adaptação de John Pollono. Sim, haverá lágrimas.
É este tipo mais ou menos irresponsável, mais ou menos fiável que conhecemos no início, pelo menos o suficiente para que Erin não fique segura de que o namorado ligeiramente embriagado irá mesmo aplaudir a sua chegada no fim da maratona. Só que desta vez ele não só foi como levou um cartaz que acabou por se converter também numa imagem da tal força de viver que se respira naquela cidade.
Será também essa a força para superar a dor de receber as próteses e a sensação de que o estatuto de herói que, entretanto, os media lhe colaram. Ele que acabará por recusar uma presença no show de realidade de Oprah, que deixará incrédula a mãe com problemas de alcoolismo, num regresso muito saudado de Miranda Richardson, e que não se sente à vontade a dar autógrafos. Se este turbilhão de sensações se agudiza quando chega o momento embaraçoso de ter sexo pela primeira vez com a namorada, imagine-se então quando Erin engravida daquela que será a sua filha Nora. É nessa lenta recuperação em que aprende a andar de novo que percebemos que esta luta não é de um homem só, mas travada em conjunto. Isto apesar de, atualmente, o casal já não estar junto, um aspeto que o filme não menciona.
E é também por este equilíbrio entre a emoção genuína e o cuidado para não escorregar na casca de banana do lado mais mainstream do dramalhão deste tipo que Gordon Green consegue sair-se com um filme que não desagrada. Ganha força a forma como a câmara de Green se aproxima das personagens. Sim, este é bom material para Gyllenhaal superar algumas escolhas menos conseguidas como poucos se bem que Jake acabe por deixar sempre algo de robusto nas suas prestações, temperando aqui o humor com o drama de uma forma espontânea com que não estamos muitos habituados a ver. Até mesmo quando lhe tocam personagens demasiado coloridas como em Okja, o tal filminho que foi straight to Netflix e que antecedeu esta Força de Viver. Só é pena que no final do filme se perca parte desta inesperada credibilidade e se ceda a uma fórmula mais estereotipada.
Artigo escrito em parceria com Insider.pt