Super Bock em Stock (dia 2): Jungle fecharam o festival com chave de ouro
No segundo e último dia de Super Bock em Stock, o festival que nos leva a desfilar pela Avenida da Liberdade ao som da música, a chuva maçadora não ajudou ao desfile. Ainda assim, os festivaleiros decidiram marcar a sua presença em força, principalmente no concerto de fecho, cortesia dos Jungle, que encheram o Coliseu até aos andares mais elevados da cúpula. Descobre aqui qual foi o nosso trajecto e aquilo que nos impressionou mais (e menos).
A nossa experiência musical começou na companhia de uma das maiores estrelas ascendentes da música contemporânea brasileira, Tim Bernardes. O artista paulista apresentou-se a solo, na forma mais próxima de aquando da génese das suas canções, compostas na solidão do seu quarto. Agora, com o sucesso que Recomeçar, o seu disco de estreia, tem tido, o quarto tornou-se muito maior e alberga gente que enche a lotação do Teatro Tivoli. No entanto, a experiência continua a ser intimista, pois cada um dos presentes experiencia as canções cruas no seu âmago. O silêncio que se sentia, mesmo nos momentos mais calmos das canções, demonstrava a concentração que o público dedicava ao espectáculo, algo fascinante num festival normalmente tão buliçoso. O êxtase vinha no final de cada música, quando o público ovacionava canções como “Não”, “Ela” ou o inusitado medley que contrapôs Black Sabbath e Belchior, tocado ao piano. Sentia-se o fervilhar entusiasmante de uma nova paixão musical que encontrámos, cujo nome é Tim Bernardes.
De seguida, descemos até ao Coliseu para apanhar Still Corners, uma daquelas bandas que andam a espreitar para a ribalta alternativa, sem nunca realmente chegarem lá. O concerto explica-nos porquê. É que a música destes britânicos move-se por terrenos do dream pop e synthpop, com um mood à la Beach House e outras bandas de vozes etéreas, mas ao vivo nunca chega a pairar. Falta-lhe alguma emoção, algo que eleve a música acima de murmúrios agradáveis. Apenas quando as canções se tornam mais aguerridas, com ritmos mais pesados e as linhas melódicas que cativam em disco, como aquela de “The Trip”, é que os Still Corners causam mais impressão. De resto, não se destacam no meio da paisagem saturada deste estilo.
Decidimos dar um pulinho à Estação do Rossio pela primeira vez neste festival para ver o concerto de SOAK. Chegamos com cinco minutos de antecedência e a banda ainda se encontra a fazer o soundcheck, o que não nos parece um bom augúrio. Ainda temos de esperar uns 15 minutos pelo início do espectáculo em si, em que a voz aguda de Bridie Monds-Watson soa estridente, a bateria demasiado baixa e a música caótica. Entretanto, as coisas alinham-se para a segunda canção, que deixa entrever um bom concerto a partir daí, mas o atraso de 10 minutos já nos roubou tempo de festival. Não seria algo dramático, mas todo o tempo conta quando há quatro ou cinco espectáculos ao mesmo tempo e até gostaríamos de espreitar um pouco de todos eles. Sendo assim, temos de rumar a outras paragens e ainda bem que o fazemos.
No Palácio da Independência, com uma tapeçaria com um brasão de Portugal por trás, actuava David Bruno, encapsulando a cultura portuguesa mais corriqueira nas suas letras. Todo o conceito por detrás da sua música e os acontecimentos do concerto caem um pouco no campo da absurdez, mas uma absurdez hilariante. Parece tudo uma grande piada, e quem se souber rir com ela, desfruta muito mais da experiência. Batidas de trip-hop e uma guitarra ecoante e sensual são a base para as frases repetidas, que referenciam a cultura dos arredores do Porto e situações caricatas do dia-a-dia do artista, inspirações claras para a música. “Esta música é sobre o momento em que decidi mudar-me para Rio Tinto” é a frase que antecede uma canção completamente instrumental. Nada a dizer sobre Rio Tinto, parece-nos. O momento determinante do espectáculo é quando são distribuídas bases para copos com a cara do artista, mas raios nos partam se a música que serve de pano de fundo a tudo isto não soa genuinamente bem.
Perto daí, já os U.S. Girls davam início ao seu concerto. Chegámos na altura em que o guitarrista Max Turnbull se dedicava a um solo extenso de guitarra, o que nos aborrece porque o que realmente queremos ouvir são as canções do fabuloso In a Poem Unlimited, álbum lançado este ano. Eis então que Meg Remy, cabeça do projecto, suspira e solta “Rosebud”, uma das mais belas canções do mesmo. No entanto, ao vivo a chama parece algo apagada. A banda demonstra uma óptima sincronia, mas não parece empenhada em convencer o público a alinhar-se consigo. Deixamos aqui um parênteses importante: mal acaba o concerto, vemos que a banda tem um concerto de última hora marcado na Galeria Zé dos Bois, no dia seguinte. Aí, a prestação não tem nada a ver: é excitante, com um som imaculado e um intimismo noir e teatral que se perdeu no Coliseu. Falamos com Meg no final, que nos diz que compreende que tenhamos ficado desiludidos com o concerto do dia anterior, dado que problemas de som o atormentaram. Sentimos que a banda se redimiu a nossos olhos, pelo que tínhamos de referir isto.
No entanto, no momento o espírito era de desilusão, pelo que deixámos nas mãos de Rejjie Snow a tarefa de nos animar. O rapper irlandês, à semelhança de Masego no dia anterior, tinha uma fila interminável à porta do Capitólio para o ver. Claramente, o hip-hop é dos géneros que mais move pessoas a este festival e, por mais que a sala seja adequada para o receber, torna-se demasiada pequena para a afluência. A música de Rejjie é-nos transmitida por um DJ de sotaque cerrado (um simples “are yous ready?” pronunciado à moda de Drumcondra, bairro de Dublin de onde vem o rapper, só é percebido à segunda pelo público) e é animada o suficiente para pôr o público a dançar, mas não entusiasma tanto como a de Masego fez no dia anterior. Parece-nos que as batidas e melodias são orgânicas o suficiente para lucrar com uma banda ao vivo, algo que sem dúvida fez falta. Mas já teríamos a nossa dose de música dançável feita ao vivo a seguir.
Eis que é chegada a altura do concerto que mais pessoas terá levado ao Super Bock em Stock: o dos britânicos Jungle. A banda é recebida com efusão e mantém esse espírito à medida que voa pelo seu repertório. Logo à segunda canção – a infecciosa “Heavy, California” – a atmosfera é de festa e o público não consegue deixar de cantar e dançar. A banda tem o condão de controlar e produzir um óptimo som ao vivo, o que permite que todos os detalhes que as pessoas adoram em álbum lhes sejam transmitidos em concerto, seja a batida sedosa de “The Heat”, os sintetizadores borbulhantes de “Cherry” ou as palpitações inquietas de “Lucky I Got What I Want”. No entanto, a meio do concerto, aquilo que julgamos ter sido um dos pads da bateria dá de si, cortando “Crumbler” pela metade. A banda tenta repetir, acabando por passar a “Lemonade Lake”, que também acaba mais cedo devido aos problemas de som. Após duas saídas de palco e cerca de 10 minutos de interrupção, o problema lá se resolve, mas não sem alguma quebra de entusiasmo por parte do público.
O regresso faz-se ao som de “Casio”, a canção sem o falsetto característico da banda, mas com o ritmo constante que já é dos favoritos dos fãs, tendo em conta a reacção que se faz sentir. No entanto, por muito que a banda ganhe quilometragem ao vivo, não haverá canção mais bem representada ao vivo que “Drops”. A pequena pérola subtil do álbum de estreia ganha uma força inacreditável ao vivo, com o clímax que impele a um headbanging de deslocar pescoços. É ela que abre a recta final, encabeçada por “Busy Earnin’”, cujos sintetizadores a imitar trompetes fechariam o concerto optimamente, mas Tom pergunta-nos se queremos mais uma e nós não nos fazemos rogados. “Time” fecha então o concerto com chave dourada, pelo meio de alguns louvores ao público português e ao nosso país onde a banda se diverte sempre tanto. Pois bem, nós também nos divertimos muito com os Jungle e faremos sempre por ver os seus excelentes concertos ao vivo, mesmo com falhas técnicas.
Assim se concluiu mais uma edição do Super Bock em Stock, que enfrentou algumas dificuldades, mas conseguiu deixar na nossa mente as memórias dos melhores concertos que nos proporcionou. Porque, no fim, é isso que importa e realmente fica connosco, a experiência musical.